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Mick Garris – Horror Expo – Pavilhão De Exposições Do Anhembi– 18/10/19
Postado em 14 de julho de 2020 @ 19:51


Amazing Stories, Stephen King, jantares, Masters Of Horror, Post Morten e Anthony Perkins – Um apanhado da vidaprofissional em cinquenta e cinco minutos

 

Agradecimentos: Felipe Veiga (tradutor, ator, roteirista e consultor informal sobre cinema deste escriba)

Fotos: Yuri Murakami

 

Conhecer um artista que você admira ou ao menos ter a oportunidade de estar perto dele costuma despertar reações extremas: ou ele não é nada do que se supõe, afinal de contas é humano, falha e tem todo o direito de não estar num dia bom; ou se mostra bem próximo à idealização, tira fotos, dá autógrafos, é atenciosoe reforça a imagem pré-estabelecida. Mick Garris não se encaixa em nenhum dos casos, pois o cara conseguiu ir além e ser ainda mais simpático do que o esperado. Como se não fosse ninguém, circulava livremente pela entrada do Pavilhão de Exposiçõesdo Anhembi e as pessoas nem se davam conta da importância daquele senhor de cabelos grisalhos,sorriso fácil e extenso currículo na história do cinema norte-americano. Só não vamos detalhá-lo aqui porque o próprio painel, transcrito abaixo e traduzido por nossa conta, encarregou-se do fato.

O informal bate-papo, oficialmente marcado para as 16:00 no Palco Horror Expo, só começou perto das 17:40 por ser no mesmo local usado para os shows de The Secret Society e Deathstars às 19:00 e 20:00, e do conjunto de K-Pop High School às 15:00. Com a bateria do grupo curitibano já a postos, não havia espaço para as teens coreanas dançarem ea tentativa de reacomodar tudo dentro da programação gerou atrasos em sequência. Mesmo assim o painel ocorreu a contento, aberto e fechado por Ricardo Campos, um dos organizadores da Horror Expo. Com o público espalhado, o próprio Mick Garris pediu a aproximação geral e a galera grudou no palco, bastante interessada no que ele tinha a revelar e com perguntas inteligentesno final. A condução ficou a cargo de Carlos Primati, jornalista, crítico, pesquisador e tradutor de Reflections: An Oral History Of Twin Peaks (2014), de Brad Dukes, e de Never Sleep Again – The Elm Street Legacy (2016), de Thommy Hutson, ambos aqui lançados em 2017, respectivamente como:Twin Peaks – Arquivos E Memórias; e A Hora Do Pesadelo – Never Sleep Again. Vamos ao que rolouna conversa de meia hora entre o diretor e seu interlocutor e os vinte e cinco minutos de indagaçõesdosfãs, descontando-se os agradecimentos e momentos mais emotivos frente ao artista:

 

Ricardo Campos: Pessoal, é com muita honra que anunciamos o início do painel do Mick Garris, que foi nosso primeiro convidado, mais do que especial, e é uma verdadeira lenda do cinema! E quem vai conversar com ele neste painel é um especialista no assunto: nosso querido Carlos Primati. Então uma salva de palmas para eles, por favor!

Mick Garris: Obrigado! [nota: em português mesmo]

Carlos Primati: Vamos juntar, galera! Vamos juntar!

MG: Somos uma família agradável e íntima! Aproximem-se!

CP: Nós vamos começar com o Mick contando o início dele como roteirista da série Amazing Stories [nota: as duas temporadasforam ao ar nos Estados Unidos entre 25/09/85 e 10/04/87 com vinte e quatro episódios na primeira e vinte e um na segunda], que é o Histórias Maravilhosas, produzida pelo Steven Spielberg, e logo na seqüência ele fez o primeiro longa-metragem dele, o Criaturas 2 [nota: Critters 2 (1988), no original em inglês], pela New Line Cinema. Então ele vai contar como que foram essas duas produções.

