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Derrick Green – A Voz Gutural No Heavy Metal – Sesc Vila Mariana – 07/02/19
Postado em 20 de maio de 2019 @ 17:19


Carisma, humildade, perseverança, inteligência e profissionalismo                                                                                                 

Após ouvir o bate-papo com Derrick Green no Sesc Vila Mariana, os cinco substantivos acima foram os que mais saltaram aos olhos (e ouvidos) para definir o vocalista do Sepultura. Mediada pelos músicos Mayki Fabiani e Zuza Gonçalves (confira Tempestade Brasileira, de 2018, de Mayki e os trabalhos de Zuza no trio vocal Zulepe), a conversa transcorreu no formato perguntas em português e respostas em inglês, deixando o cantor à vontade para se expressar em seu idioma. De início, Zuza fazia a tradução das respostas para as perguntas pré-ensaiadas e feitas por Mayki, mas após a chegada intérprete Tatiana Moreira, quinze minutos atrasada, os mediadores puderam melhor se concentrar na condução do papo e tudo ocorreu a contento, incluindo a abertura para perguntas dos fãs, transcorridos quarenta e cinco minutos do evento.

Parte do Programa Cultural “Centro De Música – Especial De Férias” (mais atividades ocorrerão em julho nos Sescs Vila Mariana e Consolação), a atividade gratuita atraiu apreciadores da banda e do estilo, em geral, além dos tradicionais curiosos que, transitando pela unidade, perguntavam do que se tratava a convenção dos cabeludos de preto. Com quinze testemunhas postadas às 19:05, o número foi gradativamente aumentando, com pico de setenta pessoas, por volta das 20:00, incluindo algumas crianças com os pais. E vale registrar o excelente trabalho desempenhado por Tatiana, porém, como este escriba também é versado na língua de Shakespeare, optamos por uma tradução livre das falas de Derrick, melhor contextualizando o leitor. Confira a íntegra de A Voz Gutural No Metal e cheque se o que rolou foi de encontro à proposta de divulgação no site do próprio Sesc: “Nesse bate-papo, o músico falará sobre os desafios do canto nos estilos musicais associados ao rock, suas variações e os grandes nomes do vocal contemporâneo, sobretudo no vocal gutural”:

Mayki Fabiani: Bem-vindo, Derrick!

Derrick Green: Obrigado [nota: em português mesmo].

MF: O Derrick é vocalista de uma das bandas mais importantes, mundialmente conhecida, o Sepultura, formado em 1984, ou seja, são trinta e cinco anos em atividade e, por baixo, estimam-se cinqüenta milhões de cópias vendidas, setecentos e trinta mil ouvintes no Spotify e catorze álbuns de estúdio. Então estamos falando de números muito grandes e hoje estamos aqui para conversar a respeito da vida, da carreira e da voz do Derrick, que está à frente da banda desde 1997. Derrick, você nasceu em Cleveland, em 20 de janeiro de 1971 e a gente queria saber como foi a sua infância, seu início na cidade e sua aproximação com música. Como você começou a estudar música?

DG: Comecei na música por causa da influência de minha mãe, que era professora de música, e sempre tivemos um piano em casa. Então comecei ouvindo muita música clássica e música de igreja, pois meus pais eram muito religiosos e iam à igreja todo domingo [nota: onde seus pais se conheceram]. Minha mãe tocava piano e cantava e meu pai também, no coro. Então eu sempre ficava brincando no piano e quando eu realmente me interessei em querer cantar, foi um erro [nota: antes, ele demonstrara interesse em tocar trombone e trompete]. Eu tinha uns doze, treze anos, estava no ensino médio nos Estados Unidos e cada aluno tinha que escolher os cursos que queria fazer. E o último curso era do coral, é claro. Então eu tive que escolher este curso, não tive escolha. Não foi o curso mais legal a escolher, eu já ouvia rock, como AC/DC e Black Sabbath, e o curso não parecia legal, a princípio, mas eu aprendi muito no coro. Eu tinha uma professora muito boa que me ajudou a perceber que talvez eu pudesse fazer algo voltado à música com minha voz. No coro, cada grupo é separado em naipes e eu me dei conta que tinha uma voz única, profunda e ela me explicou que minha voz era de baixo-barítono e que ter esse tipo de som é algo muito singular no universo da música. Uma vez que começamos a trabalhar nas canções e a ouvir cada grupo, pude sentir como as partes se conectavam e tudo se tornou muito mais interessante para mim. Muito embora, sinceramente, eu não gostasse muito de algumas músicas horríveis e típicas de musical [nota: cantarola o verso “This is the dawning of the age of aquarius”, de Aquarius/Let The Sunshine In, duas canções de Hair compiladas pelo grupo americano The 5th Dimension], foi ótimo porque eu tinha a minha parte e foi muito importante. Esse foi basicamente o início das ideias sobre fazer algo vocal, todos meus amigos começaram a formar bandas aos quatorze anos de idade e eu decidi… na verdade, me pediram para cantar na minha primeira banda, pois eu já era o roadie dessa banda e sabia todas as músicas, então me pediram para me juntar a ela.

