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Andreas Kisser & Yohan Kisser ::: 22/05/19 ::: Sesc Guarulhos
Postado em 27 de maio de 2019 @ 20:00


 

Texto: Vagner Mastropaulo

Agradecimentos a Douglas Sousa de Miranda e Stefan Bovolon

Andreas e Yohan apresentam influências e contam estórias de bastidores (além da jam, é claro!)

A descrição no link de divulgação no site do Sesc Guarulhos era bastante simples: “Guitarrista do Sepultura apresenta repertório da carreira, seguido de bate-papo”, sem dizer que seu filho, Yohan Kisser, também participaria do evento. Na prática, o que rolou foi um dueto de violões e guitarras com os músicos contando algumas estórias de bastidores e discorrendo sobre o começo das carreiras e suas influências. Tudo intercalado com doze perguntas e respostas longas e elaboradas, quebrando o formato tradicional do ‘primeiro a gente, depois vocês’, em clima descontraído. Comparado a Derrick Green – A Voz Gutural No Heavy Metal, no Sesc Vila Mariana em fevereiro, houve três diferenças latentes: com o americano foi uma conversa mediado, sem nada a cantar e, para ficar mais à vontade, ele respondia em inglês e uma intérprete fazia um apanhado geral. Em Guarulhos não houve mediação, foi tudo em português e com música ao vivo.

No mais, falar sobre Andreas é desnecessário, pois todos já o conhecem. A maior surpresa, para quem nunca havia tido a chance de conversar com Yohan, ou não o tenha ouvido no Pegadas De Andreas Kisser, na 89FM, foi descobrir como ele é desenvolto ao falar, tranqüilo, humilde, acessível e ver o quanto seu talento desenvolve-se naturalmente. Como esperado, a maior parte das perguntas foi endereçada ao membro do Sepultura, mas não pense que o garoto de 22 anos se intimidou quando indagado. Yohan só é mais ‘na dele’. No geral, há apenas de se dar o devido desconto aos poucos e eventuais depoimentos de adoração ao ídolo, pois não é todo dia que surge a oportunidade de estar frente a frente com um ícone mundial do metal. E vale destacar que a sessão musical foi dividida em dois formatos: primeiro com violões e depois com guitarras. Na parte acústica, Andreas utilizou um belíssimo violão vazado, com um adesivo do Sepultura e decalque de “Kisser” decorando-o, e Yohan usou um violão comum, ambos com seis cordas. Posteriormente serão mencionadas as eventuais trocas. Confira o que rolou pouco após as 18:00, quando pai e filho surgiram na Sala 4 da recém-inaugurada (em 11/05) unidade do Sesc, para platéia em torno de cinqüenta pessoas (número que dobraria mais tarde), fora funcionários da sede e equipe técnica:

Andreas Kisser: Bom… boa tarde aí, ou boa noite! Obrigado pela presença. É muito legal estar aqui neste formato. É a primeira vez que estou fazendo com o Yohan também. Para quem não sabe, ele também está nos espaços da música. E hoje vim falar um pouco da minha história e da minha carreira, também em paralelo com a do Yohan, que está começando agora, e das nossas influências. Eu comecei tocando violão primeiro, antes da guitarra, e apesar de ter começado a tocar guitarra elétrica com banda e tudo, eu nunca larguei o violão. Ele sempre foi um instrumento paralelo. Sempre estudei violão, nunca tive uma aula de guitarra assim diretamente. A guitarra, sempre foi de escutar e ver os meus ídolos, colocar lá o vinil, a fita cassete e tentar tirar até de ouvido as coisas e o violão foi a base de tudo. Dentro do heavy metal, tem muita peça de violão que é influenciada pela música clássica. A gente vê o Deep Purple, com o Ritchie Blackmore; o próprio Yes, que a gente curte muito também, eu e o Yohan; o Steve Howe; o Rick Wakeman; o Jon Lord, no Deep Purple, também trouxe muita influência clássica; e um dos meus primeiros grandes ídolos foi o Randy Rhoads. Nosso, pode falar aí também.

Yohan Kisser: Exatamente! Nosso!

AK: E o Ozzy, o Black Sabbath. O Tony Iommi tem muita peça acústica dentro do Black Sabbath. Ele é conhecido como o criador do heavy metal, do peso, do riff agressivo, mas também criou muita coisa bonita e melódica no violão. E o Randy Rhoads foi um dos meus primeiros ídolos e a gente vai começar aqui com o violão, tendo essa base de onde eu comecei, dessas minhas primeiras influências e do Yohan também. O que você acha do Randy Rhoads, Yohan?

YK: Acho que foi você que me contou que ele estava até pensando em largar a carreira com o Ozzy para estudar violão clássico também, que ele gostava bastante, né?

AK: É verdade! Na turnê do Diary Of A Madman, ele estava pensando em sair um pouco da banda do Ozzy para se dedicar ao estudo do violão erudito e infelizmente aconteceu o acidente [nota: o guitarrista faleceu aos 25 anos em um acidente aéreo em Leesburg, Flórida, em 19/03/82], mas ele tinha como idéia se dedicar aos estudos. Não sei se ia acontecer ou não, mas ele já estava estudando isso há muito tempo. Dá para perceber na música dele que essa influência é forte. A gente vai tocar aqui uma peça do Leo Brouwer, um compositor cubano. Ele escreveu vários estudos para o violão e um deles é este que nós vamos tocar, o Estudio Sencillo #6, que é a base que o Randy Rhoads ‘roubou’, na verdade, com todo o respeito. Ele pegou essa base desse estudo e criou a Diary Of A Madman, aquela introdução no violão, e dali foi criada a música. Então nós vamos tocar esse estudo, de onde o Randy Rhoads tirou essa idéia, e tocar um teco da Diary Of A Madman.

(…)

AK: A estrutura inteira da música foi baseada nessa linha harmônica do Leo Brouwer e é uma pena que no disco não tenha um crédito para o Leo. Inclusive, na página do oficial do Leo Brouwer tem essa referência ao Diary Of A Madman e ele fala: “Tiraram de mim, mesmo que não falem”.

YK: Tem umas fotos dele estudando também. Acho que o Randy Rhoads nunca falou nada do Brouwer em si, né?

AK: Com certeza, ele estudou. Eu aprendi muito sobre o Leo Brouwer quando me mudei para os Estados Unidos na década de 90 e realmente me dediquei aos estudos, aprendi a ler música, a pegar música que eu nunca tinha escutado na vida e o Leo Brouwer com certeza faz parte do processo didático de qualquer músico que esteja querendo tocar violão erudito. Vamos tocar Dee, do Randy Rhoads, que foi uma peça do primeiro disco do Ozzy, Blizzard Of Ozz, dedicada à mãe dele, Delores Rhoads [nota: professora de música por 78 anos, ela tocava quinze instrumentos e faleceu de causas naturais aos 95 anos em 12/11/15, a tempo de ver a indução de seu filho ao Rock Walk da Guitar Center, em Hollywood, em 18/03/04].

(…)

AK: A evolução me levou para a música mais pesada, o thrash metal, e mesmo no thrash metal as peças de violão estavam presentes. Por exemplo, no começo do Eternal Devastation, do Destruction [nota: Andreas refere-se a uma espécie de intro no primeiro minuto de Curse The Gods, do segundo álbum dos alemães, de 1986] e também no Bonded By Blood, com o Gary Holt, que gravou a introdução de No Love, e que também foi uma das que me influenciou muito a continuar a estudar o violão, com essas referências. Vamos fazer a introdução da No Love.