MG: Eu não queria trabalhar com o Steven Spielberg, mas ninguém mais me queria… estou brincando, é claro! Eu já escrevia desde os doze anos. Escrevi contos, escrevi para jornais, escrevi entrevistas com Jimi Hendrix e Janis Joplin quando tinha quinze anos. Escrevi por anos a fio, nunca por dinheiro e ninguém jamais me contratou até eu conhecer o Steven Spielberg quando eu estava fazendo um documentário de making of de The Goonies [nota: aos trinta e três anos, Mick dirigiu o documentário de sete minutos feito para a TV em 1985].

CP: [complementando a resposta] Uma coisa importante: o Mick fez muito making of de grandes clássicos do terror e logo mais eu abordo isso.

MG: Eu havia feito um programa de entrevistas para a televisão chamado The Fantasy Film Festival, que foi proposto a mim [nota: de 1979 e 1982, com quinze minutos de duração].Entrevistei o Steven Spielberg para o programa e ele se lembrava de mim de lá. Então, quando estávamos no set de filmagens de The Goonies, ele me perguntou o que eu estava fazendo e disse para ele que estava escrevendo. Ele me falou: “Oh, estamos fazendo um programa chamado Masters Of Horror e estamos procurando por escritores” [nota: Mick cometeu um ato falho, pois realmente disse Masters Of Horrorno lugar de Amazing Stories]. Normalmente você não diz para o Steven Spielberg: “Sou um roteirista” porque, em Hollywood, qualquer Zé Mané tem um roteiro no bolso de trás. Mas, naquela época, as pessoas da empresa dele tinham lido um roteiro que eu havia escrito, fizeram uma aavaliação do texto e me recomendaram. A última linha da análise era: “Contrate este homem!”. Então eles me contrataram. Escrevi o primeiro episódio, que me pediram para fazer baseado em uma das estórias do Spielberg. Eles adoraram, me pediram para fazer um segundo três dias depois – era um programa de meia hora. Enfim, escrevi o primeiro roteiro em três dias, eles realmente gostaram e descobri, anos mais tarde, que fui o primeiro roteirista que eles convocaram para escrever para o programa. Então me pediram para escrever um segundo roteiro e, antes que eu o terminasse, um dia e meio depois, eles me ligaram perguntando se eu queria ir para o programa como editor sênior das estórias, trabalhando em todos os roteiros do programa em tempo integral.

CP: [desfazendo a confusão acima] A série começase chamando Masters Of Horror?

MG: [corrigindo-se] Não! Masters Of Horror foi o meu bebê! Elas não estão relacionadas. São projetos totalmente diferentes. Masters Of Horror foi ‘mi bebê’.

CP: Acho que você disse Masters Of Horrore nãoAmazing Stories, mas tudo bem.

MG: Então o Spielberg me perguntou se eu queria escrever… ele havia escrito uma estória chamada Grammy And Gramps And Company e me pediu para adaptá-la para o Amazing Stories, mas ele me disse que gostaria de transformá-la num filme e perguntou se eu gostaria de fazer o roteiro do filme. Isto virou o Batteries Not Included [nota: O Milagre Veio Do Espaço (1987) no Brasil].

CP: Esse filme tem dois títulos originais. O outro é Miracle On 34th Street. É uma comédia de ficção científica [nota: aqui houve uma confusão. Háum Miracle On 34th Street (1947), refilmado em 1994 e sem relação alguma com o contexto. Porém, o título francês de Batteries Not Included é Miracle Sur La 8e Rue, logo o 34th dito deveria ter sido 8th].

MG: Então o filme foi feito. Eles trouxeram outro escritor, Brad Bird, quando contrataram outro diretor, Matthew Robbins. Foi um tremendo sucesso e aí me pediram para escrever Hocus Pocus [nota: Abracadabra (1993) no Brasil] para a Disney. Spielberg, Disney e depois Masters Of Horror, muito diferentes.

