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Anathema :::12/08/17 ::: Carioca Club
Postado em 19 de agosto de 2017 @ 18:47


Fotos: Leandro Almeida

Texto:  Vagner Luiz

Agradecimentos: Costabile Salzano Jr / Overload

Será que há, na história do metal, alguma banda que tenha mudado tanto seu som ao longo do tempo como o Anathema? Se você puser algum desavisado para ouvir o mais novo álbum do conjunto de Liverpool, The Optimist, e em seguida colocá-lo para escutar Serenades, de 1993, o pobre coitado não vai acreditar se tratar da mesma banda (deixá-lo às escuras numa audição da demo An Illiad Of Woes, de três anos antes, então, seria covardia!). Ainda que mantida a melancolia, das raízes doom para os álbuns mais recentes, com pitadas progressivas experimentais e letras que te fazem refletir sobre a vida, passaram-se 25 anos de transformações, reinvenções, amadurecimento e evolução musical, mesmo com alguns fãs mais conservadores torcendo o nariz para o direcionamento musical dos lançamentos mais recentes, enquanto outros seguem sendo arrebatados. Levando-se tudo isso em consideração, a apresentação no Carioca Club passou pelo mesmo processo, afinal de contas, com onze álbuns na cartola e em função da ampla variedade de fãs no recinto, seria impossível agradar a todos, posto que sempre há quem queira ouvir as mais novas e os que se deslocam na esperança de curtir material antigo. Para a banda resta o desafio de encontrar o equilíbrio.

 

Curiosamente, nenhuma faixa de A Fine Day To Exit foi executada, o que é de se estranhar dada a evidente ligação entre o álbum e The Optimist, mesmo após Danny Cavanagh ter dado entrevistas (como para a Roadie Crew do mês corrente) citando a conexão: “É claro que, na turnê promocional de The Optimist, nós tocaremos algumas músicas de A Fine Day To Exit. Não costumamos fazer isso, mas desta vez certamente faremos, pois os discos são relacionados. Será legal.”. Teria sido, mas embora tenham tocado Pressure e Temporary Peace em Belo Horizonte no dia seguinte, em São Paulo não rolou…

 

Se você já assistiu ao Anathema, sabe que seus integrantes são gentis e não se portam como rock stars. Em turnê passada, na mesma casa de shows em 2013, Danny chegou até a interromper a apresentação (ainda no começo de A Simple Mistake) para entregar uma garrafa de água a uma fã que passava mal na frente da pista e assim ser possível socorrê-la. Para a noite de hoje, as cortinas se abriram pontualmente às 19 horas, sem show de abertura, com os membros do Anathema mantendo a atitude low profile de outrora e calmamente tomando suas posições ao som de San Francisco, utilizada como introdução ao fundo. Escolha surpreendente, com a banda abrindo mão da óbvia e verdadeira faixa de abertura de seu mais recente trabalho: 32.63N 117.14W, sequência numérica que representa as coordenadas geográficas de San Diego, onde as fotos do álbum foram tiradas, mais precisamente, as coordenadas da praia de Silver Strand, onde o personagem de A Fine Day To Exit havia sido visto pela última vez. Opções à parte, subiram ao palco a tríade dos irmãos Cavanagh composta por Danny (guitarra, teclado e vocal), Vinnie (guitarra e vocal) e Jamie (baixo), Daniel Cardoso (bateria e teclados) e a dupla fraternal dos Douglas: Lee (vocal) e John (bateria). Ao fundo, o telão projetava imagens associadas à capa de The Optimist, com os faróis acesos de um carro dirigindo à noite. Após se inclinar e estender a mão para quem estava na grade da pista, Vinnie chegou a gentilmente entregar água e cerveja a dois afortunados fãs ali posicionados e então coordenou as palmas da platéia.

 

Com todos a postos, e dados os devidos acenos ao público, a banda oficialmente começou o show com o agora rechonchudo Danny (estranhamente usando óculos escuros e uma bandagem que ia do pulso até pouco abaixo de seu cotovelo esquerdo) puxando o dedilhado inicial de Untouchable – Part 1, ainda mais intensa ao vivo, com todos os presentes bradando em uníssono a ponte em “And my love will never die” e com Vinnie incentivando a cantoria no crescendo final a partir de “I had to let you go”. Jogo ganho logo de saída, mas mais estava por vir, com Danny fazendo a introdução de Untouchable – Part 2, agora nos teclados, e com Vinnie, agora em posse de um violão elétrico,novamente contando com o suporte da platéia, já a partir do começo da canção, até reger o “Ô, ô, ô” em seu final. Há de se destacar a participação da discreta e competente Lee Douglas, com vocais de apoio na primeira parte de Untouchable, mas exercendo papel de co-protagonismo na segunda, junto a Vinnie. A segura opção pelas duas primeiras faixas de Weather Systems para abrir o show foi tiro certeiro e não representaria o único momento de destaque para a vocalista durante a noite.