(…)

AK: E é lógico que essa coisa da brasilidade, Heitor Villa-Lobos, João Pernambuco, e tantos outros compositores como Baden Powell, Toquinho, João Bosco. Grandes violonistas do Brasil que me inspiraram também, além da percussão do Sepultura, que a gente começou a usar no Chaos A.D. e eventualmente no Roots, principalmente. E o que ficou sendo parte de nossa característica musical, além da percussão, foi essa coisa do violão, que é bem brasileira mesmo. E no próprio Chaos A.D., a gente fez Kaiowas, uma música muito brasileira. Na verdade, ela começou com a idéia de fazer uma música do Led Zeppelin, a Friends [nota: segunda faixa de Led Zeppelin III (1970); das dez do play, seis tem roupagem acústica]. Eu e o Max fomos para o deserto no Arizona – é verdade isso – compor nossa Friends, sem drogas pesadas. Eram só os violões e o deserto e lá a gente fez, muito influenciado, além do Led Zeppelin, pelo The Mission, que tinha umas coisas de violão muito legais também… muita coisa acústica no The Mission e nessas bandas inglesas. Então Kaiowas veio disso, de tentar misturar esse feeling dessa música mais britânica, digamos assim, com os ritmos brasileiros. Então Kaiowas representa bem essas duas intenções que a gente teve quando a fez. Ela foi gravada nas ruínas de um castelo no País de Gales. A gente estava gravando o disco no sul da Inglaterra e lá fomos nós gravar essa música com o produtor Andy Wallace [nota: o álbum foi gravado em dois locais: no Rockfield Studios, em Rockfield, uma pequena vila do condado de Monmouthshire, sudeste do País de Gales; e no Chepstow Castle, o castelo citado, localizado na cidade de Chepstow, no mesmo condado de Monmouthshire, fronteira do País de Gales com o sul da Inglaterra – daí a aparente confusão]. Compramos microfones, algumas percussões, uns violões, passamos o dia inteiro lá gravando essa música, que já foi apresentada em vários formatos diferentes, pesada, com distorção e é a primeira vez que a gente vai apresentar em dupla.

(…)

AK: Esta foi a parte acústica dessas influências resumidas e eu vou abrir espaço para quem quiser fazer alguma pergunta agora. Depois a gente vai pegar as guitarras também e fazer um barulho. Se vocês quiserem fazer algumas perguntas agora, fiquem à vontade.

Pergunta 1: Acho que todo mundo já sabe o que é o Sepultura antigo, já têm entrevistas, documentários, livros, um monte de coisa. Eu queria saber mais sobre a formação atual e toda a contradição do Sepultura, como está indo. Teve agora o último lançamento, o Machine Messiah. Parabéns! Queria saber como estão indo as novas composições do Sepultura. Antigamente você tinha o Max para compor tudo com você…

AK: [nota: interrompendo, numa boa] Bem antigamente…

Pergunta 1: …é, muito antigamente, antes de eu nascer. Mas eu queria saber, hoje em dia, você tem o Derrick e o Paulo para compor com você ou você faz tudo e chega no estúdio? É lógico que todo mundo incrementa, conversa. Como está indo?

AK: Sobre o processo de composição no Sepultura, é lógico que a tecnologia até ajudou bastante. A gente tem essa possibilidade de fazer demos em casa com bateria eletrônica, o próprio Pro Tools, hoje em dia você faz um estúdio no quintal de casa. Mas na época, a gente ensaiava todos os dias. A gente ia para o ensaio e trabalhava junto, principalmente o Max e o Iggor, na sala de ensaio. O Paulo nunca foi muito envolvido em composição, apesar de estar no quarto com o baixo. Ele mais completava essa parte, mais para o final, do que realmente trazia idéias e conceitos. Mas desde que entrei no Sepultura, eu sempre trouxe tudo… se você pensar e analisar a diferença do Morbid Visions para o Schizophrenia, ela é muito grande, não só musicalmente mas também de ter uma temática. De sair um pouco daquela coisa de copiar muito das bandas de fora, tipo Morbid Tales, Visions e Antichrist [nota: Morbid Tales e Visions Of Mortality são faixas da versão americana de Morbid Tales (1984), álbum de estréia do Celtic Frost; The Antichrist é de Show No Mercy (1983), debut do Slayer]. Todas as bandas de metal tinham essa coisa de copiar aquilo e começamos a falar das nossas coisas. Eu trouxe várias letras, muito influenciado pelo que fazia o Anthrax, no Spreading The Disease. A própria capa do Schizophrenia tem muito a ver com essa coisa da Madhouse, de viver em cidade grande. Essa intenção de a gente vir a uma cidade grande como São Paulo, de ter pressão, cabelos compridos, tatuagens. Na época não tinha um estúdio de tatuagem a cada esquina. Nós trabalhamos juntos, colocando as idéias na mesa. Tudo é válido, uma idéia idiota ou engraçada pode se desenvolver numa coisa importante depois. Acho que nada tem que ser descartado. Eu componho muito em casa com bateria eletrônica. O Eloy também me manda várias ‘baterias’, uns números de batera, umas idéias e aí eu monto e coloco as partes de guitarra em cima e dali gente monta uma música juntos. Entram o Paulo e o Derrick numa segunda fase, para colocar as vozes. Então a gente tem esse processo hoje, mas naquela época era mais ensaio. A gente fazia a mesma coisa, só que com os instrumentos nas mãos e todo mundo junto. Era um processo mais demorado porque a gente discutia idéias. Tinha dia que a gente não produzia nada, ficava lá a tarde inteira e não saía música nenhuma. Então, o processo de composição tem vários processos, você precisa só ficar atento, aguardar as idéias ou anotar no papel. Hoje em dia já ficou muito mais fácil, com os telefones, para você guardar qualquer coisa, até com a boca assim, para gravar alguma música. Enfim, acho que é coletar essas idéias para depois, eventualmente, quando aparecer um projeto ou uma idéia de um disco, você ir lá coletar e desenvolver aquilo de acordo.

Pergunta 2: Eu queria saber se, para o disco novo, vocês pretendem usar mais sua voz ou por ‘o negão’ para tocar um pouco mais de guitarra, como no Against. O que vocês pensam disso?

AK: Putz, acho que nem um e nem o outro, mano! Eu uso minha voz mais para os backings mesmo. Apesar de o Derrick ter falado que gostaria de colocar até um pouco mais de… algumas partes melódicas, talvez a gente use isso, mas não uma coisa como eu fiz no Against, por exemplo. Ali foi um período de transição em que nós ficamos um ano sem vocalista compondo e tudo, então eu fiz várias coisas com a voz e várias coisas a gente manteve no disco. E quanto ao Derrick tocar guitarra, ele simplesmente não toca mais. Ele não tem essa… aliás, quando ele entrou na banda, ele não tinha essa linguagem que a gente tem. Ele era mais hardcore, mais Bad Brains, mais Cro-Mags, uma coisa mais de acordes, não tanto de palhetada. Eu falei para ele, quando ele entrou na banda: “Se você quiser tocar no Sepultura do jeito que a gente precisa de uma guitarra, você tem que tirar três discos, tocar de ponta a ponta: o Kill’Em All, o Bonded By Blood e o Reign In Blood” [nota: ao arrancar risos gerais, Andreas curiosamente fez menção ao álbum do Slayer um dia após a morte de Lawrence Carroll aos 64 anos. Nascido em Melbourne em 1954, o pintor australiano radicou-se nos Estados Unidos em 1958 e foi o criador das capas deste e de outros três álbuns do grupo: South Of Heaven, Seasons In The Abyss e Christ Illusion]. Se você tocar estes três discos, meu, você sai com a mão direita tinindo! Porque foi a minha escola também. Yohan, fala um pouco aí da sua palhetada.

YK: [brincando] Eu quase nunca escutei esses discos. Meu pai já repetiu isso para mim umas quinze vezes…

AK: Mas você já tocou? Não tocou nenhum deles…

YK: Eu já estou em uns 75% dos três.

AK: Mas o do Metallica você já sabe, né?

YK: O Kill’Em All eu já sei, o Reign In Blood já sei também uma boa parte, mas o Bonded By Blood… no violão eu já sei, pelo menos.

AK: Mas é isso, cara, é um processo. Não é uma coisa que você tira e “Ah, amanhã ou semana que vem vou começar a tocar”. Não é assim. Os criadores disso estão lá: James Hetfield, Dave Mustaine, Gary Holt, Kerry King, Jeff Hanneman. Esses caras levaram a guitarra para esse novo nível, então você tem que ter essa linguagem. A gente veio dessa linguagem, apesar de o Roots ter mais groove e notas mais soltas, você vê que o Beneath The Remains e o Arise vieram dessa coisa. Então não adianta você forjar uma guitarra. Você tem que tocar mesmo o negócio, aquela coisa realmente de ‘linkar’ e fazer sentido como um todo.