CP: Como um resumo da carreira, o Mick Garris começou fazendo documentários de bastidores, depois fez séries de TV, telefilmes, filmes para o cinema… Ele tem um talk show, agora está com um podcast, sobre o qual vamos falar depois. Fez filmes infanto-juvenis para a Disney, no caso o Abracadabra, e mais coisas, sempre trabalhando com fantasia e horror. Vou pedir para ele falar sobre esta constante versatilidade, pois ele fez todas as linguagens possíveis dentro do horror e sempre trabalhando em cinema.

MG: Eu sempre me atraí pela fantasia e o lado sombrio. Sempre me senti como um forasteiro, como se eu não fosse parte de nada. E acho que a maioria de nós pode se identificar com isso. Não sei quantos de vocês foram rainhas ou reis dos bailes, mas chutaria que não muitos. Como disse, comecei a escrever contos aos doze anos, eles sempre foram ‘horríveis’ e eu apenas me atraía por isso, o tempo todo. Então, ao obter algum sucesso, no gênero do horror em particular, eles te trancam na ‘prisão do horror’. Mas eu gosto de lá! Sinto-me orgulhoso de trabalhar num gênero que encoraja imaginação, que vai mais a fundo do que a maioria dos dramas. O horror real é sobre tudo que nos empolga com coisas que infestam nossas almas e nos fazem mais fortes quando as conquistamos. Então consegui retomar e voltar à sua pergunta original: quando eles estavam pensando em fazer uma seqüencia para Critters [nota: Criaturas (1986) no Brasil, escrito por Domonic Muir e dirigido por Stephen Herek], que foi razoavelmente bem-sucedido, pelo fato de ter sido meio que inspirado nos filmes do Spielberg, acho que eles pensaram: “Uh, temos aqui alguém que trabalhou para o Spielberg, mas ele não dirigiu ainda! Então podemos pegá-lo por pouco”.

CP: Um desses filmes do Spielberg em que Critters se inspirou foi Gremlins.

MG: Então fiz o filme e foi um grande fracasso! Mas eu dirigi meu primeiro filme para o cinema. Finalmente, fiz Psycho IV: The Beginning [nota: Psicose 4: A Revelação (1990)] para a Showtime, o canal de TV a cabo que pôs o Masters Of Horror no ar anos mais tarde. E isso levou a Sleepwalkers [nota: Sonâmbulos (1992) – às vezes a tradução é literal mesmo] porque o Stephen King tinha aprovação sobre a direção. Ele havia visto Psycho IV, que é meio que um tema similar a Sleepwalkers, relacionado a mães e filhos – não digam à minha mãe! Enfim, o Stephen King ficou muito feliz e eu nunca o havia encontrado até filmarmos a cena com ele, Tobe Hooper e Clive Barker. Isso levou duas horas e ele foi embora! Ele ficou tão contente com o Sleepwalkers que, quando The Stand ia ser feita, ele me perguntou se eu a dirigiria. Aqui é Apocalypsis? Quando ela foi feita, se tornou a mais bem-sucedida mini-série da história da televisão americana [nota: A Dança Da Morte (1994), com quatro episódios em torno de noventa minutos dirigidos por Mick Garris: The Plague; The Dreams; The Betrayal; e The Stand]. Todos ficaram muito felizes com ela.

CP: A Dança Da Morte acaba de ser restaurada numa nova cópia.

MG: Aí perguntaram ao Stephen King o que ele gostaria de fazer a seguir e ele nunca gostou de The Shining [nota: O Iluminado (1980), dirigido por Stanley Kubrick]. Eleme disse: “Quero fazer The Shining! Se o Brian De Palma não quiser dirigi-lo, você o faria?” [nota: mini-série dirigida por Mick Garris para a TV americana com três episódios que foram ao ar em 1997, entre 27/04 e 01/05, com duração total superior a quatro horas e meia]. E meus sentimentos não foram feridos… enfim, foram vinte anos da minha vida em quinze minutos!

CP: Eu vou pedir para ele contar sobre o começo da carreira dele, quando ele criava reuniões com diretores clássicos do cinema, como John Landis… William Friedkin também?

