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BARONESS ::: 23/06/19 ::: FABRIQUE CLUB / SP
Postado em 09 de julho de 2019 @ 21:25


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Flavio Santiago

Agradecimentos: Costábile Salzano Jr / Liberation

Dezesseis anos de espera inteiramente recompensados

“O mais importante é que posso tocar e queremos fazer turnês, isso é o principal. Não tenho nenhum interesse em transformar o Baroness numa banda de estúdio ou coisa do tipo. Nós precisamos voltar para a estrada, tocar todos os shows que pudermos. E também precisamos tocar em lugares onde nunca estivemos. E o Brasil e a América do Sul definitivamente fazem parte destes lugares”. Assim o único remanescente da formação original da banda de Savannah, Geórgia, finalizou resposta à pergunta feita por Luiz Mazetto, em Nós Somos A Tempestade (então em seu primeiro volume), sobre as mudanças no seu jeito de tocar guitarra após o acidente com a banda perto de Bath, Inglaterra, em agosto/12. Na ocasião, o tourbus caíra de um viaduto de quase dez metros e o líder do conjunto teve o braço esquerdo e a perna esquerda quebrados. Quase sete nos depois e plenamente recuperado, o reformulado Baroness finalmente estreou no Brasil, cumprindo a promessa feita em abril/13.

Coube ao Carahter abrir a festa pontualmente às 20:00 e, vindo de Belo Horizonte, o quinteto é formado por Renato Rios Neto (vocal), Daniel Debarry e Rodrigo “Digo” Gazzinelli (guitarras), Grilo (baixo) e Diogo “Pudi” Gazzinelli (bateria). Você pode até se confundir, pois os Gazzinellis, Diogo e Rodrigo, são irmãos e Grilo também é Rodrigo, mas o que importou foi a aceitação obtida em set curto de pouco mais de meia hora e sete músicas, sendo as cinco primeiras de Tvrvø (2017) e duas inéditas – nada de O Intenso Desespero Sobre A Decadência Humana, play de estréia em 2002, foi tocado. Sem seus belos dois minutos introdutórios do play e com instrumental que soou como Tool, Descending foi a primeira, com dedicatória do vocalista “A todos meus amigos que já se foram, em especial a Rodrigo Smile. Você nunca será esquecido, meu irmão! Vamos fazer desta noite uma noite única em nossa existência”. Com o equipamento do Baroness já montado e cobrindo boa parte da arte do telão de fundo, havia pouco espaço livre para movimentação, forçando o posicionamento lateral do kit de Pudi (quem ficou à direita da pista, mal o via). Nem por isso o conjunto deixou de agitar, especialmente Renato, que anunciou Ripping Flags, em meio a palavras engolidas pelo som do grupo, mais intensa e com vocais de apoio de Grilo e Debarry.

Com assimilação da platéia ao, seja lá, sludge / post-metal dos mineiros (tanto faz o rótulo) e com vocal que lembrava Max Cavalera (não por acaso Renato vestia camiseta de Chaos A.D.), o jogo foi ganho a partir de Tvrvø, especialmente após o frontman esbanjar seriedade: “Esta música é sobre Mariana e Brumadinho, duas cidades do nosso estado, destruídas pela ganância sem limites. Mais de trezentos mortos! Um dia eles vão pagar”. A rigor, não apenas a faixa, pois, conforme matéria postada no site Hard And Heavy em 11/02/17, “o perturbador Tvrvø é conceitual e relata uma das maiores tragédias de nosso país (…) e toda a arte do álbum foi feita sobre fotos do desastre”. The Cult veio emendada, seguida de Invisible, faixa de abertura de Tvrvø, petardo que lembrou Nailbomb, não passou despercebido pelo povo e foi precedido por fala do personagem Les Grossman, interpretado por Tom Cruise em Trovão Tropical (2008), Tropic Thunder no original.