MF: Foi tranquilo para você? Era algo que você esperava? Deixar de ser roadie para estar à frente de uma banda, o Outface, não? [nota: Friendly Green (1992), único registro do grupo e com sonoridade diferente do tipo de metal do Sepultura, está disponível no YouTube e Spotify]

DG: Sim, o nome da banda era Outface e éramos ótimos amigos, ainda somos. Algumas pessoas da banda foram fazer outros estilos de música, algo mais popular. Foi a primeira banda que tive e cantei nela por oito anos.

MF: Posteriormente você se mudou para Nova York. O que te motivou, por volta dos dezessete, dezoito anos, a tomar a decisão de ir para lá?

DG: Eu tinha muitos amigos que estavam viajando e tocando em bandas e eles sempre vinham a Cleveland, um ponto de passagem para bandas em turnê. E eles viviam me dizendo que eu deveria ir a Nova York para tentar expandir a música que eu fazia. Minha mãe não entendia a música que eu fazia [nota: no porão da casa], mas meus companheiros ensaiavam, meus pais ouviam e isso nos deu a oportunidade de acreditarmos em nós mesmos. E muito embora meus pais não compreendessem todos os gritos altos e porque tocávamos alto, eles nos apoiavam. Então minha mãe sugeriu que eu tentasse uma vaga no Instituto de Arte de Cleveland, em música, para ter aulas de canto, apenas para ter algum tipo de treino vocal, pois eu nunca havia feito um treino formal. Assim me matriculei nesta aula de voz clássica. Aí eu tive que escolher uma língua para estudar e para de fato cantar e as opções eram: italiano, alemão ou francês. Escolhi italiano para começar meu treino clássico. Si [nota: em italiano – e começa a cantar no idioma].

MF: A gente vai fazer uma pausa de um minuto e nós já voltamos à nossa programação normal. A nossa tradutora oficial chegou, então a gente vai fazer a montagem para integrar o grupo aqui.

 DG: Beleza! [nota: em português mesmo] Bem-vinda!

[após rápida pausa]

MF: Derrick, você sente que esse aprendizado da música clássica foi importante para o seu desenvolvimento musical?

DG: Foi extremamente importante porque eu aprendi a cantar com o diafragma e foi importante aprender a ‘empurrar o ar para fora’. E isso é algo que eu uso o tempo todo cantando no Sepultura, sem usar tanto assim a minha voz, assim como a garganta, empurrando com o diafragma. Esta técnica foi algo que eu tive que realmente treinar para fazer.

MF: O período em Nova York foi importante em sua vida. Quais trabalhos você teve lá, pois me parece que você ainda não era um músico profissional em Nova York, certo?

DG: Quando eu cheguei a Nova York, eu já tinha uma banda, ou pelo menos sabia com quais pessoas eu tocaria, mas eu tinha dois trabalhos. Durante o dia, como gerente assistente em uma loja de roupas do presidente de uma gravadora muito popular. Ele abriu uma loja de roupas quando eu estava em Nova York e eu trabalhei como gerente assistente. E à noite eu trabalhava em vários bares no meu bairro, na porta, como segurança.

MF: Quando que se tornar um músico profissional passou a ser realidade em sua vida?

DG: Bem, no lugar onde eu morava em Nova York, o Lower East Side [nota: um bairro no sudoeste, em Manhattan], a maioria das pessoas arrumava um trabalho através de um músico, tentava ser um músico ou já trabalhava como músico, então era uma comunidade unida. Mas foi uma pessoa, que era da gravadora do Sepultura e eu já o conhecia havia muitos anos, que foi o primeiro a vir até mim e dizer que o Sepultura estava procurando um vocalista.