MG: Eu o entrevistei…

CP: …Tobe Hooper e David Cronenberg. Essa galera se reunia para fazer debates a respeito do gênero do horror e isso durou alguns anos. Esses encontros foram registrados, eram um bate-papo, anos depois, o Mick Garris criou a série de TV Masters Of Horror e alguns destes diretores estavam lá fazendo episódios.

MG: O meu primeiro trabalho em filmes foi atender telefonemas para o Star Wars original em 1977: “Star Wars, posso ajudá-lo?”. Eu era muito jovem e o escritório ao lado era do John Landis, quando ele estava em pré-produção para National Lampoon’s Animal House [nota: Clube Dos Cafajestes (1978)]. John e eu nos tornamos muito bons amigos, comecei a fazer publicidade especializada em filmes de ficção científica, fantasia e horror trabalhando em The Fog, Escape From New York, Scanners e The Howling, do qual participo com uma fala [nota: A Bruma Assassina (1980); Fuga De Nova York (1981); Scanners: Sua Mente Pode Possuir (1981); e Grito De Horror (1981)]. Eu digo: “O que é isso?”. Também estava escrevendo para revistas, fazendo coisas assim, mas finalmente tive a oportunidade de contratar a mim mesmo para fazer documentários de making of de Videodrome, The Fog, Escape From New York, The Thing, Gremlins, The Goonies [nota: ditos pela primeira vez: Videodrome: A Síndrome Do Vídeo (1983), O Enigma De Outro Mundo(1982), Gremlins (1984) e Os Goonies (1985)]. Sou meio que como… não sei se vocês sabem quem é Zelig, do filme de Woody Allen, mas sou o Zelig do horror [nota: Leonard Zelig, personagem interpretado pelo próprio Woody Allen em Zelig (1983)]. Anos atrás, organizei uma série de jantares apenas com diretores de filmes de terror e, de brincadeira, nos chamávamos: ‘Os Mestres Do Horror’. O primeiro foi num restaurante em Los Angeles e havia doze de nós: eu, Tobe Hooper, John Carpenter, Wes Craven, Guillermo del Toro, John Landis…

Uma fã: [cortando-o] Vocês eram o Hollywood Vampires do horror [nota: em alusão à banda capitaneada por Alice Cooper, Joe Perry (Aerosmith) e o ator Johnny Depp].

MG: Sim, éramos o Hollywood Vampires que não cantava. Na verdade, o del Toro foi ao primeiro jantar e ele é a razão pela qual ganhamos esse nome. Havia uma festa de aniversário na mesa próxima à nossa e eles não tinham idéia de quem éramos… sabe, ficamos atrás das câmeras, não à frente. Então eles começaram a cantar Parabéns A Você e nos juntamos cantando para eles também. E no final o Guillermo del Toro se levantou e disse: “Os Mestre do Terror desejam a vocês um feliz aniversário!”. Então esse era o nome e começamos a fazê-los regularmente. A cada poucos meses tínhamos um desses jantares e era a minha função organizá-los. E aí eu vim com a idéia [nota: de criar sua série Masters Of Horror mesmo] porque é muito frustrante ser um cineasta em Hollywood e tentar fazer tudo do seu jeito. Então desenvolvi o conceito de um programa semanal de uma hora com cada um dos episódios dirigidos individualmente pelos maiores cineastas de horror da história. Mas não tinha como foderem com isso: era sem comerciais e sem palpites ‘criativos’. Se algum produtor quisesse uma dessas pessoas, como John Carpenter, John Landis, Tobe Hooper, Stuart Gordon, eles tinham que se distanciar.