Fechando o set, duas inéditas: Full Being, lançada havia dois dias, à venda num cassete no merchan e que bangueou a pista; e Hydra, antes da qual o cantor fez seu discurso final: “Vamos tocar agora nossa última música. Todo mundo aí na pilha para ver o Baroness? Nós também! Uma banda que a gente gosta e admira muito. Temos a honra de tocar juntos hoje e essa é uma beleza do metal, do hardcore e do underground: não tem essa de ídolos e de deuses, é todo mundo lado a lado. Hoje estamos tocando junto de caras que a gente sempre escutou e respeitou”. E após citar os produtos à venda, arrematou: “Neste mês faz dezoito anos que lançamos nosso primeiro CD. Com idas e vindas, já está maior de idade agora, fodeu! E o tesão continua o mesmo. Muito obrigado aí, a quem colou. Nós somos o Carahter”. Ainda deu tempo para a tradicional foto frente aos fãs.

Em conversa por email com o guitarrista Digo, ele discorreu sobre: dificuldades de ensaio, por morar afastado da banda; o que estão gravando de material inédito; e o que mais havia na tal fita cassete: “Na fita só tinha a Full Being. O restante das músicas novas, ainda estamos fechando a produção. Somos uma banda 110% ‘do it yourself’. O Grilo é quem está gravando o disco. Aí, nas horas vagas, vamos fazendo tudo na medida do possível. Eu, por exemplo, estou morando no Rio. Para esse show com o Baroness, a galera fez ensaios em Belo Horizonte e, comigo, apenas na noite de sábado em São Paulo, antes do show. A Hydra foi especial, pois foi a primeira vez que a tocamos todos juntos no palco”. E também aproveitou para confirmar o nome do amigo homenageado pelo vocalista e listar outros: “Perdemos muitos amigos nessa jornada. Descending foi uma homenagem a eles: (RIP) Renato Smile, Domingos Bolinho, Marcos “Jegão” Parigot e Pedro “Muzzi” Cavalcanti”.

Poucos minutos antes das 21:00, as cortinas foram reabertas e o som ambiente cortado em Run To Your Mama, do Goat. No telão de palco, imagem de um crânio e borboletas em fortes tons azulados. Ao longo da apresentação, apenas as cores seriam alteradas (não o desenho em si) e, curiosamente, o setlist de palco trazia marcações das cores, mas não ficou claro se eram apenas óbvias referências aos álbuns ou ao telão em si. Calmamente, John Baizley (vocal e guitarra), Gina Gleason (guitarra), Nick Jost (teclado e baixo – 5 cordas) e Sebastian Thomson (bateria) tomavam seus lugares até A Horse Called Golgotha, de Blue Record (2009), reconhecida de prontidão, abrir oficialmente os trabalhos e evidenciar que a frente da pista era composta por autênticos fãs do Baroness, pois, com o povo agitando e cantando alto, não havia curiosos na região. A matadora Morningstar veio a seguir e provou a quem curte os discos do grupo, com apenas duas músicas, que suas faixas ficam ainda melhores ao vivo. Então John dirigiu-se ao público pela primeira vez: “Como vocês estão, Brasil? Levou muito tempo para virmos para cá, mas muito obrigado por virem esta noite. Vocês cantam tão alto que sequer ouvimos as guitarras às vezes”.

March To The Sea botou a galera a pular e cantar ainda mais alto e seu final escancarou a preocupação com ambientação na transição entre faixas, feita com melodia e harmonia. Em outras palavras, seu final não foi abrupto. A música terminou de fato, mas Gina imediatamente passou a explorar seu instrumento solando, foi ovacionada e o início de Borderlines, primeiro grande destaque da noite, soou como evolução natural do que estavam tocando, sem aquele ‘buraco’ entre canções. E sobre a substituta de Pete Adams, que deixou o conjunto em 2017, não pensem que se trata de um mero rostinho bonito, pois, além de tocar super bem, agitar e contribuir com os vocais de apoio, seu currículo surpreende: ainda adolescente, fundou o Misstallica, tributo feminino ao Metallica no qual tocou entre 2008 e 2012; fez parte do Queen Diamond, homenagem a King Diamond, também só com mulheres, de 2008 a 2011; integrou o Cirque Du Soleil em Michael Jackson: One, em Las Vegas, tocando guitarra na pele da personagem The Muse (há um Behind the Scenes de 2015 no YouTube sobre a produção com depoimentos seus a esse respeito); apresentou-se com a trupe no Rock in Rio americano, também em Vegas, fazendo a abertura do evento em 08/05/15; e seu nome consta como entrada até no www.imdb.com. Tudo isso aos, hoje, 27 anos!