Pergunta 3: Yohan, seu pai é um dos melhores guitarristas do mundo e, no Brasil, ele é uma referência para 100% dos guitarristas de rock. Como é carregar o sobrenome Kisser, ainda mais começando no mundo da música?

YK: [extremamente sincero] Porra, é do caralho! Maior da hora! Tem prós e contras sempre, tem muita comparação também. Eu, comigo mesmo, quando era mais novo, noiava mais com isso, mas eram só umas ilusões mesmo. Hoje em dia eu sou fã pra caramba, a coisa que eu mais faço é ficar vendo fotos de guitarristas antigos, ficar vendo guitarras antigas e, pô, meu pai está sempre lá no meio. Amo ver as fotos dele cabeludo, quer dizer, ele nunca deixou de ser cabeludo…

AK: Não tão antigas…

YK: … só está ficando branco agora. Mas eu sou fã pra caramba e carregar o nome é da hora pra caramba. Tem uma estória engraçada até: um cara que tocava num Led Zeppelin cover e que chegou para mim: “Meu nome é Juan Page”, alguma coisa assim, “E o seu?”. Eu disse: “Ah, o meu é Yohan Kisser”. E ele falou assim: “Ah, tá, boa!”… Essa foi muito da hora. Mas fora isso, não muda muita coisa. A gente estuda bastante junto em casa e ele me passa muitas dicas.

AK: Quem te ensinou a Bonded By Blood?

YK: É… Bonded By Blood foi meu pai mesmo.

AK: Beleza, obrigado! Isso que é educação!

YK: Entre outras… tem umas coisas também… pô, eu ficava no Guitar Hero tocando One e não sabia o quanto que meu pai tocava. Uma vez, acho que na garagem, eu o vi tocando uma coisa e falei: “Caraca, você precisa lançar isso aí!”. E ele falou: “Pô, já lancei isso há uns vinte anos”. [nota: arrancando gargalhadas generalizadas] E aí teve uma vez que, ainda sobre One, eu estava lá no Guitar Hero e aí ele pegou e começou a tocar em casa e eu pensei: “Não! Não acredito! Pô, ele toca igualzinho”. Lógico, né? Mas eu tinha, sei lá, uns dez ou doze anos. E aí que eu comecei a tocar.

AK: [brincando] Na verdade, o Yohan começou na bateria. Eu comprei uma bateria para ele, eventualmente ele estudou e aí ele evoluiu para a guitarra. Com todo respeito aos bateristas. Mas foi também numa festa de aniversário que fez… [nota: interrompido, Andreas comentou] Não, ele é palmeirense. Foi numa festa de aniversário que eles prepararam uma surpresa para mim, para tocar Paranoid. Minha filha tocou teclado e cantou [nota: Giulia Kisser, dois anos mais velha que Yohan], foi a primeira vez que o Yohan ‘subiu num palco’, talvez.

YK: Com a guitarra, sim. E foi o Marcio que ensinou.

AK: Isso! Foi o Marcio que ensinou [nota: Marcio Sanches, guitarrista e compositor que estava no evento auxiliando na parte técnica], ele que é professor e amigo de longa data. E a partir daí o Yohan pegou gosto pela guitarra e não parou mais. E hoje está tocando aí.

YK: Ah, e só para dizer que, no começo, quando eu era mais novo, eu nem sabia o que meu pai fazia. Inclusive, eu achava que ele tocava no São Paulo. Porque, durante a semana, todo mundo saía sempre de terno para trabalhar e meu pai saía com o uniforme do São Paulo, sempre: “Seu pai faz o que?”, “Ele é guitarrista!”, “De onde?”, “Ah, ele toca no São Paulo” [nota: mais risadas].

AK: Mais alguém aí? Ou vamos continuar? Então, a gente estava falando sobre tirar música de ouvido e eu acho que é algo muito importante ainda. Hoje em dia, você tem muita facilidade com o YouTube. Você vai lá e qualquer um está ensinando riff. O próprio Tony Iommi ensina as músicas dele mesmo, o Steve Howe também, enfim. Mas na época a gente tinha que tirar com fitinha cassete, no vinil. Era bem mais difícil, mas também a gente pôde treinar nossos ouvidos para tirar algo, achar… ter afinação diferente: “Mas essa nota não existe na guitarra, no baixo”, era uma afinação diferente. Procurar um pedal de distorção, pois a gente nem sabia como fazia a distorção. Enfim, esse treinamento me deu, e para o Yohan também, hoje em dia ele faz muito isso, apesar de viver nessa geração do YouTube, de aprender e educar o ouvido junto com a referência da guitarra, achar as notas no braço. Esse foi um processo muito educativo e positivo para mim. Então, os covers, a gente tem o Kisser Clan juntos, inclusive vai ter show no dia 12 de julho, celebrando o Dia Internacional do Rock, que é dia 13, mas no final de semana a gente vai tocar no Tom Brasil: Kisser Clan junto com o Sepultura. Vai ser a primeira vez que vamos tocar juntos e no Kisser Clan nós tocamos vários covers do metal pesado e do rock ‘n’ roll. E a gente vai fazer aqui uma pequena amostra do que a gente ama tocar, uma coisa mais solta assim do classic rock que influencia a gente até hoje [nota: e tocaram Rock And Roll (Led Zeppelin) com bateria, baixo e a voz de Robert Plant ‘acompanhando’ a dupla, sem a parte de Jimmy Page, reproduzida ao vivo em duas Stratocasters: vermelha para o pai e preta para o filho].

(…)

AK: Bom, e com certeza o blues, né? Blues, que é a raiz de tudo, Robert Johnson. Já viu o documentário do Robert Johnson?

YK: Ainda não.

AK: Não? Por quê?

YK: Porque eu estou vendo outras coisas ultimamente.

AK: Espero que melhores! Robert Johnson revolucionou o blues e inspirou tantos músicos, inclusive os brancos da Inglaterra: Rolling Stones e Eric Clapton principalmente, que trouxeram para o rock esses músicos que estavam obscuros e esquecidos. Isso deu uma arejada sensacional e foi uma coisa que… até hoje guitarristas que se prezem têm que passar pelo blues, né, Yohan?

YK: Com certeza.

AK: E não é uma coisa que a gente aprende em escola. Eu morei nos Estados Unidos durante dez anos. O Yohan nasceu lá, inclusive, em Scottsdale, Arizona. E lá eu morei por dez anos, durante a década de 90, e vi muito do blues de perto. Vi Buddy Guy, B. B. King, Stevie Ray Vaughan… tive o privilégio de vê-lo junto com o Jeff Beck na Filadélfia em 89, alguns meses antes do acidente [nota: aos 37 anos, Steve faleceu em 27/08/90 em acidente de helicóptero perto da vila de East Troy, Wisconsin]. Vi Clarence “Gatemouth” Brown, Bo Diddley… consegui ver esses caras de perto e sempre amei o blues. E aprendi muito sobre blues, acreditem ou não, com Jason Newsted, quando a gente começou… quando eu fui fazer um teste para tocar no Metallica, que não deu certo [nota: Andreas fez uma audição para tocar na banda em 92 enquanto James Hetfield ‘apenas cantava’ e se recuperava de queimaduras sofridas em um show em Montreal na turnê com o Guns ‘N’ Roses. A vaga ficou com John Marshall, ex-guitarrista do Metal Church, que já havia ocupado o posto quando James quebrou o punho em acidente de skate em 86 e John era técnico de guitarra do Metallica]. A gente começou uma amizade ali, junto com todo mundo. Eu fiz várias bandas com o Jason e ele tinha muita coisa de blues que eu nunca tinha nem ouvido falar. Com ele eu aprendi muito dessa linguagem. Vamos fazer aqui um improvisão, mais ou menos, de um Slow Blues.