 

Após um “Obrigado” de Lee Douglas e um “Boa noite, São Paulo”, de Vinnie, ambos em português, ele afirmou que era ótimo voltar à cidade, brincou dizendo não saber que a cantora falava nossa língua, comentou que estavam lançando um álbum novo e que iriam então tocar algumas músicas novas. E assim Danny retornou aos teclados para puxar o começo de Endless Ways, capitaneada por Lee, com Vinnie no suporte vocal. A viagem em The Optimist prosseguiu através da faixa-título e então houve três momentos curiosos, todos já na parte instrumental da canção, sendo o último deles nada positivo. No primeiro, Vinnie se postou mais à frente do palco, justamente para dar início à parte instrumental, mas como se experimentasse um transe, extremamente concentrado, algo forte e bonito de se ver e difícil de ser expresso em palavras. Momentos assim são aparentemente comuns por parte dos músicos no decorrer de uma performance, em função da troca de energia com seu público e do envolvimento e entrega de cada artista, mas havia algo de diferente ali. Em segundo lugar, Danny resolveu dar a cara a tapa, tirando os óculos escuros (qual o sentido de se fazer um show à noite, numa casa fechada, se não for para olhar seus fãs diretamente?). Por fim, com a canção quase encerrada, o guitarrista bizarramente se desentendeu com alguém postado na área logo à frente do palco, não ficando claro se se tratava de um fotógrafo que por ali permaneceu em demasia, ou alguma outra pessoa: primeiro ordenando que a pessoa se retirasse; não obtendo êxito, estendeu o dedo do meio para o cidadão; por fim, tentou chutá-lo. Não se sabe ao certo o que se passou e esta não seria a única atitude exagerada por parte do mesmo integrante do Anathema que tão sensivelmente foi responsável pela identificação da fã que passara mal durante o show de quatro anos antes. Porém, com toda certeza, foi a mais grave e fora da curva, especialmente levando-se em conta o comportamento doce e pacato que o músico demonstrou nas outras passagens da banda por São Paulo, além de outras duas apresentações na cidade em parceria com Anneke Van Giersbergen (ex-The Gathering), no Blackmore, em junho de 2010, e no Manifesto, em maio de 2014.

 

Ânimos controlados por parte de Danny, Vinnie agradeceu ao público após voltar de sua viagem particular e disse que se o show tivesse um “final súbito” ou se “a energia caísse”, Daniel Cardoso seria o cara para resolver o problema. Chamando-o de “talented motherfucker”, o vocalista listou as múltiplas habilidades do companheiro: “Ele toca bateria, piano, produz álbuns, toca guitarra, baixo, escreve músicas…”. Em seguida disse estar a fim de tocar algo de Judgement e tirou sarro após um grito da platéia, dizendo: “Você já deve saber… você já deve ter nos visto algumas vezes, então você sabe que nós realmente não aceitamos pedidos”. Brincadeiras à parte, a banca tocou Deep, sem a presença de Lee Douglas, mas com luzes vermelhas projetadas no palco (até então, haviam sido majoritariamente azuis – e estas seriam as duas cores mais utilizadas noite adentro, às vezes combinadas). Com o multi-tarefas Daniel Cardoso deslocado para os teclados, para que John Douglas assumisse as baquetas, foi possível observar o quanto a banda estava se divertindo no palco. Até mesmo o centrado baixista Jamie Cavanagh entrou no clima e passou boa parte da canção interagindo e, por incrível que pareça, conversando com o baterista. Pitiless (a mais sombria do set) e Forgotten Hopes (incrível como sua parte imediatamente anterior à entrada dos vocais se assemelha a Immortality do Pearl Jam) mantiveram a ordem das coisas (álbum, formação no palco, luzes e atmosfera), ambas com Vinnie nos vocais, emendadas pela curta e instrumental Destiny Is Dead, com Vinnie marcando o tempo para incentivar e comandar as palmas, que seguiram até seu final.