Bela e intensa, a instrumental Green Theme trouxe serenidade, até I’m Already Gone vir colada e juntar psicodelia e referências oitentistas em um só número. Surpreso com a ajuda coletiva recebida ao cantar, John foi sincero: “Muito obrigado. Acho que é muito legal saber que o álbum saiu há uma semana e vocês já sabem algumas das letras”. E nem gritos por Cold-Blooded Angels e Red Sky alteraram a ordem do setlist padrão da turnê, mantido com Tourniquet, outra de Gold & Grey bem cantada pela platéia. Shock Me voltou a acelerar as coisas, tornando a fazer a massa pular e cantar a plenos pulmões. Só não foi legal a empolgação de um cidadão que, alçado por amigos, decidiu fazer um crowd surfing projetando-se à frente e acertando quem sequer esperava por algo. Felizmente, foi um ato isolado. Novamente aplaudida e tendo seu nome gritado, Gina retribuiu fazendo um ‘S2’ sorrindo e voltou a se concentrar para executar a lindíssima Eula, cantada em uníssono. O cenário só não foi perfeito porque, em virtude do crowd surfing mencionado, um segurança resolveu intervir ‘dialogando’ com os autores do ‘delito’, nem aí para o desnecessário pito (apesar do incidente, imperava o clima de maior santa paz e sequer havia rodas na pista).

Antes de Chlorine & Wine, outra campeã de audiência a julgar pelo auxílio geral na cantoria, com direito a coros, nova tendência surgiu enquanto John e Gina afinavam suas guitarras entre músicas: Nick encarregado de pautar a atmosfera no teclado. Instrumental, Can Oscura veio colada e se você pensava já ter visto de tudo, irrompeu o inusitado: afinal de contas, quantas vezes na vida cordas de duas guitarras diferentes já se partiram na mesma canção? Ocorreu em Seasons, interrompida pela fatalidade sem as duas repetições finais do refrão enquanto o mesmo segurança de outrora passava dos limites praticamente exigindo que aquele mesmo grupo de amigos não agitasse (na boa, se jogar em cima das pessoas é condenável, mas justiça seja feita: neste momento eles não faziam nada demais). Espantado e respeitoso com o infortúnio das cordas, John brincou: “Tivemos de pará-la no meio. Todas as cordas das guitarras estavam caindo, acho que é uma mensagem e vou ouvi-la. Ela diz: ‘Quando algo assim acontece em uma música, não a recomece’”.

O plano era prosseguir com duas guitarras trocadas ao mesmo tempo, mas ao reafinarem os instrumentos, o educado frontman prosseguiu: “São Paulo, quero agradecê-los demais! Isso é mais do que poderíamos ter esperado. Há uma coisa com as bandas, em qualquer outro lugar do mundo, dizemos algo online, qualquer coisa, e alguém de vocês diz: ‘Venham ao Brasil’. Qualquer coisa que eu digo, não importa se estou tomando uma xícara de café ou passeando com meu cachorro, é: ‘Venham ao Brasil’, ‘Venham ao Brasil’, ‘Venham ao Brasil’. E estamos felizes pra cacete por termos vindo ao Brasil e dado nosso melhor para tocar algumas músicas para vocês. Desculpem-nos pelos problemas técnicos, mas acho que detonamos mesmo assim. Nomeiem um guitarrista que precise de seis cordas para executar uma música. Enfim, há um álbum que gravamos que está completando dez anos neste ano e ele é da cor que está brilhando em algumas das camisetas de vocês neste momento: o Blue Record. Gostamos de tocar pelo menos uma de cada um de nossos álbuns, considerem esta a segunda. E depois desta longa pausa, mais uma vez, obrigado, São Paulo. Vocês foram uma ótima audiência. Não consigo dizer nada além de que vocês foram muito melhores do que esperávamos, então muito obrigado, nós voltaremos em breve”. E finalmente tocaram The Gnashing, última pré-encore, iniciada por Sebastian marcando o tempo no bumbo e com palmas.