(…)

AK: [após os aplausos, no silêncio pré-retomada, um garoto sentada no colo do pai na primeira fila fez um sutil pedido, matando todos de rir: “Toca Slayer”. Brincando, Andreas disse: “Não, assim não. Tem que ser ‘TOCA SLAYYYEERRRRRRRR’”, berrando. Então ambos fizeram riffs de Chemical Warfare e Raining Blood] Só um pouquinho. Slayer é irresistível! Inevitável! Vamos fazer uma do Sepultura, uma das antigas. A gente teve a honra de ter Yohan Kisser no Festival Wacken, lá na Alemanha. Ele passou um tempo lá com a gente na turnê, estava de férias, e subiu ao palco para tocar essa com a gente. Como foi sua experiência? Fala aí para a galera.

YK: Foda!

AK: Agora sem palavrão.

YK: Foi muito bom! Não, foi… foi foda! Eu cheguei para tocar um som, eles falaram para eu escolher, acabei escolhendo essa e acabei botando uma bronca, mas deu certo no final.

AK: Com umas coisinhas erradas lá, mas deu tudo certo. Aqui também vai dar tudo certo [nota: tocaram Desperate Cry, do mesmo modo que Rock And Roll: voz, baixo e bateria rolando no som, sem as guitarras, feitas na hora pelos dois].

(…)

AK: Além do lance com o meu filho, de a gente ter uma banda, a gente tem um programa de rádio também juntos, o Pegadas De Andreas Kisser, na 89FM, todo domingo das 19 às 20. Escutem. Alguém quer fazer mais alguma pergunta? [nota: havia outro menino na platéia e ele levantou a mão para perguntar, divertindo a galera. Pena não ter sido levado a sério]

Pergunta 4: Yohan, eu vi sua entrevista para o Gastão e você disse que é muito fã de Led Zeppelin, Rush. Eu queria saber se você quer seguir a mesma linha do seu pai, no metal extremo, ou se você pensa em seguir uma linha voltando à época old school do Led Zeppelin e crescer com isso [nota: com treze minutos e publicado em 10/09/18, “Yohan Kisser em Kaza!” está no YouTube, bem como um vídeo de trinta e oito minutos com o guitarrista do Sepultura, postado em 06/10/18].

AK: Greta Van Fleet, não, pelo amor de Deus, hein?

YK: [fazendo o sinal da cruz] Mano, eu amo Yes! Eu tive essa… eu comecei a gostar muito de Pink Floyd na época do colegial. Não sei o que aconteceu, mas eu comecei a amar essas bandas psicodélicas assim. Frank Zappa e Yes, eu curto demais! Mas também, quando eu era mais novo, essa parada do Exodus que meu pai falou, do Slayer, eu escutava muito Metallica também e sempre cresci com isso. E falando sobre o que eu quero seguir, então… eu já pensei muito nisso, mas hoje em dia nem penso mais no que eu quero seguir porque eu acabei de entrar no Sioux 66, né? Não sei se vocês conhecem, mas é uma banda em que acabei de entrar e eles já têm uma estrada. Vamos fazer o Rock In Rio, estamos gravando um EP novo, agora que eu acabei de entrar, são as primeiras composições comigo, mas eu já estou há um ano com eles tocando o repertório antigo. E eles sempre tiveram uma onda mais hard rock. Estou levando minhas influências, tanto as mais pesadas quanto as mais psicodélicas, para a parada, mas não vai mudar muito a cara do que é o hard rock deles, né? Nosso agora. E mesmo assim, como a gente estava conversando aqui, tenho outros projetos paralelos de blues, estudo violão, faço conservatório. O Lusco Fusco era um projeto que eu tinha e ele acabou. Mas também tem mil coisas, tenho amigos lá que ainda são músicos, ainda somos amigos. Então meio essa pegada aí de fazer quinze mil projetos paralelos funciona. O Sioux 66 vai tocar no Rock In Rio no dia 04/10 e o Kisser Clan no dia 06/10 [nota: ambos na Rock District].

Pergunta 5: É um prazer estar aqui vendo vocês, uma honra. A gente desenhava o símbolo do Sepultura no caderno, ao lado do Metallica e do Motörhead, e hoje estar aqui é uma honra. Sendo uma referência para a gente, não só no metal e no rock, mas como um músico que levou o nome do Brasil lá para fora, para todos nós que curtimos rock ‘n’ roll, qual foi seu maior ídolo, o que causou mais impacto? E o que doeu mais: o acidente com o jet ski ou perder a final para o Vélez lá dentro do Morumbi? [nota: final da Libertadores de 94 contra o Vélez Sarsfield – a derrota nos pênaltis impediu o tri tricolor entre 92 e 94; e para maiores informações sobre o acidente de Andreas, acesse https://whiplash.net/materias/biografias/190232-sepultura.html].

AK: Doeu muito mais perder o tricampeonato, né? O Telê merecia! Uma pena que o Palhinha perdeu o pênalti também, um jogadorzaço, sensacional! Mas meu primeiro grande ídolo foi Waldir Peres. Não sei se ele tocava violão, acho que não. [nota: o ex-goleiro, falecido em julho de 2017, foi quem mais havia vestido o manto do time do Morumbi até o mito Rogério Ceni surgir e pulverizar seu recorde de 617 jogos]. Então… tenho que falar das minhas primeiras bandas, que foram Queen e Kiss, né? Mais o Kiss, na verdade. Teve uma época em que eu só escutava Kiss. Isso foi na época em que eles vieram para cá, em 83, na turnê do Creatures Of The Night [nota: 18, 23 e 25 de junho, tocando no Maracanã, Mineirão e Morumbi]. Foi a última turnê em que eles estavam tocando maquiados. Veio o Vinnie Vincent, usando as guitarras que eram para ter sido do Randy Rhoads, que tinha acabado de sofrer o acidente. E o Queen e o Kiss foram as minhas duas primeiras, não coincidentemente, porque foram as duas primeiras bandas que vieram ao Brasil, em 81 e 83. Veio o Van Halen também, logo depois [nota: o Queen tocou no Morumbi em 20 e 21/03/81; já o Van Halen passou por aqui em 83, com três noites no Ginásio do Ibirapuera (21 a 23/01), três no Maracanãzinho (25 a 27/01) e três no Gigantinho (28 e 29/01 e 01/02)]. Eu fui assistir ao show do Kiss e foi realmente um impacto absurdo ver aquilo de perto. Depois encontrei todos, todos os ídolos. O Castle Donington de 96 era Kiss, Ozzy e Sepultura [nota: os outros nomes do Monsters Of Rock de 17/08 eram: Biohazard, Paradise Lost, Fear Factory, Korn, Type O Negative, Dog Eat Dog, Everclear, 3 Colours Red, Honeycrack e Cecil; e foi o dia em que o Sepultura tocou em trio, com Andreas, Paulo e Iggor, devido ao falecimento de Dana Wells, filho de Gloria Cavalera e enteado de Max]. Nem em sonho você imaginava um negócio desses acontecer. Então as coisas aconteceram até rapidamente quando a gente assinou o contrato, se mudou para os Estados Unidos e vieram Chaos A.D. e Roots e o negócio realmente… tanto é que aquela formação não se segurou, tamanha a rapidez com que tudo aconteceu. Enfim, a gente teve de se reestruturar, está celebrando 35 anos agora de história, mas o Kiss realmente é a banda que… ver o show de perto, foi um impacto muito forte. Então não é nem por um músico em específico, mas acho que a banda mesmo. E o Randy Rhoads, que a gente tocou aqui, acho que foi meu primeiro grande ídolo. E tem o Ozzy, né? Eu fui ao Rock In Rio em 85 para assistir ao Ozzy, apesar de ter AC/DC, Scorpions. Uma surpresa muito positiva foi o Whitesnake, ver o John Sykes de perto, o Cozy Powell na bateria, foi maravilhoso. Mas eu fui lá para ver o Ozzy, que era um grande ídolo meu também. Eu ficava brigando com uns amigos que gostavam mais de AC/DC e eu gostava mais de Ozzy, tipo briga besta, sabe? Então eram esses aí: Randy Rhoads, Tony Iommi, Ritchie Blackmore. Os três e mais Jimmy Page, Jimi Hendrix, Ronnie James Dio, Vivian Campbell. Todos esses caras foram muito importantes. E para você?

