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Angra – Listening Session ::: OMNI ::: Café Piu Piu – 10/02/18
Postado em 21 de fevereiro de 2018 @ 00:05


Texto por: Vagner Mastropaulo

Fotos: Barbara Martins

Agradecimentos: Damaris Hoffman

Carnaval é sinônimo de calor, suor, cerveja e bagunça, certo? Pode até ser, mas não para todos. Enquanto os blocos corriam soltos pela cidade, trazendo diversão, é claro, mas também interditando ruas, atrapalhando o trânsito e complicando a ida e volta do trabalho para alguns, cinco músicos estabelecidos no cenário metal nacional divulgavam seu mais novo registro de estúdio no Café Piu-Piu. Sim, foi em pleno sábado de Carnaval que o Angra, mesmo após o polêmico vazamento de suas canções na internet uma semana antes, mostrou ØMNI para um seleto grupo de convidados, imprensa e fãs (que garantiram sua presença no evento após comprarem pacotes que incluíam a entrada na audição, sem nenhuma bagunça e com todos tendo a oportunidade de degustarem a cerveja artesanal da banda, em duas embalagens: uma de Holy Land e outra com a arte combinando detalhes de várias capas conjuntamente.

O ingresso foi liberado às 14 horas e meia hora depois se iniciou a audição de ØMNI, faixa por faixa, comentadas individualmente pelos membros do conjunto: Fabio Lione (vocais), Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria). Abrindo os trabalhos, Rafael (único remanescente da formação original), deu as boas-vindas e agradeceu a presença de todos, indicando o sinal dos tempos ao comentar que tanto o processo de composição das músicas quanto a própria intimidade do grupo foram abertos no canal do grupo no YouTube, aproximando os músicos de seus fãs. Emocionado, o guitarrista afirmou que o interesse e paixão das pessoas, além da torcida pelo sucesso do conjunto, serviram de motivação, destacando que o próprio título ØMNI tinha a ver com essa química, uma vez que significa, literalmente, ‘tudo’. Rafael ainda explicou que, com 27 anos de Angra, o lançamento do álbum representa uma terceira era para a banda, respeitando as duas anteriores: a primeira, com André Mattos nos vocais, trouxe apresentação de um conceito musical, com power metal, características melódicas, elementos tanto brasileiros quanto eruditos e progressivos, enquanto que uma ‘nova era’, com o perdão do trocadilho, surgiu com Edu Falaschi nos vocais e maior agressividade na bateria.

Partindo para o álbum em si, ØMNI começa com um speed metal de vocais portentosos, perfeita para abrir os futuros shows da turnê. Com um solo monstruoso caminhando para seu final e candidata a clássico, Light Of Transcendence veio para ficar e fez saltar aos olhos (e ouvidos) todas as características descritas por Rafael acima, em faixa que agradará em cheio aos fãs do Angra, sem desapontar quem curte Stratovarius, por exemplo. Ao comentá-la, Fabio destacou que ela seria a canção mais conectada com o estilo power metal em todo o álbum, com elementos orquestrais.

Primeiro single de ØMNI, Travelers Of Time escancara a brasilidade no som do grupo logo de cara, com batidas contagiantes e apresentando o lado mais prog metal do Angra, característica que seria recorrente no decorrer do álbum, agradando também aos fãs de Dream Theater. Para quem possa estranhar esse novo direcionamento, não custa lembrar que Felipe e Marcelo, ocasionalmente se apresentam com o nome Dream Theater Tribute junto a Alírio Neto (vocais), Rodrigo Silveira (bateria) e Daniel Santos (teclados). Marcelo confidenciou que o working title da faixa, antes de ser oficialmente batizada, era Speed Barbosa, ainda que a composição tenha sido feita coletivamente. Outra curiosidade, segundo o guitarrista foi que, após sua mixagem, o produtor Jens Bogren, sentindo falta de algo na canção, contatou-o pedindo por uma parte mais rápida e cheia de notas, em referência à parte ouvida em 2’45”.

A mais polêmica do álbum, sem dúvida alguma, é Black Widow’s Web, por contar com os vocais limpos de Sandy, em oposição aos guturais de Alissa White-Gluz, compondo o que seriam as duas linhas vocais da viúva negra. Fabio apresenta vocais mais graves, para seus padrões, e a bateria com andamento quebrado e combinado ao baixo também se destaca em uma das mais pesadas de ØMNI. Felipe explicou que sua gênese se deu em janeiro de 2017, no 70000 Tons Of Metal, quando o Angra, impressionado com a performance de Alissa em show do Arch Enemy (também presente no cruzeiro), teve a sacada de escrever uma música pensando em tê-la como convidada. Então coube a Fabio contatá-la, por ambos terem cantado no Kamelot.