Regressando ao palco, antes de Ogeechee Hymnal, outra instrumental, o agora falante líder novamente entusiasmou-se e reiterou a promessa: “Obrigado por serem pacientes conosco. Não temos e não precisamos de muitas guitarras para tocar no show, só trouxemos algumas e nunca, jamais, em nenhuma ocasião, havíamos tido duas cordas quebradas durante a mesma música. Porque tocamos pesado pra cacete, certo? Agora vamos tocar canções mais antigas e mais pesadas. Vamos tocar a que ouvi aquele cara ali berrar e vamos manter todas as seis cordas nas duas guitarras. E prometo a vocês que faremos o nosso melhor para voltarmos aqui assim que pudermos. Acho que há dois tipos de bandas: as que vão onde é fácil de ir e onde está o dinheiro e as muitas bandas que gostam de ir o mais longe, profundo e selvagem que conseguem. E vir até a cidade de vocês, não que seja uma cidade pequena, apenas não é tão fácil de se chegar, então faremos nosso melhor para voltamos assim que pudermos, talvez fazer outros shows pelo Brasil, tentar ver a cidade, dar uma volta e conhecer pessoas interessantes. E gostaria de dizer que, nesses últimos dez, quinze, dezessete anos, ou o que seja, o apoio de vocês foi notado, não estávamos ignorando vocês e nem fizemos intencionalmente. Apenas estávamos tentando, de todos os modos, finalmente vir para cá. Então muito obrigado, Brasil, pelo suporte de vocês”. Fechando o set, Isak, única de Red Album (2007) tocada, cumpriu a promessa de material mais pesado e teve até coro em sua parte instrumental, e a marcante Take My Bones Away foi a cereja do bolo com os fãs cantando em alto e bom som, cravando exatos noventa minutos de seminal performance.

Por fim, não custa registrar que, sendo um artista visual, John trouxe desenhos para vender no merchan: duas belas criações coloridas, carregadas nas cores quentes e que saíam a 120 reais. Responsável por todas as capas do Baroness, ele colabora com outros grupos, sempre com escolha criteriosa, conforme relatado no citado Nós Somos A Tempestade: “Com o passar dos anos, tinha feito um monte de trabalhos para várias bandas que eram todas de pessoas amigas, que eu respeito e gosto. Novamente, me mantive fiel a isso. Não trabalho com uma banda que não conheça, ou que eu não respeite. Ou que faça algo com o qual não concorde”. Uma lista de seus trabalhos, possivelmente incompleta, encontra-se no final desta matéria, abaixo dos setlists, e seu site, www.aperfectmonster.com, traz galerias com sua arte (sem qualquer ligação com o grupo Perfect Monster, de Portland). Com tamanho zelo, é de se concluir que o Nothing tenha amigos seus, caso contrário não faria sentido algum John vestir camiseta de Curse Of The Sun ao vivo, com os versos “Use less / We are useless” às costas. Agora é esperar que sua palavra seja efetivamente mantida, regressando logo ao Brasil. Só não vai dar para esperar por mais dezesseis anos…

 

Setlists

Carahter

01) Descending

02) Ripping Flags

03) Tvrvø

04) The Cult

05) Invisible

06) Full Being

07) Hydra

 

Baroness

01) A Horse Called Golgotha

02) Morningstar

03) March To The Sea

04) Borderlines

05) Green Theme

06) I’m Already Gone

07) Tourniquet

08) Shock Me

09) Eula

10) Chlorine & Wine

11) Can Oscura

12) Seasons

13) The Gnashing

Encore

14) Ogeechee Hymnal

15) Isak

16) Take My Bones Away

 

Lista com algumas capas de álbuns assinadas por John Dyer Baizley

BaronessFirst [EP] (agosto/04); Second [EP] (setembro/05); A Grey Sigh In A Flower Husk [Split Com Unpersons] (julho/07); Red Album (setembro/07); Blue Record (outubro/09); Yellow & Green (julho/12); Purple (dezembro/15); e Gold & Grey (junho/19)

Black TuskTaste The Sin (maio/10)

ColiseumColiseum (abril/04)

ConvergeJane Live [versões limitadas do vinil duplo] (março/17)

CursedIII: Architects Of Troubled Sleep (março/08)

Darkest HourDeliver Us (julho/07)

Flight Of The ConchordsI Told You I Was Freaky (outubro/09)

Gillian WelchThe Harrow & The Harvest (junho/11)

KylesaStatic Tensions (março/09)

 

GALERIA DE FOTOS: 

 
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