MF: Então, de Nova York, você enviou uma fita como um teste para o Sepultura. Como é que foram esses testes? Quanto tempo levou até você ser aceito na banda?

DG: Esse período foi de uns dois meses, talvez três. Parecia mais tempo naquela época, mas foram uns três meses. Eu gravei a fita imediatamente, enviei-a a eles e esperei bastante, meio que por um mês. E aí eu recebi um telefonema para vir ao Brasil pela primeira vez.

MF: Você foi aceito na banda por ter personalidade e estilo de voz diferentes do Max, o primeiro vocalista. Então como é que foi para você essa adaptação? Você não cantava exatamente no estilo do Sepultura. Como foi sua adaptação para se integrar ao grupo?

DG: Levou bastante tempo. Era algo que eu sabia. Eu tinha que estar junto dos caras, nós tínhamos que desenvolver algo do nosso modo, como um grupo. Então procurei outro instrutor vocal, um cara chamado Ron [notas: a) Ron Anderson – há breves citações de James sobre aulas em Some Kind Of Monster; b) sua lista de alunos inclui artistas pop de gabarito, como: Enrique Iglesias, Alicia Keys, Natalie Imbruglia, Selena Gomez, Kylie Minogue e Nelly Furtado; c) Ron é criador do Voixtek, um aplicativo para treino e aquecimento vocal]. Ele estava trabalhando com vários artistas, de James Hetfield a Björk e Janet Jackson. Fui à sua casa em Los Angeles, ele tinha discos de ouro e me deu o treino apropriado para estar na estrada e manter minha voz, com gritos. E isso era algo que eu nunca tinha tido antes, esse tipo de treino.

Zuza Gonçalves: E qual foi para você, Derrick, do ponto de vista da técnica, a principal diferença entre como você cantava e como você passou a cantar?

DG: Bem, depende… É muito diferente, na verdade. Fazer o estilo de vocal gritado do Sepultura tornou-se mais fácil do que fazer a parte cantada. Foi realmente importante aprender a técnica antes de partir para a estrada e poupar minha voz. Foi algo extremamente importante, pois os estilos são bem diferentes. Mas, para mim, é mais fácil fazer a parte gritada do que a parte cantada, apenas porque eu tive mais prática fazendo shows no mundo real.

ZG: E essa sonoridade vocal que você construiu com o Sepultura, você meio que chegou nela por conta própria, sozinho, né?

DG: Aconteceu bem naturalmente. Acho que a coisa mais importante foi ter sido cabeça-aberta para ouvir muitas críticas positivas diferentes dos meus companheiros de banda e dos produtores com quem eu trabalhei. Então isso foi algo que me manteve bem humilde e deixou a energia positiva para realmente crescer e melhorar nos sentidos que eles apontavam. Então isso foi algo realmente importante e é difícil, para muitos músicos, receber críticas. E foi realmente importante que eu tivesse pessoas muito fortes ao meu redor para fazer críticas construtivas. E eu ouvia e isso me ajudou a criar uma sonoridade apropriada para a minha voz.

MF: Qual sua rotina de treinos para manter a saúde vocal? E você consulta médicos periodicamente para avaliá-la, ou algo do tipo?

DG: Quando eu comecei, a principal dica que meu instrutor vocal me deu foi para que eu nunca usasse nada medicinal ou algo parecido porque você se torna viciado nisso, como em algum tipo de spray. Se houver algo seriamente errado com sua voz, você nunca saberá se ficar encobrindo com algum tipo de anestésico ou algo para não sentir dor. Então ele me disse para jamais depender de nenhuma dessas substâncias, pois eu mentalmente necessitaria delas toda hora e elas não exatamente funcionam, pois é importante ter uma compreensão do que está acontecendo com sua voz naturalmente. Isso foi algo em particular. A segunda dica foi para que eu nunca bebesse álcool antes de um show [nota: aos risos após reação do público], pois o álcool “encolhe” as pregas vocais. E isso foi algo de que me dei conta bem cedo, antes do Sepultura: sou um cantor horrível se bebo álcool. Você não tem o alcance ou poder para cantar, então eu não bebo nada alcoólico antes de um show ou nenhuma bebida muito adocicada ou com mel, jamais! Apenas água em temperatura ambiente ou aquecida com gengibre, mas sem álcool. E isso é algo que definitivamente tem me ajudado a manter o vocal forte.