Escrita a partir de uma melodia cantarolada por Fabio em Campos do Jordão, Insania é outra amostra de bateria criativa e fragmentada, começa com coral orquestrado que ressurge adiante, conta com um lindo solo e até mesmo com um “ô, ô, ô, ô, ô” final que será cantado pelos fãs, caso o Angra opte por tocá-la ao vivo. Ao comentá-la e destacar seu notável refrão, Bruno chamou atenção para o groove da faixa (que terá clipe com trechos gravados no próprio Café Piu Piu) e para a maneira como baixo e bateria se combinam, em uma homenagem ao Rush.

Com começo leve de violão, sugerindo se tratar de uma balada, com a faixa ganhando peso em seu decorrer, The Bottom Of My Soul é a mais intimista de ØMNI (de leve, seu primeiro minuto lembrou The Spreading Soul, do Viper). Cantada por Rafael, é o próprio guitarrista que fala sobre seu conceito: “Desde o Secret Garden, eu venho compondo com o Felipe e essa faixa é o típico caso de idéias que nascem prontas, se sucedendo em nossa química natural de trabalho conjunto. A letra é bastante pessoal e quando eu entro no processo criativo, eu realmente mergulho em um estado quase esquizofrênico. Se alma voa muito alto, ela também voa muito baixo, e muitas vezes eu me desgasto e sofro. A música veio como um desabafo, o fundo do poço da minha alma, de onde eu pude olhar para cima e falar que agora era a hora de reconstruir”.

War Horns é outra quebradeira, um petardo que já tem clipe e seu instrumental poderia figurar na discografia recente do Megadeth, por mais estranho que pareça (não à toa, Kiko Loureiro fez uma participação especial na faixa). Sua letra contém duas citações bíblicas: Apocalipse 12:1, em seu começo, e Mateus 24:29-30, em seu final. Marcelo revelou que inicialmente a música não estaria em ØMNI e acabou entrando no lugar de uma balada que Jens Bogren considerava destoante das outras. Outra revelação (já que o Apocalipse é Revelations, em inglês) foi a coincidência de Kiko estar com o Megadeth na mesma cidade em que o Angra gravava o álbum, exatamente no dia da chegada de Marcelo, possibilitando sua contribuição.

Caveman apresenta interessantíssimos riffs ganchudos em sua introdução, novamente com andamento quebrado na bateria, trechos da letra em português e uma ruptura instrumental melódica envolvente no meio. Fabio classificou-a como “a mais brazuca do álbum”, semelhante a canções de Holy Land em seu ritmo da bateria. Como italiano, o vocalista realçou a personalidade em misturar português com inglês, algo importante, segundo ele, citando o Rammstein, como exemplo desta personalidade, cantando apenas em alemão.

Magic Mirror, ainda que tenha apresentado solos alucinantes, forte presença das guitarras logo em seu início e teclado cativante após 4’23” (que poderia virar trilha sonora), soa como a faixa mais ‘discreta’. Felipe explicou que ela surgiu a partir da parte do piano, realçou o processo colaborativo em sua elaboração e destacou a coesão entre suas partes, uma vez que o álbum foi composto, quase na totalidade, sem o recurso da bateria eletrônica, e sim com a presença e participação de Bruno, o que fez todas as canções soarem naturais. Rafael ainda cravou sua letra como a mais difícil de escrever, tendo como conceito a tentativa em se enxergar algo de positivo a partir de uma visão negativa que alguém tem de você, gerando perdão a partir daí.

Always More, mais cadenciada, mostra guitarras que lembram Smashing Pumpkins em seu começo e Fabio com vocal mais ‘calmo’, explorando outras facetas de seu talento, até explodir pouco após seus dois minutos. Rafael contou que a faixa havia sido escrita anos atrás e que a tinha mostrado aos seus companheiros na época de Secret Garden, mas por ser uma balada simples, ela acabou não integrando o álbum. O guitarrista discorreu sobre seu lirismo: “O controle do destino e de nossas vidas está sempre aquém do nosso ego, percepção, planos e expectativas. Há sempre a aleatoriedade, para alguns algo divino, para outros o acaso, o caos, mas tudo além de nosso controle. Então este é o grande aprendizado, há sempre: uma palavra melhor para se dizer, mais para se amar, mais a aprender, uma maneira melhor de se viver. É uma letra que conclui a idéia do ØMNI, uma viagem musical intensa, mas a gente queria que fosse um disco com uma mensagem positiva. Ah, já temos um vídeo clip pronto para ela! E nossa idéia é trazer material áudio-visual para todas as músicas, seja com lyric vídeos ou vídeo clipes”.