YK: Pô, pior que tenho que falar os mesmos caras…

AK: Ainda bem, né? Foi a educação!

YK: …Ritchie Blackmore, Eddie Van Halen.

AK: Eddie Van Halen! Esqueci dele.

YK: Ah, meu pai também!

AK: Tem mais alguma pergunta? Pode fazer.

Pergunta 6: Cara, antes de o Chico Science morrer, ele deixou uma carta para o Sepultura. Ela estava na revista Bizz, falando que ele tinha vontade de fazer um som com o Sepultura. Eu queria saber como seria mistura, o que você imaginava?

AK: O Chico Science e a Nação Zumbi influenciaram muito o Sepultura naquela época e vice-versa. Entre 93 e 95, foi a época em que a gente realmente estava nessa coisa de percussão e acho que a Nação Zumbi e o próprio Raimundos trouxeram essa brasilidade para o rock, como nunca antes. O próprio Sepultura também. Acho que a gente estava ali, bebendo da mesma fonte, né? Apesar de a gente não viver no Brasil naquela época, a gente tinha muito contato sendo brasileiro, obviamente, vindo para o país por várias vezes, enfim. A gente conheceu o Chico Science na MTV, no primeiro MTV Awards em 95, se não me engano [nota: o nome oficial era MTV Video Music Brasil 1995]. Conhecemos o Carlinhos Brown lá também, que foi trabalhar com a gente no Roots. Na verdade, a vontade que a gente tinha era de chamar o Naná Vasconcelos, só que a gente nunca teve essa possibilidade, acho que foi um pouco burocrático. Enfim, a gente não conseguiu contato com ele e o contato com o Carlinhos Brown foi sem querer. Ele estava na festa, participou da jam para Kaiowas, que a gente apresentou lá com o João Barone e o Charles Gavin [nota: Kaiowas foi emendada a Territory na jam de encerramento da festa de premiação apresentada por Marisa Orth em 31/08/95]. Estavam lá o André Jung também, o pessoal da Nação, o Carlinhos Brown. E ali a gente fez a parceria: “Pô, a gente está fazendo um disco novo e está querendo um cara mais especialista”, ao invés de a gente mesmo querer fazer percussão, como a gente fez no Chaos A.D., a gente mesmo, principalmente o Igor obviamente, mas trazer um especialista para o estúdio, para trabalhar com a gente, abrir as possibilidades e tudo. E o Carlinhos Brown foi perfeito! Ele é um gênio, cara! O começo da Ratamahatta foi feito com um galão de água, daqueles de nem sei quantos litros lá, grandão, que estava vazio, ele tirou e começou a fazer aquele ritmo. E dali nasceu a música, na cozinha. Então ele é um cara que inspirou muito a gente, que sabe aproveitar de tudo, os defeitos, os barulhos, as imperfeições, para poder fazer música e até hoje a gente aprende muito com ele. Infelizmente não chegamos a fazer nada com o Chico. Ele faleceu logo depois, mas com certeza ia rolar, meu. Tanto é que quando o Max saiu da banda, o Lúcio Maia fez parte da banda dele no primeiro disco. Então a conexão era realmente muito forte ali e talvez… Chico Science vivo e o Sepultura continuando com aquela formação (ou não), a gente faria alguma coisa, com certeza.

AK: Falando um pouco do projeto De La Tierra, um projeto muito interessante do qual faço parte, um projeto que toca metal e é cantado em espanhol e em português. A gente já tem dois discos: De La Tierra e II. Tem na formação, além de mim: Andrés Giménez, argentino, guitarrista e vocalista do A.N.I.M.A.L.; Alex González, baterista mexicano do Maná; e Harold Hopkins, baixista do Puya, banda porto-riquenha. Então é uma mistura bem interessante de países latinos e a gente faz um som assim pesado, com influências de tudo, principalmente latinas. Essa música que a gente vai tocar agora é tipo um samba sendo feito por um baterista mexicano e um guitarrista argentino e é bem interessante. Ao invés de a gente ir atrás dos especialistas, como a gente fez com o Carlinhos Brown, quisemos deixar esse tempero latino passar por isso e a gente fez essa música que se chama San Asesino. ¿Listos? [nota: de aqui por diante, a dupla tocou com duas belas Charvel com logo do conjunto e adesivos “DLT” em ambas, preta para Andreas e vermelha para Yohan].

(…)

AK: Mais perguntas aí?

Pergunta 7: Então, De La Tierra, né? Mano, tenho uma banda, mora todo mundo na mesma vila e já é difícil de ensaiar ‘pá porra’. Vocês, cada um mora num país. Como é que fazem?

AK: Não ensaia, né? A gente costuma se juntar alguns dias antes ou um dia antes de algum show, de algum festival, e fazemos ensaios. Agora a gente está indo gravar um single, que não faz parte nem do disco que obviamente já saiu e nem do novo. Vai ser uma música em separado porque nesse ano realmente não deu tempo de a gente se juntar para fazer um disco completo, né? Mas a gente vai fazer uma faixa e vai lançar aí uma música bem diferente do que a gente tem feito até agora. E no ano que vem espero que a gente realmente tenha tempo para fazer um disco novo, um disco completo. O Sepultura está trabalhando em um novo, vai ter o show do Rock In Rio também, em outubro, então as coisas estão bem puxadas. A gente vai gravar na Suécia novamente com o Jens Bogren durante agosto e setembro. E o De La Tierra está preparando esse single, que deve sair aí ainda neste ano. A gente se junta para gravar, como fez para o disco. A gente ficou de uma semana a dez dias no local onde a gente gravou o último disco com o Ross Robinson. Fizemos os ensaios lá em Los Angeles e entramos em estúdio para gravar [nota: II foi gravado entre julho e agosto de 2016 no Ross Robinson’s Studio, em Venice Beach, distrito localizado a oeste de Los Angeles]. E também, hoje em dia, com a internet, a gente tem muitas possibilidades de trocar idéias, de fazer coisas em casa, mandar é fácil, mandar de volta. Então dá para montar bem cada idéia, cada estrutura e a gente já sabe a direção que tem que seguir. Aí é só juntar e realmente tocar aquilo juntos, como banda realmente, e gravar de modo o mais orgânico possível. Essa é sempre a nossa… pelo menos a minha maneira de ver música é assim, não ficar tão preso ao Pro Tools e aos robôs, deixar a coisa mais orgânica mesmo.

Pergunta 8: Andreas, como você tem visto o mercado nacional de equipamentos? Você foi endorsee da Seizi por um tempo, né? [nota: empresa de instrumentos nacionais fundada pelo brasileiro Seizi Tagima, que, após vender a marca que levava seu sobrenome, abriu outra com seu primeiro nome] E da Meteoro também. Como você tem visto esse mercado? A gente acompanha muito os vídeos do Silas Fernandes [nota: guitarrista, produtor musical, ex-professor do IG&T, ex-integrante dos grupos Smoking Guns, Katsbarnea, S.T.A.B. e companheiro de Andreas no Esfinge, em tempos pré-Sepultura] e parece que vocês já trabalharam juntos em algumas coisas. Como você enxerga, por exemplo, amplificadores tipo Pedrone, Aura, TMiranda e guitarras nacionais? E se você acha que precisa vir uma referência como o Slash, pois eles fizeram muita coisa com simuladores, se você acha que esse é o futuro da guitarra.