ZG: Há algum tipo de exercício específico que te ajude com o gutural especificamente?

DG: Basicamente, o Ron – o instrutor que eu tive – me deu uma fita com o James Hetfield cantando e disse: “É isso que o James faz”, aquecimentos e desaquecimentos vocais que eu faço antes e após um show. É algo para desaquecer a voz, que muitos vocalistas, de fato, não fazem com freqüência, mas que é bastante importante, pois é como treinar os músculos: você “alonga” antes e depois de correr e você meio que deve fazer o mesmo com a voz. Então a técnica que eu uso, ela tem mudado um pouco, mas basicamente são escalas, começando assim: [nota: Derrick faz duas simulações delas]. E há também um “enrolar de língua”, quase como uma “massagem no fundo da garganta” [nota: exemplifica com quatro variações de escalas desta técnica]. Fazer este exercício é basicamente apenas “empurrar o ar do meu estômago”. Eu respiro bem fundo e o ar é “empurrado até o teto da minha boca”. Ele não vem, de fato, da minha garganta. Assim os gritos e a parte cantada são empurrões do meu diafragma e você apenas “empurra o ar” e precisa de músculos fortes por ali a fim de fazer esse exercício.

MF: Interessante o que você disse, que todo e qualquer grito não vem da garganta. Talvez seja esse o primeiro impulso que temos quando escutamos este estilo…

DG: [interrompendo] Isso é típico, mas quero dizer que você realmente tem que relaxar sua garganta o máximo possível. E a fim de atingir as notas mais altas, você alarga a abertura da boca. E para as notas mais graves, você também tem um treinamento. Eu tenho desenvolvido e usado a minha boca e, em certas vezes, a técnica de respiração inclui saber quando cantar determinado verso ou refrão e saber que devo respirar em um ponto em particular. Tudo isso vem à tona com a força que precisa estar ali. Então é realmente uma coisa técnica, conhecer a canção, saber onde “empurrar” e quantas palavras devem ser cantadas – algo que também acontece bem naturalmente depois que você se acostuma com uma certa música. Então, para mim, cantar as músicas antigas do Sepultura é mais fácil do que cantar as mais novas porque as mais velhas já estão na minha cabeça, de quando eu era mais novo, então elas são um pouco mais fáceis de cantar. As mais novas são muito mais difíceis, pois têm palavras menores e mais gritos, então tudo varia. Mas é muito importante e é algo que acontece naturalmente: precisa-se respirar um pouco e expirar alongadamente. Este é o segredo para um show poderoso.

ZG: Derrick, os professores mais tradicionais de canto podem ouvir seu vocal no Sepultura e dizer que não há como fazê-lo de modo “vocalmente saudável”. O que você diria a eles?

DG: Ah, eu estou no Sepultura agora há mais de vinte anos e nunca tivemos que cancelar um show por causa da minha voz. Nunca! Já fizemos muitos shows em dias seguidos, em turnês de dois meses, é muito difícil, mas trata-se verdadeiramente de como você cuida da sua voz e de seu estilo de vida: após um show, não falar muito, estar longe de cigarros, álcool ou algo similar. Coisas assim são um problema e quanto mais a turnê se estica, mais você precisa manter o controle. Isso é algo, uma disciplina que eu aprendi. Muitas pessoas não entendem, mas, para mim, é confortável cantar. Encontrei um ponto em que é confortável gritar sem me machucar. Não há dor ou algo parecido acontecendo enquanto estou cantando ou após.

MF: Ficar mais velho não tem te atrapalhado a cantar no estilo gutural, certo?

DG: Acho que não [nota: em claríssimo português, arrancando gargalhadas da platéia que, agora, consistia de algo em torno de sessenta pessoas]. Acho que é bem melhor [nota: de novo em português, para então retomar em inglês]. Comecei a usar muito mais as diferentes técnicas do meu passado e a cantar um pouco mais, de fato, no último álbum [nota: Machine Messiah (2017)] do que eu fazia antes. Acho que estou com maior controle então me sinto mais à vontade com a mistura entre cantar e gritar. Acho que está ficando melhor, na verdade.

MF: Derrick, são praticamente vinte e dois anos no Sepultura. Em 1998 saiu o primeiro álbum de estúdio, o Against. Vinte anos depois, olhando para trás, como você o avalia?