MG: [retomando após a tradução] Fizemos por duas temporadas, de 2005 a 2007, com muitos outros trabalhos no meio, e o filme que acabamos de exibir e vamos reprisar amanhã, Nightmare Cinema, é meio que o filho espiritual do Masters Of Horror, pois juntamos quatro grandes diretores e eu, de países diferentes, e fizemos um filme com o mesmo espírito de orçamento baixo, mas com total controle criativo [nota: os quatro diretores, responsáveis pelos cinco segmentos do filme de 2018 junto ao americano Mick Garris, são: Alejandro Brugués (Argentina), Joe Dante (Estados Unidos), Ryûhei Kitamura (Japão) e David Slade (Inglaterra)]. E desenvolvemos algo do qual somos muito orgulhosos de ter feito. Espero que, se vocês não o viram hoje, que todos possam assisti-lo comigo amanhã. Somos muito orgulhosos dele, levo-o pelo mundo indo a festivais como este. Mas eu quero deixar algo muito claro: que o terror não é um trabalho para mim, é minha paixão. Escrevo livros do gênero; escrevo, produzo e dirijo filmes no gênero para a televisão; faço o podcast para conversar com pessoas que admiro e com quem posso aprender no gênero. É algo realmente importante e pessoal para mim e quero que seja para todos também porque, na verdade, não é para todo mundo. Há muitas pessoas que odeiam o terror e podemos mandar todas elas… é importante e é minha paixão!

CP: Ele mandou quem não gosta de terror se foder!

MG: Dito isso, não adoro todo tipo de terror e ninguém o faz. Sei que muitos de vocês são fãs dos filmes slasher dos anos oitenta. E não acho que sejam as experiências mais ricas e profundas que você pode ter, mas são recreativos e importantes também. Mas adoro o quão fundo o terror pode ir. Para mim, grande terror é um grande drama primeiro e aí fica ainda mais rico porque o terror, o suspense e a profundidade do medo são adicionados por sobre um grande drama. Gosto de terror que é esperto e sobre seres humanos, que seja sobre nós e o que sentimos e dividimos. E as coisas que são mais privadas e íntimas são sexo e terror. Estes são elementos dramáticos realmente abertos. Eu realmente gosto de terror que é inteligente, dramático e que te toca profundamente com sexo e horror.

CP: Vamos falar agora sobre o novo podcast do Mick Garris, o Post Morten.

MG: Quase três anos atrás, uma empresa chamada PodcastOne veio até mim. Eles são a maior empresa de podcasts no mundo, me perguntaram se eu gostaria de fazer um podcast e me disseram quanto dinheiro eu ganharia. Você não ganha dinheiro fazendo podcast, mas é um retorno a quando eu era um jornalista e entrevistava na televisão em 1979-80, aprendendo com pessoas que eu admirava e trazendo grandes pessoas para falarem sobre o que fazem. Então nosso primeiro convidado foi Rob Zombie [nota: além de dirigir, ele é ex-vocalista do White Zombie e atualmente segue em carreira solo]. Tivemos John Carpenter, Wes Craven e a única entrevista para um podcast já feita com Stephen King foi para o Post Morten. Conversamos também com atores e escritores: Neil Gaiman, Howard Burger, da KMB – o cara dos efeitos especiais, nossa entrevista mais recente. Fizemos mais de sessenta delas e estão na Apple Podcasts, Google Play, ou qualquer um desses lugares que quiserem ir. Estão todos disponíveis, mais ou menos sessenta e cinco. Estamos em nosso terceiro ano agora e na terceira empresa de podcasts. Mudamos para a Blumhouse, pensando que ela seria melhor, agora estamos fazendo pela FANGORIA e eles são ótimos! Tem realmente sido uma grande relação. Ainda não ganho dinheiro algum com isso, mas… é feito com amor e paixão e ser capaz de contribuir para a história do terror… essas pessoas são as vozes principais, têm muitas perspectivas únicas para dar e agora todos vocês podem acessá-las, para sempre, e isso é muito importante também.

CP: Podemos abrir para perguntas.

Pergunta 1: Li que você estava trabalhando num remake de The Mummy, dos anos 90, com o Clive Barker…

MG: São duas versões diferentes!

CP: … se possível, gostaria de saber mais sobre elas.

