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LEPROUS :: 10/03/19 ::: CARIOCA CLUB / SP
Postado em 14 de abril de 2019 @ 22:36


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Edi Fortini

Pois é, não é só de bacalhau e Black Metal que vive a Noruega! Os quarentões de plantão vão se recordar com saudade do fenômeno pop A-Ha no Brasil no final dos anos 80 (três noites no Parque Antártica e duas na Praça da Apoteose, em março de 89) e começo dos 90 (Rock In Rio II, em janeiro de 91, três datas no Ginásio do Ibirapuera em maio do mesmo ano e outras onze pelo país, cinco das quais em estádios). E além de igrejas queimadas, morte de músicos e outras tretas (assista ao recém-lançado e não totalmente verídico – como Bohemian RhapsodyLord Of Chaos, disponível na Netflix e, com sorte, até no YouTube), há vida Prog Metal por lá. Nessa vertente, o primeiro grupo norueguês a por aqui fincar sua bandeira foi o Circus Maximus, no ex-Hangar 110 (hoje, The House), em setembro de 2016. Passados dois anos e meio, chegou a vez de outro expoente local do gênero dar as caras, o Leprous.

Juntos desde 2001, os únicos remanescentes originais são Einar Solberg (vocais e teclados) e Tor Oddmund Suhrke (guitarras). Completam o time o outro guitarrista, Robin Ognedal, o baixista Simen Børven e Baard Kolstad, nas baquetas. Ao entrar no Carioca Club, uma visão inusitada: praticamente todos os fãs na parte da frente da pista estavam sentados, pacientemente esperando dar a hora do espetáculo. No merchan, apenas camisetas a oitenta reais e, como única decoração de palco (sem o pit dos fotógrafos), um bandeirão com o logotipo customizado da banda, sem referência específica a nenhuma capa de álbum.

Sem banda de abertura, a festa começou às 20:00 em ponto, com grande expectativa, pois, tocando treze ou quatorze músicas por noite até chegar a São Paulo, o conjunto já havia executado vinte e seis faixas distintas nas cinco datas em quatro cidades sul-americanas (dobrando shows em Santiago, como Phil Anselmo fizera com seu Illegals, em janeiro). Em tal cenário, adivinhar o setlist era tarefa inglória e, já antecipando, nada de Tall Poppy Syndrome (2009) foi tocado. Coube à jazzística Bonneville abrir os trabalhos, como em Malina (2017), o play da turnê, após discreta entrada do quinteto sob belas e fortes luzes vermelhas. Com Tor e Simen nos vocais de apoio, a faixa trouxe significativa diferença ao vivo: a impressionante combinação entre agitação e movimentação de todos (menos Baard) com as marteladas de baixo a partir do verso “I’m drifting” (em 2’39” do registro de estúdio), um fenômeno errante que se repetiu várias vezes durante a noite e, não se sabe muito bem como, sem os músicos acertarem seus instrumentos uns nos outros, em tantos possíveis encontrões no palco!

E bastou um grito de “Brasil!” de Einar para o bom público (a confortavelmente ocupar os espaços de modo bem distribuído, sem lotar a casa) explodir, antes de Stuck dar continuidade à celebração, com o baixo galopante de Simen em meio à quebradeira desempenhada pelo baterista. A lamentar apenas a guitarra de Robin praticamente inaudível, do lado esquerdo da pista, enquanto a galera ajudava a cantar a segunda faixa de Malina. E vale o registro: em seu insano final, o vocal de Einar (que pode lembrar The Mars Volta, Tool, Muse, The Cure, o citado A-Ha e até Depeche Mode, dependendo da música e a quem você perguntar) é reproduzido fielmente ao que se ouve nos álbuns! Em uma de suas poucas interações além de um “Thank you” (jamais “Thanks”), o vocalista agradeceu e garantiu ser fantástico estar no Brasil pela primeira vez, mesmo tendo demorado tanto para virem.

Mais longa do set, The Valley abriu a dobradinha de Coal, foi outra amostra de compassos quebrados, botou a galera para vibrar ainda em sua metade e ressaltou a performance artística do frontman, cantando o coro em falsete e tocando apenas com a mão direita, deixando a esquerda livre para a interpretação musical. Sem a segunda parte dos coros, uma versão enxuta de Foe veio a seguir, emendada ao arregaço The Flood, primeira de The Congregation (2015) no show, em outra explosão sonora e com Tor em posse de uma bela guitarra preta de oito cordas. Com trinta minutos contados, caía uma ficha: brancos, todos de camisa social abotoada até o pescoço (exceto Baard, já sem camiseta) e com Einar de gravata, jovens e de cabelos curtos, se você cruzasse com os membros do Leprous na rua, taxaria os cinco de ‘mauricinhos’, sem nem supor serem capazes de fazer um som tão poderoso, tamanha a discrepância visual com o estereotipado ‘metaleiro’. Ponto para o universo metal, sem preconceito, onde o que vale é o que se faz no palco e ponto final, sem maiores julgamentos.