DG: Para mim, como já disse em outras vezes, é realmente importante ver a evolução, nos ver crescer. Isso foi o mais importante: juntar-me à banda, eu queria ver a banda crescer e talvez crescer junto com os caras. Como membro, vendo o meu trabalho como cantor, sinto que cada álbum foi importante, mas sinto que as coisas ainda seguem melhorando e que podemos ir ainda além, especialmente vocal e musicalmente.

ZG: E você tem vontade de explorar coisas, estilos, técnicas, em um trabalho seu, por exemplo, que o trabalho com o Sepultura hoje não contempla?

DG: Acho que é importante tentar outras coisas que te façam se sentir confortável, em minha opinião. Tenho um projeto paralelo que é primariamente voltado a cantar. Ele foi um desafio em fazer, aprendi com ele, ainda estou aprendendo muito com ele. Neste momento ele está meio que suspenso, mas temos gravado músicas que as pessoas ainda não ouviram e não sei se elas se darão conta de que, de fato, sou eu cantando, pois é algo radicalmente diferente e esta é a razão pela qual escolhi fazer este estilo de música [notas: a) Derrick criou o Maximum Hedrum em 2011 e lançou álbum homônimo em 2013 com Squeak E. Clean, nome artístico de Sam Spiegel, produtor, DJ e compositor americano radicado em Los Angeles, responsável por The Spirit Of Apollo, do projeto N.A.S.A. (North America South America – em parceira com o DJ brasileiro Zegon), de 2009, seis anos após sua gênese, trabalho colaborativo entre trinta e nove artistas, dentre os quais George Clinton, David Byrne, Chuck D, Tom Waits, John Frusciante e Seu Jorge, além do making of lançado no ano seguinte sobre a empreitada; b) para os leitores que se viram em inglês, na edição 86 do Podcast Roadie Free Radio, de 19/02/18, disponível no Spotify e YouTube, Derrick faz um apanhado geral da carreira e fala sobre o Maximum Hedrum perto dos vinte minutos finais – só é preciso ter paciência até a conversa engrenar].

MF: Você se sente confortável em migrar para outros estilos?

DG: Acho que sim. Acho que, com prática, você pode fazer qualquer coisa. No começo, não foi algo super fácil para mim. Sempre houve muito trabalho, prática e treino, mas as coisas sempre melhoraram após todo esse treino e prática. Algumas pessoas são rápidas em pegar as coisas, mas eu definitivamente nunca fui esse tipo de pessoa e, para cantar algo paralelamente ao Sepultura, apenas preciso de um pouco mais de treino. E uma vez que entro nessa estrada, nesse ciclo, as coisas acontecem mais facilmente.

MF: O álbum mais recente do Sepultura é o Machine Messiah. Como é que foi o trabalho composicional? Vocês conseguem pensar, cada um em suas casas e mandar material para os outros? Ou precisam se reunir para compor? Como é o trabalho do Sepultura na composição?

DG: Acho que, hoje em dia, o modo como compomos música é com o Andreas vindo com idéias através de riffs e o Eloy vindo com idéias para a bateria. Então combinando essas idéias e ouvindo a combinação, eu desenvolvo algum tipo de padrão vocal por cima. Geralmente não há letras antes disso e uma vez que os dois combinam, eu consigo ouvir um pouco do que está acontecendo e posso desenvolver o vocal por cima e começar a desenvolver as letras. É assim que basicamente compomos. Para a música Machine Messiah, eu recebi muitas partes, levei para casa e pus idéias próprias por cima da música. Aí mandei de volta para os caras, para eles terem noção de para onde ela iria, ou poderia ir, e aí eu esperava um pouco. Muito do processo de composição foi nessa direção: começava com uma gravação, eu editava em casa, pensava a respeito e refazia as coisas, no tempo necessário para cada parte do processo. Depois desse processo, nós quatro nos reuníamos em um estúdio por pelo menos algumas semanas, trabalhando nessas ideias conjuntamente e ao vivo. Então nós gravávamos literalmente tudo, mesmo quando saía horrível. Gravávamos cada parte, tanto quanto possível, para ouvir em casa, voltar com novas ideias e dar um retorno sobre o que estávamos fazendo. É um processo diário: ir para o estúdio, por um bom tempo: cinco dias por semana trabalhando nessas ideias, até nos sentirmos confortáveis. Quando as idéias estavam bem alocadas, gravávamos tudo, geralmente no Brasil, em São Paulo: uma demo para o produtor, do álbum todo ou do que tínhamos. Às vezes, sem nenhuma letra a não ser um conceito, algumas palavras sendo gritadas. Era mais para estabelecermos o andamento do álbum antes de gravá-lo, começar com o produtor antes de fazermos a gravação em si.