 

Terminada a quadrilogia-Judgement, Lee Douglas retornou ao palco, Daniel Cardoso à bateria e Vinnie, munido de seu violão elétrico, mostrou irritação com o que chamou de “erro de conceito que acontece quando as pessoas falam muito, pondo idéias nas cabeças umas das outras, especialmente nas mídias sociais”, particularmente citando o fato de o Anathema supostamente ter um “som antigo” em oposição a um “som novo”, chamando esse contraste de “fucking bullshit” e enfatizando serem a mesma banda. E então Danny se dirigiu ao público pela primeira vez, explicando que a banda tinha deixado o hotel na Argentina às duas da manhã, o que significava que ninguém havia dormido, vindo direto para o show (o que parcialmente explicava sua contrastante comportamento irritadiço). Com problemas técnicos no teclado e tentando se entender com o instrumento, Danny sugeriu que alguém apresentasse a banda individualmente, enquanto Daniel Cardoso improvisava uma levada de bossa nova na bateria, com Danny tentando encontrar algum resquício de bom humor dizendo que tinha um teclado exatamente como aquele, mas que não se lembrava de como operá-lo. E então o músico anunciou Dreaming Light como sua canção favorita, dentre todas já compostas pela banda, e seu teclado se comportou a contento durante sua execução. Ao seu término, disse se lembrar de tocar na mesma casa quatro anos antes, perguntou quem estivera presente e confundiu tudo dizendo não se lembrar se havia sido no Carioca Club que o Anathema também tocara em 2015, chegando a checar se alguém da banda sabia (em tempo, a banda teve duas passagens por São Paulo dois anos atrás: em fevereiro tocaram no Clash Club e em setembro no Áudio Club, como headliner do primeiro dia da segunda edição do Overload Music Fest).

 

E quando você pensa que já viu de tudo em um show, surge algo novo e inusitado para te surpreender: alguma vez, algum músico trouxe morangos para comer no palco, oferecendo-os para a platéia? Vinnie Cavanagh se encarregaria de inaugurar esta nova modalidade, indo além: arremessou um para a pista depois de pedir para que todos abrissem suas bocas, e então, depois de dizer que restavam apenas mais três, um segundo morango foi lançado após pedir para acenderem as luzes. Danny brincou questionando se poderiam alimentar cinco mil fãs (um certo exagero, dado que a lotação da casa gira em torno de 1200 pessoas) e Vinnie se divertiu com o público dizendo: “Viram só? Vocês recebem pelo que pagam quando vêm a um show nosso: morangos, cerveja, água”. E tudo voltou à sua normalidade com a banda retornando ao álbum da turnê para tocar Can’t Let Go, com Danny se projetando à frente do palco e tocando de joelhos boa parte da música, até seu final. Após nova troca, com Daniel Cardoso nos teclados e John Douglas na bateria, mais uma vez sem Lee Douglas no palco, a banda tocou Universal e Danny acusou o golpe, talvez por se tratar de uma composição mais arrastada, pois uma coisa é sentir a vibração de uma canção, de acordo com seu feeling e andamento, outra muito diferente é parecer dormir em pé – sim, essa era a impressão, tamanha sua exaustão. Vinnie, por outro lado, compensava o cansaço do irmão agitando entusiasmadamente, se entregando à musica em sua parte instrumental final. Closer deu prosseguimento à apresentação mantendo a formação no palco e acabou sendo a última da primeira parte do set, com a platéia respondendo aos apelos de Vinnie por palmas em seu começo, antes que o músico se posicionasse na parte posterior do palco para fazer as vozes sintetizadas em seu Vocoder, ao mesmo tempo em que Danny vinha à frente do público, regendo-o e conduzindo a manutenção das palmas até seu final apoteótico seguido de calmaria.

 

Transcorridos pouco mais de setenta minutos de show, a banda retornou para seu primeiro bis, após breve pausa, Vinnie agradeceu a todos e questionou o porquê de o público estar tão quieto, antes de pedir que acendessem as luzes para que ele pudesse ver todos os presentes. Então Danny teve nova recaída em sua noite de Garoto Enxaqueca reclamando da tonalidade azul das luzes. Springfield seria a escolhida para dar continuidade aos trabalhos (sendo a última de The Optimist na noite), e contou com o regresso de Lee Douglas ao palco, com seu irmão permanecendo na bateria, Daniel Cardoso nos teclados e novo momento energético por parte de Vinnie e sua guitarra pôde ser observado. Dado o primeiro dedilhado de A Natural Disaster, Danny deu a dica ao acender a lanterna de seu celular e o recado foi prontamente compreendido pela platéia para prestigiar a balada. Curioso foi ver Jamie Cavanagh sentado ao pé da bateria em plena execução da primeira metade da música, que, a rigor, na ausência de Lightning Song, foi o ponto alto da performance de Lee Douglas, com exuberante vocal na parte final da canção, sendo bastante ovacionada. Distant Satellites, com nova levada de palmas, trouxe Daniel Cardoso de volta ao controle das baquetas e uma caixa foi posicionada no meio do palco, à frente, para que Vinnie executasse a parte final da música de modo intenso e em sincronia percussiva com o baterista. Porém, um dos pés do equipamento não ficou bem fixo e a caixa começou a tombar nas primeiras batucadas de Vinnie, sendo necessária a intervenção de um solícito roadie enquanto o músico aguardava com olhares de “WTF?”, até que o problema fosse sanado e a banda, mais uma vez, deixasse o palco após seu término.