Única de Bilateral tocada, em versão estendida (como em Live At Rockefeller Music Hall, de 2016), com um leve quê de Fandango, do Pain Of Salvation, e grafada apenas como “Acquired” no setlist de palco, Acquired Taste trouxe destaque ao som do baixo mais uma vez e respeitoso silêncio da platéia (exceção feita a isolados e empolgados gritos e assobios) em meio às belas vocalizações, sendo possível ouvir o som do sistema do ar condicionado da casa, com o público optando por sentir e contemplar a performance. Ao seu término, impressionada, uma fã comentava com um amigo: “Não sei como eles conseguem se entender e se encontrar nesses andamentos. É muita competência”. E olha que a faixa nem foi das mais entrecortadas!

Caminhando para metade do concerto, na tocante The Cloak, o som das guitarras já soava melhor distribuído, mas o baixo seguia proeminente, assim como em Illuminate e suas guitarras características, trazendo o play da turnê de volta às paradas em outra com final incendiário. Saindo um pouco dos full lengths, do single homônimo de 2018, Golden Prayers (escrita apenas “GP” no setlist de palco) voltou a exibir traços de jazz. Deixando o teclado de lado, Einar projetou-se para cantar no gargarejo e o que Baard fez no final da canção foi simplesmente absurdo, em nova e assombrosa quebradeira! Seguindo pelos singles, a versão de Angel, do Massive Attack, foi ironicamente dedicada pelo vocalista: “Beleza? Havia um cara lá fora mais cedo que me disse: ‘Por favor, não toquem nenhum cover!’. Essa vai para você”. Provocações veladas à parte, mesmo quebrada e até dançante, a faixa cortou um pouco o clima, e nem a ida dos dois guitarristas e de Simen em direção à galera melhorou o cenário. Em seu final, Tor foi para os teclados, Einar postou-se de costas, como Robin, este perto do kit de Baard, ajudando-o a finalizar a música, com ele tocando-a.

Em The Price, Tor voltou a usar a guitarra de oito cordas e o povo puxou o coro antes de o frontman encorajar os fãs ainda mais. Verdadeira aula prog, com todos cantando o refrão a plenos pulmões e Tor e Simen contribuindo nos backing vocals, a faixa puxou a dobradinha inicial de The Congregation, duas últimas do play na noite. E se você pensa que é fácil a vida de um baterista, evitando a fadiga, Baard mandou ver uma banana enquanto Einar agradecia e elogiava os fãs. Ao puxar um “Hey, hey, hey, hey”, o cantor incendiou a platéia em Third Law, em outro momento de tensão no palco tamanha a energia na hora de agitar, mas com todos escapando ilesos de seus próprios instrumentos. Após intensos quase oitenta minutos de pura entrega, havia chegado a hora de os músicos fazerem uma breve pausa.

Voltando para o encore após gritos de “Olê, olê, olê, olê! Leprous, Leprous”, duas de Malina, a começar por Mirage, de novo com Tor nas oito cordas e tentativas de homicídio entre colegas no palco, com braços de guitarra e baixo passando perto das cabeças em insano agito no momento mais vigoroso da noite, perto de seu final. E finalizando um show exemplar, após Baard deixar seu kit e jogar duas baquetas ao público, a cereja do bolo: combinação perfeita entre peso e melodia e com pitadas comerciais, até pela duração mais acessível às rádios (mais curta do set, exceto pela redução em Foe), sem descaracterizar a sonoridade da banda, From The Flame, que nasceu clássica, foi cantada em uníssono e fechou o set com chave de ouro.

Com um sucinto “Muito obrigado, São Paulo!”, Einar cravou o final do espetáculo e foi cumprimentar os corajosos fãs no gargarejo dispostos a tocá-lo, indiferentes ao nome do grupo. Ao som de Nemoralia, dos compatriotas do Ulver, o público deixava o recinto após pouco mais de uma hora e meia de ótimo Prog Metal. Procurando abrigo, as pessoas se davam conta de que as chuvas seguiam castigando a cidade, mas ao menos saíam do Carioca de alma lavada! E para quem venera o estilo, após as passagens de expoentes de sua nova safra (cada um ao seu modo), como o citado Circus Maximus, Animals As Leaders (Carioca Club, julho de 2017) e Haken (Fabrique, janeiro deste ano), em junho será a vez do Periphery estrear por aqui, também no Carioca, em 09/06, mas num subgênero diferente, bem mais pesado e agressivo, flertando com o djent, numa mistura de Meshuggah com Of Mice And Men. E por que não sonhar com as vindas do Soen, Kingcrow, Klone e Tesseract? Saindo da caixinha, até o Tool, headliner do terceiro dia do Hellfest deste ano, seria mais do que bem-vindo.

 

Setlist

01) Bonneville

02) Stuck

03) The Valley

04) Foe

05) The Flood

06) Acquired Taste

07) The Cloak

08) Illuminate

09) Golden Prayers

10) Angel [Massive Attack Cover]

11) The Price

12) Third Law

Encore

13) Mirage

14) From The Flame

Outro: Nemoralia (Ulver)

 

E para os mais curiosos, a playlist a partir das 19:20 teve: Into The Void (Klone); Immaculate Desire (Klone); Hollow Way (Klone); Pet (A Perfect Circle); The Silent Field Of Slaves (Klone); House Of Metal (Chelsea Wolfe); Bruises (FERN); The Earth Will Shake (Thrice); e Give Up The Rest (Klone)

 
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