MF: E após concluírem essas duas etapas, quanto tempo vocês levavam para gravar o álbum na versão final? Quantas semanas no estúdio?

DG: Seis semanas [nota: em português]. Uma semana para… geralmente… digo, sempre tivemos a sorte de trabalhar com os melhores bateristas do mundo, então eles são rápidos, mais do que os produtores estão acostumados: com Iggor, Jean ou Eloy não leva mais do que uma semana para gravar tudo. Depois disso começamos a trabalhar a parte rítmica da guitarra, aí o baixo, e por fim todos os solos e os vocais ao mesmo tempo. Geralmente leva seis semanas.

MF: Você conseguiria eleger, em sua opinião, o melhor álbum do Sepultura? Para mim é o Machine Messiah

DG: Para mim também! E para vocês? [nota: interrompendo em português, entre risos]

MF: Nós vamos abrir agora para perguntas que vocês tenham…

DG: Não fiquem tímidos! [nota: novamente em português]

MF: [brincando] Vocês podem perguntar em inglês e o Derrick responde em português.

Pergunta 1: No álbum Dante XXI (2006), notei que a banda agregou uma série de referências, tanto nos temas das letras quanto na composição, com o uso de violoncelos e outros instrumentos, trazendo maior riqueza de arranjo do que nos outros discos do Sepultura. Como funciona esse processo que agrega outras referências na composição? E como vocês trabalharam no Dante XXI? Pretendem retomar o modelo em outros álbuns mais para o futuro?

DG: Bem, o Dante XXI foi apenas uma idéia que eu trouxe para todos porque foi um livro que eu havia lido no ensino médio, algo muito impactante. Foi da Divina Comédia, de Dante, de onde veio a idéia. Muita coisa acontece no livro e algo muito interessante foi que eu senti que podíamos ter as diferentes partes dele representadas através de nossa música. A idéia agradou a todos, fizemos muitas pesquisas sobre o livro, lendo-o e relendo-o e isso realmente abriu nossas mentes para tentarmos usar instrumentos diferentes dentro do processo de composição do álbum. Acho que foi muito importante… a idéia de usarmos tantos instrumentos diferentes sempre esteve em pauta. Eu curto muito trilhas sonoras de filmes e um dia eu estava assistindo ao making of de Taxi Driver, com o Robert De Niro e eles estavam falando sobre a composição da trilha sonora e sobre como iriam descrever o personagem Travis Bickle, a parte do Robert De Niro. E, para esse personagem, eles queriam apenas usar trompas, instrumentos de metal, para mostrar força e poder. E eu achei que era algo que poderíamos usar também para descrever Dante no Purgatório, Inferno e Paraíso. Aí esses instrumentos trouxeram amplitude maior para a atmosfera e de fato quisemos usar violinos e trompas para descrever o que Dante passava.

Pergunta 2: Houve um momento no Sepultura em que você também tocava guitarra, na época do Roorback (2003). Como foi a experiência de cantar e tocar guitarra ao mesmo tempo?

DG: Quando me juntei à banda, a idéia inicial era tocar guitarra em certas músicas. E, tudo bem, eu sabia tocar guitarra e conseguia tocar riffs básicos. Mas eu realmente queria me sentir à vontade dentro da banda, então comecei a apenas focar nos vocais e nas percussões rítmicas. Eu queria fazer algo diferente. Eu sabia que a banda havia tido um segundo guitarrista antes, mas o foco primordial para mim tornou-se unicamente os vocais porque era algo que eu realmente queria fazer. Eu não queria me dividir fazendo uma coisa em que eu era mais ou menos bom. Então eu preferi ser realmente bom em uma coisa e tentar manter meu foco nisso.

Pergunta 3: Eu queria saber um pouco sobre como é a relação de vocês do Sepultura com os produtores. E como vocês agora estão morando no Brasil, onde vocês gravam? E até que ponto o produtor se envolve no processo artístico e não só no processo de mixagem do som.