MG: Claro! Houve duas versões diferentes de The Mummy nas quais eu trabalhei e elas não têm relação. A primeira foi com o Clive Barker, uma estória totalmente original passada em Beverly Hills, sobre a qual se descobre uma pirâmide enterrada. Uma viúva muito rica acabava se tornando transexual e possuía a casa em Beverly Hills, na qual tudo se passava. É muito complicado, doentio e pervertido num modo delicioso! Tudo que tenha a ver com o Clive Barker é repleto de sexo sujo e pervertido. Isso foi logo após eu ter escrito Hocus Pocus. Então, anos mais tarde… falando emHocos Pocus,olá, Winifred! [nota: apontando para uma fã fantasiada como a personagem interpretada por Bette Midler]

‘Winifred’: Olá, papai!

MG: Então, anos mais tarde, George Romero estava fazendo, de fato, um remake de The Mummy, retomando as estórias de Imhotep e Kharis dos antigos filmes da Universal dos anos trinta e quarenta [nota: A Múmia (1932), com Boris Karloff no papel de Imhotep, ‘gerou’ The Mummy’s Hand (1940), The Mummy’s Tomb (1942), The Mummy’s Ghost (1944) e The Mummy’s Curse (1944), todos com a múmia Kharis, interpretada por Tom Tyler no primeiro filme e Lon Chaney Jr. nos outros três]. George Romero ia dirigir, ele tinha escrito um roteiro, mas outra oferta de filme chegou a ele, que disse: “Ou faço The Mummy, ou este filme aqui”. E a resposta foi: “Ainda não estamos prontos para fazer The Mummy”. Então ele foi fazer o outro filme, que nunca foi feito, tampouco The Mummy, e aí o George se fodeu.

MG: [retomando após a tradução] Então me chamaram para vir a bordo, reescrevê-lo e dirigi-lo. Íamos fazê-lo, fui atrás de locações em Vancouver(Canadá), que é o local perfeito para se fazer um filme que se passa no Egito! E o filme nunca foi feito porque o chefe do estúdio, Sid Sheinberg, foi demitido. Mas fizeram um acordo com ele, como produtor, para que, dentre qualquer um dos filmes que estivessem fazendo, ele escolhesse um para fazê-lo como produtor. E ele escolheu The Mummy. Foi idéia dele fazer um ‘Raiders Of The Lost Mummy’ [nota: Mick Garris brinca com o estilo do filme traduzindo-o como ‘Os Caçadores Da Múmia Perdida’ e parodiando-o com Os Caçadores Da Arca Perdida (1981) –Raiders Of The Lost Ark no original – estrelado por Harrison Ford]. Então é por isso que você tem aquele monte de merda com o Brendan Fraser, que foi muito bem-sucedido. Droga!

Pergunta 2: Queria saber se você pensa em escrever Hocus Pocus 2, em continuação…

MG: [sem sequer precisar da tradução feita por Carlos Primati e brincando] Oh, eu entendi! Eu nunca ouvi esta pergunta antes! Há anos eles vêm falando sobre fazer uma sequência para Hocus Pocus. Então, uns dois anos atrás, eles fizeram um acordo para fazê-lo como filme para a TV, sem ninguém do elenco original. Entretanto, a última coisa que ouvi é que vão fazer um novo filme do Hocus Pocus com o elenco original. Vocês estão ouvindo isso em primeira mão aqui. Entretanto, não estarei envolvido. Então vai ser uma porcaria! Não, tenho certeza que será bom… o produtor, David Kushner, é fantástico! E acho que farão um ótimo filme. E eu farei Billy Butcherson. Não, é brincadeira!

Pergunta 3: Escrever roteiro é difícil…

MG: Não!

Pergunta 3: Sim, tive que fazer para a escola. Ter a idéia é a parte fácil. Como você faz para que ele dê certo? Como faz para ficar bom? Porque às vezes se encara a tela do computador, há a idéia na cabeça e não sai nada… O que você faz?