 

O retorno para o segundo e último bis teve um quê de provocação com alguém (membro da banda ou roadie, não se sabe) tocando a introdução de baixo de Schism do Tool, mas tudo não passou de um breve teaser e, mesmo cansado, Danny retornou sozinho ao palco para fazer One Last Goodbye, no esquema voz e violão, com apoio maciço do público, que ajudou fazendo os backing vocals e, ao seu término, o músico pediu que todos dessem as boas vindas aos seus colegas de banda mais uma vez. E então quatro canções do até então ignorado e excelente Alternative 4 foram apresentadas seguidamente, a começar pela muito bem recebida Lost Control, com os presentes cantando-a em uníssono, novamente com John Doulgas na bateria e Daniel Cardoso nos teclados, sem Lee Douglas no palco, e com os vocais a cargo de Vinnie, que tocava um violão elétrico. Aos curiosos, a parte originalmente gravada em um violino no estúdio foi brilhantemente simulada na guitarra de Danny, que fez a introdução de teclado na emendada Destiny. Shroud Of False teve o mesmo papel da versão de estúdio, praticamente servindo como introdução para Fragile Dreams, um verdadeiro hino gótico, e que seria a última canção do show, com direito a pulos coletivos na parte instrumental anterior ao verso “Countless times I trusted you” e ao retorno de Lee Douglas ao palco para o grand finale. Show encerrado, Vinnie mandou um “Muito obrigado” em português mesmo, e enquanto Russian Dance, de Tom Waits, tocava ao fundo, Daniel Cardoso filmava a platéia e Jamie pedia para todos levantarem as mãos, encerrando mais uma apresentação memorável do Anathema em São Paulo.

 

Levando-se em conta que The Optimist foi o álbum mais caro que o Anathema já produziu, tocarem cinco de suas onze faixas foi a maneira escolhida pelo conjunto para divulgá-lo e recuperar o investimento, nem que seja de modo artístico e não apenas financeiro. Ficou a curiosidade de ver como funcionaria a execução de Leaving It Behind, tocada no México no começo do mês e em alguns festivais europeus como o Graspop, na Bélgica, festival que teve transmissão via streaming há cerca de dois meses.  Outros clássicos que alguns fãs sentiram falta foram as belas Lightning Song e Thin Air, ambas presentes nos três shows anteriores da turnê latino-americana (respectivamente em Bogotá, Santiago e Buenos Aires) e em Belo Horizonte, e Inner Silence, que, terminando com a bateria reproduzindo batidas de um coração, seria o final perfeito para o show, na seqüência de canções de Alternative 4. Sem dúvida, ninguém veria problema algum se o show de pouco de duas horas se estendesse por mais uns trinta minutos. Assim como os músicos não reclamariam se a casa estivesse levemente mais cheia, uma vez que havia gente saindo pelo ladrão na já citada apresentação do grupo no Carioca Club em 2013. As únicas razões cabíveis e que justificariam a sutil queda de público seriam a grande oferta de shows por aqui e/ou o parcelamento dos ingressos para quem vai ao Rock In Rio ou ao SP Trip no próximo mês. Por fim, será que Danny Cavanagh finalmente conseguiu dormir? Será que recuperou o bom humor? Só na volta do Anathema à cidade para descobrirmos. O que se sabe ao certo é que o show seguinte acabaria se tornando histórico, já que Vinnie, pela primeira vez em toda a história da banda, não subiu ao palco junto de seus companheiros, em Minas, por conta de uma gripe (de acordo com um post no Facebook oficial do grupo), causando drásticas alterações no setlist em relação a São Paulo, totalizando dez músicas diferentes. Prato cheio para quem teve a sorte de ver as duas apresentações. Mas aí fica para outra resenha…

 

Setlist

01) San Francisco [usada como intro]

02) Untouchable – Part 1

03) Untouchable – Part 2

04) Endless Ways

05) The Optimist

06) Deep

07) Pitiless

08) Forgotten Hopes

09) Destiny Is Dead

10) Dreaming Light

11) Can’t Let Go

12) Universal

13) Closer

 

Encore 1

14) Springfield

15) A Natural Disaster

16) Distant Satellites

 

Encore 2

17) One Last Goodbye [Danny tocando-a sozinho]

18) Lost Control

19) Destiny

20) Shroud Of False

21) Fragile Dreams

 

22) Russian Dance (Tow Waits)  [enquanto a banda se despedia]

 

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