DG: A relação se torna muito próxima com um produtor desde o começo, desde o envio das demos, no que você vai passar a trabalhar. Geralmente, os produtores que temos ouvem nossas demos e têm idéias para quando entramos no estúdio para gravar. Eles não querem mudar tudo. Eles têm idéias muito específicas sobre onde sentem que poderiam melhorar as músicas. Muitas coisas acontecem naturalmente dentro do estúdio quando estamos todos juntos e eles se tornam parte da banda ao te conhecerem porque você tem que abrir tudo para eles: coração, alma e idéias sobre o que você está escrevendo. Então eles se tornam parte da banda e você lhes dá sua confiança. Há produtores que são definitivamente muito animados e honestos com relação ao que estão escutando. E é extremamente importante, na gravação, quando as pessoas te dizem quando as coisas estão ruins, não se sentem bem, ou que são boas e que você pode melhorar para fazer algo de qualidade. Então é extremamente importante ter produtores em quem você confia e isso é algo que sempre tivemos sorte em ter.

Pergunta 4: [feita diretamente em inglês, no pico de setenta pessoas na platéia] Nesses vinte anos de Sepultura, você conheceu muitos caras que eu considero ídolos. A primeira vez que eu vi o Sepultura em turnê foi quando vocês abriram para o Ozzy, aqui em São Paulo [nota: 02/04/11, no Sambódromo do Anhembi], e em outubro vocês vão tocar no Dia Metal do Rock In Rio. Como é conhecer seus ídolos? E como é ir a tantos lugares que você provavelmente nem sabia que existiam antes de ir tocar com a banda? [nota: após a pergunta, a intérprete fez a tradução, porém, com a troca, começou a fazê-la para Derrick, em vez de usar o microfone e traduzi-la para a galera, causando risos]

DG: Definitivamente extraordinário! Acho absolutamente incrível e uma honra conhecer tantas pessoas diferentes como pude conhecer estando no Sepultura, pessoas que eu jamais imaginei conhecer. Às vezes é uma sensação maravilhosa conhecer alguém porque você tem expectativas, mas você realmente não conhece a pessoa. Então eu meio que mantenho minhas expectativas mais baixas agora, apenas porque gosto de dar a oportunidade para as pessoas serem elas mesmas e ver como elas são de fato. Quero dizer, estas são apenas idéias na minha cabeça sobre pessoas que eu idolatro. O Ozzy, eu não sabia se ele seria super falante, se me daria um tapinha nas costas e se seria super agradável. Ele foi gentil, mas o contato foi muito limitado, há muitas coisas em volta, muitas pessoas, a equipe de segurança, o momento foi super rápido e ele podia estar de mau humor naquele dia. Tudo depende nessas situações, mas na maioria das vezes, tem sido uma experiência super positiva conhecer todos esses grandes artistas que idolatro. Tem sido fantástico, um sonho viajar pelo mundo. E fazer isso pelo Sepultura é algo ainda maior porque é uma banda saindo do Brasil. É uma responsabilidade que nós temos em uma banda representando o Brasil fora do país. Isso realmente aumenta seu nível de conscientização sobre as coisas que estamos fazendo, dizendo e é algo realmente importante para nós, realmente representar o Brasil de modo bastante positivo.

Pergunta 5: O vocal gutural é puramente técnico? Você agüenta duas horas de show e a gente ficaria rouco. Como funciona isso? E do lado estético da arte, como uma forma de comunicação que expressa um determinado timbre no vocal gutural, que tipo de sentimentos são ideais para expressar com esse tipo de vocal para ser coerente com a estética: rebelião, ira, fúria? No sentido do coerência estética, quanto ao uso do vocal gutural na arte da música.

DG: Tecnicamente, como eu havia dito, eu tento relaxar o máximo possível a minha voz para gritar. É uma técnica e o que aconteceu foi que, após muitos e muitos anos, me senti à vontade para saber como não machucar minha voz. Consigo sentir quando forço demais e sei que devo “empurrar mais ar” nessas vezes. É algo que inconscientemente acontecia e acontece no palco: quanto mais excursionamos, melhor entendo as músicas e como me sinto cantando-as, então quanto mais shows, mais confortável me sinto. A idéia, quando canto essas músicas, definitivamente vem das letras, do momento em que as escrevi e sobre o que uma canção pode ser. Sempre é importante, para mim, que eu tenha uma expressão na música. Eu quero, através da gravação, que as pessoas realmente entendam e ouçam a verdade por trás dos gritos ou o que quer que esteja sendo cantado. É importante que seja crível e isso é absolutamente a coisa mais importante: no que estou pensando enquanto canto no estúdio, isso deve ser crível. Aí posso seguir em frente e me sentir bem a respeito, com a verdade sendo dita.