MG: Bem, nunca tive problemas em ser capaz de me sentar e começar. Geralmente não planejo tudo, não traço um direcionamento, apenas me sento com o teclado e uma idéia e começo a escrever. Mas esse sou eu e venho fazendo isso desde que tinha doze anos. E o que posso recomendar é um livro escrito pelo Stephen King chamado On Writing [nota: originalmente publicado em 2000, o título inteiro em inglês é: On Writing – A Memoir Of The Craft]. E posso recomendar, pois é o melhor livro já feito sobre processo criativo, seja lá você um ator, escritor, pintor, diretor, músico… é fantástico e te liberta porque você deve estar pondo limites em si própria ao pensar: “Isso é muito difícil, não posso fazer!”. Quem se importa? Apenas faça porque você ama e fluirá. Não ponha bloqueios no seu próprio caminho porque eles não existem. Você tem as idéias e a imaginação e eu tenho fé que você pode fazer isso. Tenho certeza que você pode! Tudo que tem que fazer é destrancar a porta que a permite fazer e então fazer. E seu primeiro roteiro pode ser ruim, mas você vai melhorar e se torna confortável fazer, seja composição musical, pintura… se você tiver uma afinidade pela coisa, você fará porque seu corpo e sua cabeça querem que você faça. Para mim, minhas mãos fazem toda a escrita, meu cérebro não. O que talvez seja uma coisa boa.

Pergunta 4: Queria te perguntar sobre a animação que você fez ou está trabalhando nela atualmente. Não sei se você pode falar sobre ela ou não. E queria saber se você alguma vez falou com o Aaron Blaise no período em que você esteve trabalhando para a Disney, como diretor [nota: Aaron Blaise integra o setor de animação da Disney e dirigiu Irmão Urso (2003), Brother Bear mesmo em inglês].

MG: Não, não falei. Nunca trabalhei com ele, mas sobre o novo projeto que estou fazendo, eu nunca falo com ninguém, exceto meu agente, porque eu acabei de terminá-lo na semana passada. Então não posso te contar a estória. Ele vai para os estúdios na semana que vem, mas é uma aventura muito nova para mim porque tem e não tem a ver com ser uma animação. É um drama ‘horrível’ e romântico, mas também é meio psicodélico e é uma animação desenhada em 2D, não em 3D CGI. Então isso é tudo que vou te dizer.

Pergunta 5: Você disse que escreve desde os doze anos. Eu também. Mas eu olho para meus textos de antigamente como uma escritora melhor do que sou hoje e sinto falta da minha versão escritora de doze anos. Você já passou por isso, algum tipo de bloqueio, ou já pensou em si mesmo como um escritor do passado? Como você vê essa situação?

MG: Eu nunca tive bloqueio de escritor. E venho escrevendo há quase cinqüenta anos. Mas sou sortudo por ter afinidade com isso. Não é ‘culpa’ minha e não posso levar o crédito por isso. Escrevi muitas coisas pelas quais ninguém nunca me pagou, ninguém nunca comprou e nem nunca foi feito e nem publicado. Mas escrever é quando me sinto mais livre. Não há orçamentos, egos, ninguém para passar pelo processo a não ser eu. Não há nada entre nós, eu e você, a não ser a página. Mas acho que, talvez, novamente, você esteja colocando bloqueios contra si mesma por conta de expectativas, em vez de apenas fazer o trabalho em si. Porque eu aposto que você é uma escritora muito melhor hoje do que aos doze anos. E acho que é importante viver a vida e escrever sob essa perspectiva em vez de assistir a filmes, ler livros e escrever a partir desta segunda perspectiva. Quanto mais real for, não importa se for mais fantástica ou pé no chão na sua experiência, mais você será capaz de comunicar isso com mais alguém. Mas acho que você é realmente boa hoje e realmente acho que você é melhor do que já foi. E se você apenas jogar fora a ‘trava’ e adentrar a terra onde você quer morar, você poderá se permitir fazer isso. Sei que estou soando como Tony Robbins [nota: coach, escritor e palestrante motivacional, um dos responsáveis pela popularização da Programação Neurolingüística].