AK: Acho que nem é o futuro, é o presente. Muita gente já os usa e os simuladores estão cada vez mais reais. É difícil realmente você ver a diferença. Alguns anos atrás eu sentia isso nitidamente e hoje em dia não. Eles estão cada vez mais fiéis e você realmente não sabe definir. E no final das contas, é onde o músico se sente confortável, sabe? Eu geralmente, quando vou para o estúdio, deixo tudo em aberto. Pode ser qualquer amplificador, não interessa se veio da China ou se veio do Brasil, ou se é o amplificador que o Eddie Van Halen usou. Enfim, o que eu estou escutando, o que estou sentindo, é o que importa. Se estou confortável, se está vindo o som, se estou conseguindo me expressar, no solo, aí depois que eu vou ver o que é. É lógico que tenho preferências, tenho uma carreira de mais de trinta anos então eu sei aonde ir para não perder tempo. Não vou num Jazz Chorus [nota: linha de amplificadores da Roland] para fazer uma música pesada no Sepultura, não tem sentido. Mas já usei Vox, já usei, inclusive, Jazz Chorus misturado com outros amplificadores. E vai muito do produtor também. Se o músico chega e diz: “Eu só uso isso”, no estúdio é outra estória, outro mundo, um ponto de partida, é partir do zero praticamente. Como eu disse, se você tem experiência, você sabe os equipamentos que podem funcionar ou não. Mas no estúdio tudo é possível e você tem que deixar abertas as coisas para elas acontecerem. E a indústria nacional tem crescido. Eu usei Meteoro durante muito tempo. Eles estão se reestruturando agora, realmente a crise foi muito pesada. A própria Seizi não foi uma coisa que decolou também. Mas eu uso as cordas da SG há muito tempo, já usava da Giannini há muito tempo também. A indústria nacional faz tudo aqui e inclusive visitar as fábricas da Izzo e da SG é muito interessante. Você vê como é o processo de fazer a corda, o material, enfim. Então o Brasil tem crescido muito nesse aspecto. Acho que o mais saudável, para o músico, seja ele profissional ou não, é ter essa possibilidade de tocar com qualquer coisa. E acho que o Sepultura cresceu nisso, a gente tocava com Giannini e tirava um puta som. Eu me lembro da primeira vez que eu fui a um ensaio do Sepultura, antes de entrar na banda, e falei assim: “Mano, de onde está vindo esse som?”, sabe? Uma casa podre, caindo aos pedaços… o Iggor usando vassoura para segurar prato, enfim… mas um som absurdo! E você vê que a atitude de querer fazer e ficar confortável com aquilo funciona muito mais do que: “Ah, eu só toco com isso”, entendeu? Você vai se limitar. Por exemplo, a gente acabou de vir da Mongólia, Cazaquistão, Quirguistão, Turquia… países que realmente não recebem esse tipo de show e a comunicação é culturalmente muito difícil, não só pela língua, mas de entender porque o cara está pedindo aquilo: “Vocês precisam realmente disso?”. Enfim, é muito difícil essa comunicação e a gente tem que aprender a se adaptar, mano. O show tem que acontecer, entendeu? A gente vai fazer e é aí que você cresce. Você toca com qualquer tipo de equipamento, em qualquer tipo de situação e é um processo. Mas se você negá-lo, você vai ficar sempre no mesmo lugar, sempre tocando com aquilo, sempre fazendo o mesmo som. Então é legal você arriscar porque a arte está no território desconhecido. O conhecido, alguém já fez, ou você mesmo, então você vai copiar alguém ou a si próprio. Ir ao desconhecido, no risco, é ali onde a arte acontece, onde acontecem as coisas novas, né? Você tem que dar essa chance realmente para você mesmo, como músico, de conhecer, de realmente se surpreender: “Não achava que com isso aí ia sair um som desses”. É isso! Mais alguma pergunta? Como estamos de tempo? [nota: Rodrigo Abecia, manager do Sepultura, informa que ainda restavam vinte minutos] Se vocês quiserem falar mais, a gente só tem mais uma para tocar.

YK: A gente pode tocar uma antes e mais um blues aí, fazer várias coisas!

AK: Tem mais um bluesinho, né? Quer fazer?

YK: Pode ser. Quer fazer antes ou vamos fechar com essa?

AK: Tem que fechar com essa.

YK: A gente fecha com essa e faz outra antes.

AK: Você tem alguma pergunta para mim?

YK: Não, já fiz todas antes.

AK: Então beleza! Ah, tem ali uma, pode falar.

Pergunta 9: Gostaria de saber quais são as dicas que vocês têm para as bandas que estão começando agora. A gente tem uma banda e está no processo de composição e gravação, bem caseiro mesmo. O que a gente pode fazer para conseguir alavancar uma carreira?

AK: Putz, cara, é…

YK: [brincando e arrancando gargalhadas] Desista…

AK: [rindo] E vá estudar! Acho que o estudo é fundamental, tanto para a música em si, de técnica e melhorar sua maneira de tocar e ver um instrumento, quanto o business em geral. Hoje em dia você tem várias possibilidades de músicos e outras tantas palestras que falam um pouco do business, de você tentar entender como funciona o business da música. É lógico que você só vai aprender mesmo fazendo, tomando na cabeça, tomando uns tropeços. É aí que você vai aprender a lidar com isso: assinar um contrato errado, trabalhar com um empresário tal, enfim, isso acontece. É aí que você cria uma casca e cresce. Mas o mais importante é fazer a música que você realmente gosta, que você acredita, sabe? Independentemente de ser thrash metal, blues, reggae, rap, você tem que acreditar naquilo. Tem muito músico que faz música… e não estou julgando, nem culpando ninguém, mas, para sobreviver, muita gente precisa fazer música em outro estilo que não se sente à vontade para pagar as contas, entendeu? É uma possibilidade, a música te dá isso. Por isso que é bom você estudar e ter capacidade de tocar outros estilos, ver outro tipo de ponto de vista de cada música. Mas acho que o lance é você tocar aquilo que você curte mesmo, que você acredita, né, mano? E achar os parceiros certos. Acho que o mais difícil realmente é isso, você ter uma galera que está ao seu lado e que acredita no mesmo objetivo. O Yohan está passando por esse processo de banda agora, né, Yohan? O que você tem para falar?

YK: Eu tive uma banda na escola também. A gente fazia uns progressivos, músicas super longas e tal, era tanta idéia que acabava não saindo nada. Todo mundo era muito pró-ativo nas idéias, todo mundo tinha uma melhor do que a outra, mas não saía nada. E aí eu entrei agora no Sioux 66, que já tem uma estrada de oito anos, e pô, para mim está sendo bem melhor porque o negócio funciona, sabe? Eu às vezes falo: “Vamos trabalhar mais aqui e ali”, e também aprendo pra caramba com os caras sobre esse negócio, tipo: “Vamos lançar logo isso” ou “Vamos fazer aquilo” e há mais shows agora. Na outra banda tinha show uma vez a cada três meses, sem contar os com o meu pai, é lógico. Agora, com o Sioux 66, eu estou tocando no mínimo cinco vezes por mês, por aí, vai? Ainda mais depois de a gente lançar esse EP, com certeza a gente vai tocar mais. Isso que é importante também, né? E aí, entre a galera, cada um tem o seu gosto também, isso acontece. É muito bom quando todo mundo se junta, mas também é bom quando tem várias influências diferentes, porque senão fica aquelas bandas… o legal é que um gosta de um negócio, outro gosta de outro, aí um só faz uma coisa, outro só faz outra, mas quando junta também… o importante é se tem amizade ali e saber discutir, aí vocês chegam a um negócio legal, ou não também.

AK: E tocar também, para aprender, em qualquer lugar. No começo da carreira, eu toquei num clube lá em São Bernardo, numa festa junina. Toquei Venom, Twisted Sister, Whitesnake. Três dias de festa junina e a gente só tocando metal. Depois eu toquei num lava a jato também. Todo final de semana, eles fechavam às 20, a gente botava o equipamento no chão e metia bronca: Iron Maiden, Led Zeppelin, enfim. Festa de amigo, festa de aniversário, batizado, o que pintava, meu.

YK: Inclusive, eu tive essa discussão uma vez com a outra banda, a que era só de especulações e várias idéias. A gente recebeu uma oportunidade de abrir para o Sepultura.

AK: Foi um show no Sesc, né?