MF: Pessoal, vamos à última pergunta e ao encerramento e depois o Derrick vai estar disponível para quem quiser tirar fotos.

Pergunta 6: Gostaria de saber se ele tem alguma estória para contar sobre a experiência de trabalhar com o Jens [nota: Jens Bogren], produtor do Machine Messiah. O que você leva para a vida como vocalista? E queria fazer um pedido: siga trabalhando no Maximum Hedrum!

DG: Ainda estamos trabalhando nele [nota: seu projeto paralelo]. Foi interessante porque trabalhamos muitos meses no último álbum [nota: o Machine Messiah, não o de seu projeto] e todo mundo gostou. Gravamos na Suécia em dois estúdios diferentes: um especificamente para a bateria, em Estocolmo [nota: o Studio Gröndahl], e então o resto da banda foi para Örebro, no interior do país, no meio do nada [nota: para o Fascination Street Studios]. Cada um se sentava na sala, fazia sua parte, com todos os outros fora da sala. Estávamos muito confiantes com relação ao que estávamos fazendo. Fiquei lá por um mês, literalmente por quatro semanas apenas escutando cada um trabalhar em suas partes e fazendo as letras. Acordávamos cedo pela manhã e tínhamos uma rotina. O Jens acordava, todas as manhãs às sete ou oito, bem cedo. Ele tem dois filhos e sua casa é do lado do estúdio. Então ele parava às seis da tarde, pelas crianças. Era a hora deles, de colocá-los na cama e era o fim do dia. Então começávamos sempre bem cedo e acordar cedo é provavelmente a pior parte em ser um músico, para o Andreas especialmente. Mas foi um processo, foi ótimo, e foi muito pessoal. Cada um tinha seu senso de tempo e espaço muito particular para se trabalhar e tudo funcionou muito bem. Não acho que os caras sabiam como as músicas soariam comigo fazendo os vocais e quando eles chegavam estava feito: “Sim, já gravei. Dêem uma checada” e eles: “O que? Já fez?”. Foi um processo ótimo e foi muito fácil trabalhar com o Jens como produtor. Ele trouxe muitas idéias positivas, ele realmente ama seu trabalho e isso te ajuda no processo para criar um álbum bem forte. Ele fez toda a mixagem, tinha confiança em nós, em tudo e no processo final. Desde o começo, ele conhecia cada uma das músicas, cada parte. Ele foi ótimo em tudo, dizia a verdade diretamente, dava sua opinião sincera e isso realmente ajudou na criação do álbum.

MF: [encerrando] Espero que vocês tenham gostado. Esta conversa é parte dos nossos cursos de férias que acontecem nos primeiros dois meses do ano e depois voltam na segunda metade do ano. Gostaria que vocês tivessem contato como nosso centro de música, que fica aqui no segundo andar, com cursos de Música Popular, Música Erudita e na área da voz. Temos muito a oferecer. Quero agradecer aos meus amigos de bancada: Zuza, Tatiana e Derrick, principalmente, por ter aceitado estar aqui conosco. Foi muito importante você vir aqui para conversar conosco e esse tipo de trabalho é muito importante, com qualquer tipo de gênero musical. E esse é mais um trabalho que o Sesc vem realizando exemplarmente. Muito obrigado pela presença de todos e agora uma salva de palmas ao Derrick.

(…)

Conforme prometido, foi aberta a sessão final com o vocalista pacientemente atendendo a todos os pedidos de fotos, autógrafos e abraços por quase meia hora. Entre os presentes na fila, curiosamente havia uma senhora que mal havia chegado e sequer sabia sobre o que se tratava a fila. Curiosa, mesmo assim nela entrou, perguntou quem era a personalidade em questão, tirou sua foto e foi embora feliz da vida. Deliciosas surpresas da vida! E assim, em clima de alegria e respeito, encerrou-se o evento pouco antes das 21:00!

 
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