ØMNI – Silence Inside é a mais longa, com começo acústico e instrumental na linha prog metal brazuca até pouco mais de dois minutos, quando entra o vocal, e outro crescendo até quase cinco minutos, com peso maior para a canção como um todo. Bruno destacou seu começo “espanholado” misturado com “baião”, trazendo elementos rítmicos latinos. Também citou o receio inicial de encaixar todas suas partes até que elas fizessem sentido e se conectassem bem e com coerência. A título de brincadeira, o baterista lançou um desafio referente à sua duração: “Se vocês olharem o celular agora ou um relógio, depois de ouvir essa música, vão ver que se passaram uns dois anos”.

A instrumental ØMNI – Infinite Nothing fecha o álbum, com belíssima orquestração inicial e surge com pinta de que será usada ao término dos shows, quando os músicos jogarem palhetas e baquetas, cumprimentarem os fãs no gargarejo e posarem para fotos com a platéia. Em suma, ØMNI, o álbum, marca um recomeço para o Angra, surpreendendo pela reinvenção de seu som, ainda que com a manutenção de suas principais características, e gera expectativa em saber quais faixas serão tocadas ao vivo e como serão encaixadas com os clássicos durantes as apresentações.

Ao abrir a coletiva de imprensa, o empresário Paulo Baron desabafou ressaltando o esmero da banda e pediu que valorizassem e tivessem orgulho das bandas nacionais de destaque. As perguntas direcionadas aos membros do Angra foram feitas por fãs e jornalistas, gerando declarações longas, no geral. Entre elas, ao ser questionado sobre a temática do álbum, Rafael explicou: “A temática é a chegada, no planeta Terra, entre nós, seres humanos, de um novo nível de consciência. Será algo inevitável, incontestável e que não será discutido, uma nova realidade. E acredito que isto já está acontecendo, com as pessoas descobrindo que a realidade transcende os limites que os seres humanos encontraram até, digamos, o ano passado. Isto gerará cruzamentos cognitivos”.

Só causou estranhamento, numa saia justa, a resposta de Rafael a um fã que perguntou se o músico imaginava se as composições do Angra seriam ouvidas daqui a cem anos e se o metal seria a música clássica do futuro, mesmo com o próprio músico dizendo, minutos antes, que não apenas os jornalistas poderiam fazer perguntas, mas os fãs também, caso tivessem alguma curiosidade: “O metal não será a música clássica do futuro e nem tem essa pretensão. Acho que comparar o metal à música clássica é um pouco arrogante e prepotente por parte de alguns músicos. O heavy  metal é um estilo como qualquer outro e tem que ser respeitado. O axé tem que ser respeitado pelo fã metaleiro, que tem que deixar de ser arrogante, que acha o estilo com o qual se identifica é o melhor de todos. Estamos na iminência de uma Terceira Guerra Mundial e precisamos ter cuidado para não alimentar discórdia. Eu adoro heavy metal e respeito quem não gosta e gostaria que quem não gosta também me respeitasse, sem essa mesquinharia de entrar em discordância por tão pouco. Então, me desculpe, mas daqui a cem anos estaremos a dois anos da Era de Aquário, o final da grande revolução. Espero que as diferenças já tenham sido dirimidas. Então, esse tipo de projeção, eu acho descabida”. Posteriormente, notando que sua resposta havia sido um pouco acima do tom, embora educada, Rafael fez questão de se desculpar: “Eu só queria deixar claro que a opinião que eu dei, agora há pouco, não é pessoal contra o fã, pelo amor de Deus. É só minha opinião”.

E assim se deu a audição e a coletiva de imprensa para ØMNI, mostrando que o Carnaval pode ser sinônimo de diversão e cerveja, mas regado a metal e combinado com o árduo suor do trabalho.

 

Tracklist

01) Light Of Transcendence (4:36)

02) Travelers Of Time (4:27)

03) Black Widow’s Web (5:49)

04) Insania (5:31)

05) The Bottom Of My Soul (4:19)

06) War Horns (4:43)

07) Caveman (5:53)

08) Magic Mirror (6:58)

09) Always More (4:43)

10) ØMNI – Silence Inside (8:31)

11) ØMNI – Infinite Nothing (5:14)

 
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