YK: A gente ia fazer esse show no Sesc e os caras abriram a discussão de que: “Isso não seria tocar para o nosso público”. A banda começou a discutir isso e eu falei: “Mas que público que a gente tem?”. Eu estava nessa de tocar, como meu pai falou, eu aprendi com ele, é lógico, de: “Ah, se aquele bar da esquina é de sertanejo, mas a gente puder tocar o nosso som, vamos tocar”. E eles já pensavam: “Não, não vou tocar meu som em qualquer lugar”. E a banda acabou terminando por causa disso também, a banda não tocava em lugar nenhum porque a gente não tinha público. Então eles estavam esperando tocar para algum público que não existia.

AK: A gente já tocou em lugar de pagode. Um dos primeiros shows do Esfinge, minha primeira banda, e a gente só tocava cover, foi num lugar chamado Pilequinho [nota: provavelmente o bar no Tatuapé]. Nós tocamos por meia hora, depois começou a entrar uma galera, só do samba, e a gente ficou pequeno assim, mas sobrevivemos. Fizemos nosso som, a galera aplaudia e você “Ok!” e depois fomos embora. Mas acho que você não pode ter medo porque isso aí vira casca também, de você… por exemplo, o Metallica tocou no Castle Donington pela primeira vez em 84. A galera tacou tudo no palco, tacou lama porque acho que era Y&T, Dio, uma outra galera, outro público e o Metallica estava surgindo, um som barulhento, quase punk, né? [nota: na verdade, Andreas se confundiu: a estréia do Metallica no Monsters Of Rock inglês se deu na edição de 85, que ainda teve ZZ Top, Marillion, Bon Jovi, Ratt, Magnum e o mestre de cerimônias Tommy Vance; Dio tocou em 83 e o Y&T em 84, sem o Metallica no line-up nas duas vezes]. Esse tipo de experiência é muito bom, na verdade. É horrível quando você passa por ele ali na hora, mas depois você vê que te cria uma casca realmente, para lidar com esse tipo de situação e não ter vergonha de si mesmo quando você está defendendo uma idéia, um conceito, uma mensagem, seja lá o que você está falando na letra ou o estilo de música. O Sepultura participou de vários festivais, principalmente com o Chaos A.D. e depois com o Roots. Nós tocamos em festivais junto com Sting, Peter Gabriel, Alanis Morissette, já tocamos com bandas flamencas, com o Toto…

YK: Quando eu era moleque, uma vez que também me fez crescer muito, como músico, foi uma turnê quando eu tinha quinze anos. Foram quinze dias de turnê na Europa. Eu fiquei…

AK: Cresceu como músico e cresceu o cabelo também! Depois daquilo.

YK: Cresceu! Deixaria a barba também, se tivesse. Nessa viagem foi a primeira vez que eu fui à França. Se não me engano, até a Paris, mas não vi Torre Eiffel, não vi nada. Só festival e lama. E era só banda de reggae, cara! Só banda de reggae e o Sepultura. Foi muito foda isso aí também.

AK: Foi! Você não via camisetas pretas no público. Já era tipo: “Mano… essa parada está esquisita aqui”. Não tinha camiseta preta! Algumas do Sepultura ali, mas a amarela do futebol. E aí, mano, é um desafio realmente porque, na galera, muita gente nunca tinha visto o Sepultura, nunca tinha ouvido falar do Sepultura. E no final a gente sempre ganha, a gente sempre conquista alguém ali, sabe? Tipo: “Pô, vi vocês naquele festival! Estou vindo aqui no show agora”, então, meu, você não pode ter vergonha do que você é. Os estereótipos estão aí e as pessoas os adotam ou não, mas a gente tem que representar aquilo que a gente é e nessa honestidade é onde você vai ganhar, né? Não vai ser: “Ah, esse cara está tentando me enganar” ou “Esse cara não é isso”. Você está vendo alguém usar uma roupa meio esquisita que não está colando, esse tipo de coisa a gente percebe. Então tem que ser uma coisa natural e é isso que as pessoas querem quando vão a um show. A gente quer ver um Bruce Dickinson gritando lá na frente: “6-6-6”, sabe? É isso! Um ‘véinho’ lá com setenta anos, eu sei lá quantos anos ele tem. Isso é lindo, é honesto! [nota: nascido em 07/08/58, Bruce tem 60 anos; neste momento Yohan dedilhou um riff de The Number Of The Beast, interrompendo seu pai]. Isso é Iron Maiden? Mais uma pergunta? Pode ir, lá!

Pergunta 10: Eu queria saber como foi a gravação do Porta Dos Fundos [nota: disponível no YouTube, o sketch Ídolo já tem quase cinco milhões de visualizações desde 18/09/14; há também o Making Of, com a mesma data, porém com ‘apenas’ 76 mil views].

AK: Você não vai me pedir um cheque também, né? Todo mundo aqui investiu muito? Meu, foi sensacional, eu sempre fui muito fã do Porta desde o começo. Eu os acompanhei assim desde que surgiram, aí viraram esse fenômeno e acabei conhecendo a galera. Usei a camiseta deles no Rock In Rio, no show com o Zé Ramalho, se não me engano, do ‘Zépultura’ [nota: Palco Sunset, em 22/09/13]. A partir dali a gente teve essa conexão e eles de vez em quando chamavam alguns convidados, né? E me chamaram nessa. Pô, achei sensacional! O cara com camiseta da Rata Blanca, botou peruca, um ‘véião metaleiro’ [nota: Antônio Tabet]. Mas, mano, é muito difícil fazer aquilo. Foi muito legal fazer porque eles são muito relax, foram coisas curtas, frases curtas e tudo. E você viu ali que a minha atuação foi bem lamentável nessa. Eu estava tentando ser eu mesmo querendo ser outro, sei lá o que é que era eu. Mas eu estava até… eu tentei fazer um lance meio sem paciência. Foi muito legal, cara! Sou muito honrado de ter feito parte desses caras. São muito inteligentes, é o tipo de humor que eu curto. E é um humor também que tem mensagem, né? Tem uma crítica, você acreditando, apoiando ou não, acho que mexe com tudo assim. Mais perguntas?

Pergunta 11: Bom, primeiro, é um prazer te conhecer! Assim, para o pessoal de Guarulhos aqui, acho que tudo isso é inédito para nós, ter a oportunidade de conversar com um cara de uma banda super-hiper-ultra-mega do metal. A minha pergunta tem a ver com isso e também vai ligar com a pergunta, não a última, mas a anterior. Queria saber, do seu ponto de vista, como é o metal mundial, porque você tem essa experiência, em comparação ao metal no Brasil. Porque aqui a gente vê que é gato pingado em todo lugar e a gente não tem… não que não tenha voz, não é isso, porque tanto faz, né? A gente está muito ligado ao que gosta mesmo, mas a gente sabe que aqui no Brasil não existe esse público, pelo menos, não é um público grande. E aí eu queria saber, pela sua experiência, porque você está dando respostas bem amplas, no que se refere ao público, da experiência que você tem lá fora e a experiência que você tem aqui no Brasil.

AK: Mano, eu acho que… não concordo muito. Acho que tem um público gigantesco aqui no Brasil no metal. Você vê o Rock In Rio, por exemplo: a noite do Iron Maiden foi a primeira a ser sold out. Independentemente do preço do ingresso, a galera vai lá e acaba em dois segundos. Aqui no show de São Paulo também, acredito que já esteja quase sold out, enfim [nota: a rigor, a pré-venda para o Iron Maiden iniciou-se no dia 25/05; pode ser que Andreas tenha se referido ao festival com Megadeth, Whitesnake, Scorpions (como atrações do Rock In Rio), Armored Dawn e Europe, no Palmeiras, dia 21/09, com vendas iniciadas em 13/05]. Acho que o público do metal é muito fiel e não gosta de comprar pirata. Ele quer ter o negócio oficial, sabe? O EP, a camiseta, o vinil. Essa coisa de busca pirata é para quem não tem respeito realmente à música, ao artista, à história, né? E o fã de heavy metal, ele é assim. Na verdade, o heavy metal é o estilo mais popular do mundo. O Sepultura já foi a oitenta países e tem situações em locais em que é muito pior do que no Brasil. Por exemplo, no Líbano, não deixaram a gente tocar. Política, religião, enfim, é muito difícil de a gente entender esse tipo de coisa. No Egito, também não deixaram a gente tocar. No Irã, teve banda de metal que foi condenada à morte e que teve de sair do país. A gente viu fãs do Irã indo a outros países. Por exemplo, na Turquia, a gente viu vários fãs do Irã porque “no Irã isso não pode, não pode gritar, não pode não sei o que”. Então a situação no Brasil ainda é muito mais democrática nesse aspecto, né? Aqui a gente recebe todo mundo e as bandas de metal adoram vir ao Brasil, à Argentina, ao Chile. Então acho que realmente o fã de metal está aí. Nós temos um programa de rádio e abrimos ali 80% do nosso espaço para bandas do metal nacional. E tem muita banda, tem fila! A galera quer ir. É legal ver as mulheres também, participando muito mais nestes últimos dez ou quinze anos, bandas com mulheres. A Nervosa é um grande exemplo disso, um trabalho sensacional que elas estão fazendo, sabe? De meter as caras mesmo na Europa, fazer turnê, crescendo rapidamente também. Então o Brasil é um país que ama música, que gosta de festa e o metal é celebrado aqui de uma forma sensacional. Acho que tem público sim, a galera vai e bandas nacionais também. O Sepultura tem tocado bastante aqui no Brasil, principalmente em São Paulo e o público tem sido maravilhoso. A união das bandas é que faz a diferença, eu acho, sabe? O próprio Yohan pode falar um pouco disso porque o Sioux 66 e o Mattilha se organizam e se ajudam para fazer o show acontecer. O Yohan também já tocou em várias praças, com gerador, a maior galera se juntando e usando o mesmo equipamento. O povo do metal é unido dessa forma, sabe? Acho que sempre foi assim. No meu primeiro ensaio no Sepultura, usei a guitarra do guitarrista do Mutilator, por exemplo, o Magoo [nota: já falecido] e o pedalzinho do Jairo também. No meu primeiro show, usei a guitarra do guitarrista que tinha saído, uma Fender. Enfim, a gente se ajudava muito, né? E acho que o metal tem muito disso e é por isso que acho que é muito forte aqui. É isso.

YK: Acho também que, apesar de Greta Van Fleet não ser nem metal e a gente ter comentado o que acha deles aqui, acho legal pra caramba… eu gostaria de vir ao Brasil tocar no Lolla e lotar um dia na Audio. Se é para falar do público, o público sai, né?

AK: Tem, pô … sei lá… tem show de tudo quanto é tamanho aqui no Brasil.

YK: Toda vez que o Paul McCartney vem, enche, isso é lógico, mas… também, a cena em São Paulo tem roqueiro pra caramba. Tanto no Manifesto, assim, lugares menores, quanto também esse esquema de o Greta Van Fleet vir e encher um dia, fora o festival. Acho legal pra caramba isso, eu gostaria de encher um dia lá também.

AK: Mas isso aí é só trabalhar que vai, que rola!

Pergunta 12: Já citaram aqui o quanto você fortalece o metal nacional, já ouvi muita entrevista sua, com Genocídio, MX, até fez com o Anthares, se não me engano. Eu queria saber sua pronúncia sobre cantar em português. Porque há muitas bandas como o Taurus, que cantou em português, depois passou para inglês, enfim. Eu queria saber a sua questão sobre cantar em português, no seu gosto musical, você acha errado, certo, ou depende da banda? Como fez o Carlos Lopes, que cantou em português no Antes Do Fim, depois passou para o inglês, para suas letras atingirem o público de fora, para ser ouvido, como ele mesmo disse [nota: até Dividir & Conquistar (1988), segundo full length da Dorsal Atlântica, Carlos “Vândalo” Lopes cantava em português, mas a partir do single Victory, do mesmo ano, as letras passaram a ser em inglês, para depois voltarem a ser feitas em nossa língua]. Você acredita muito nisso? Queria saber sua opinião sobre isso.

AK: Acho que também vai de acordo com o conforto de cada um, mano, sabe? Eu me lembro que o Ratos de Porão gravou também um disco em inglês e o Gordo realmente não se sentiu confortável cantando em inglês porque, mano… ele escreve de uma maneira completamente única em português, né? Ele fala realmente, bota o dedo na ferida de uma maneira muito dele de se expressar. E passar para o inglês acabou com o Gordo, acabou com ‘aquele Gordo velho’. Ele não conseguia realmente expressar tudo o que ele queria passar nas letras. E também, mano, no Sepultura, na época em que começou era um tabu, né? Ninguém cantava em português. Cantar em português não era para o rock, não era para o metal. A galera tinha um preconceito gigantesco. E também, você via, por exemplo: Scorpions, uma banda alemã que cantava em inglês; Voivod, banda canadense da parte francesa, mas cantava em inglês; Loudness, uma banda japonesa, também cantava em inglês; entre outras, né? Assim, exemplos de bandas que influenciaram a gente a seguir por esse caminho também. Mas hoje, lá no Pegadas, a gente vê, acho que até mais bandas cantando em português do que em inglês. É uma coisa com a qual a gente foi se acostumando, vamos dizer assim, com a dicção, o som, né? A gente só escutava banda gringa, então era esquisito você escutar um: “Ode ao Diabo”, umas coisas assim. Era esquisito. Mas aí você vai se acostumando porque a língua é essa. Mesma coisa é você fazer bossa nova em inglês. Acho que só o Frank Sinatra fez acontecer porque realmente não é a língua para a bossa nova. Bossa nova é em português e em português brasileiro. Então acho que vai do conforto realmente de cada um. Passam várias bandas lá pelo Pegadas que começaram em inglês, depois foram para o português e vice-versa. Então, o vocalista se sentindo à vontade e tendo essa maneira realmente honesta de se expressar, pode ser em qualquer língua. O Rammstein, por exemplo, é um fenômeno mundial cantando em alemão, né? Isso é uma coisa assim que nunca tinha acontecido antes, alguém que… sei lá, a não ser a Nina Hagen, ou umas coisas assim meio… mas o Rammstein realmente foi uma coisa absurda. Bom, eu queria agradecer a todo mundo aqui pela presença. Foi muito legal, cara! Agradecer ao Sesc Guarulhos por esse espaço. Agradecer ao Yohan Kisser, que veio aqui comigo.

YK: E eu a você, por ter me chamado.

AK: Valeu, obrigado! Queria agradecer ao Marcio Sanches, que veio aqui dar uma força sensacional. Ao Rodrigo Abecia, aos amigos que apareceram aí. E a gente vai fechar com a última música aqui, que é Roots Bloody Roots. E depois que a gente terminar aqui, se vocês quiserem que eu assine alguma coisa ou tire fotos, a gente vai ter um tempo, beleza? Obrigado mesmo, valeu!

Pergunta 13: Pode abrir roda? [nota: Andreas anuiu em gesto, mas a platéia se comportou]

(…)

A faixa foi executada nos mesmos moldes de Rock And Roll, Desperate Cry e San Asesino, com vocal, baixo e bateria rolando no sistema de som e Andreas e Yohan fazendo suas partes ao vivo. O final foi justamente o momento de pico de audiência, com 98 pessoas na sala, mais funcionários e staff, e a parte musical do evento encerrou-se às 19:35. Cumprindo a promessa, pai e filho foram à área externa à Sala 4 após cinco minutos e atenderam a todos os fãs que pacientemente esperaram e educadamente organizaram fila, até que o último deles registrasse sua foto perto das 20 horas.

 

“Setlist”

Com violões

01) Estudio Sencillo#6 [Leo Brouwer]

02) Diary Of A Madman [Randy Rhoads / Ozzy Osbourne – só a introdução]

03) Dee [Randy Rhoads / Ozzy Osbourne]

04) No Love [Exodus – só a introdução]

05) Kaiowas [Sepultura]

Com guitarras

06) Rock And Roll [Led Zeppelin]

07) Slow Blues [amostra geral e improvisada de um blues lento]

08) Desperate Cry [Sepultura]

09) San Asesino [De La Tierra]

10) Roots Bloody Roots [Sepultura]

 
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