CP: Aproveitando que ele falou sobre o Tony Robbins, vou pedir para ele falar sobre a experiência de ter dirigido outro Tony, o Anthony Perkins emPsicose 4: A Revelação, com roteiro do Joseph Stefano, roteirista original do Psicose, fazendo essa conexão com o clássico do Alfred Hitchcock [nota: Psychoé de 1960 e Psycho IV: The Beginningde 1990].

MG: Foi uma grande honra e oportunidade fazer uma ‘sequência-prévia’ para Psycho. O roteiro foi escrito pelo cara que fez o roteiro para o filme original do Hitchcock, Joseph Stefano. E ele não havia feito nenhum outro filme grande desde então, mas o roteiro era ótimo e consegui colaborarum pouco nele também, para torná-lo um pouco mais contemporâneo. Anthony Perkins não era um ator fácil com quem se trabalhar e foi provavelmente o ator mais difícil para se trabalhar que já tive. Difícil não, complicado… ele havia dirigido Psycho III [nota: Psicose 3 (1986)] e todos odiaram. Foi um fracasso de bilheteria e as críticas foram terríveis. Então ele queria dirigir o Psycho IV, mas o estúdio não deixou. Aí contrataram o diretor de Critters 2 para dirigir a continuação de Psicose III. E o Anthony Perkins tinha trabalhado com Alfred Hitchcock, William Wyler, Orson Welles, com todos os grandes diretores da Época de Ouro de Hollywood, e lhe deram um diretor cujo filme mais recente era Critters 2… então ele constantemente me testava, no processo todo. Por exemplo, montávamos uma cena,sobre a qual havíamos discutido,com uma faca de açougueiro posta na mesa com raiva, e subitamente ele começava a dizer que era uma idéia terrível e a falar, literalmente, por vinte minutos sobre colocar a tal faca de açougueiro na mesa, com a equipe de sessenta pessoas de pé em volta, esperando para fazer seu trabalho.

MG: [retomando após a tradução] Então era assim que ele queria ‘dirigir’, pois este era apenas meu segundo filme como diretor, eu era muito jovem, inexperiente [nota: à época, Mick Garris tinha trinta e nove anos] e lá estava um ator mundialmente conhecido, no papel que o fez famoso, um dos personagens mais icônicos de todos os tempos, se recusando a mudar de idéia. Basicamente era: “Tony, por que você e eu não saímos do estúdio e bolamos uma idéia melhor enquanto o resto da equipe faz o trabalho deles? Faremos no mesmo estúdio, estamos iluminando-o, daremos um jeito de fazer na mesma locação e com esse movimento. Mas tenhamos, essa conversa em particular e não dividida com sessenta pessoas”. E por mais que tenha sido complicado trabalhar com ele durante todo o processo, quando finalmente terminamos o filme, fizemos uma exibição para ele na sala Alfred Hitchcock, nos estúdios da Universal e ele adorou [nota: hoje ‘Mix 4 – Hitchcock Theater’ – para maisinformações, consulte:https://www.universalstudioslot.com/our-facility/3678/mix-4–hitchcock-theater]. Enfim, vingança no final, após semanas de tortura!

Pergunta 6: Queria que você nos contasse um pouco mais sobre como foi trabalhar com Takashi Miike no Masters Of Horror.

MG: Quantas pessoas aqui viram Imprint, episódio do Masters Of Horror com Takashi Miike? É um lance bem pesado! [nota: o décimo-terceiro episódio da primeira temporada, com direção do japonês, foi ao ar em 07/04/06] Mas a filosofia do Masters Of Horror era: dê a bons diretores total controle criativo. Estávamos fazendo um episódio com Takashi Miike, não com Mick Garris, John Landis ou Joe Dante, então o filmamos no Japão e foi fantástico! O dinheiro do orçamento é gasto mais rápido lá – digo, o valor da produção – do que em Vancouver, onde filmamos o resto da série. E a ilha de prostitutas e cortesãs foi um lindo trabalho de direção de arte. O elenco era espetacular, ninguém deles falava inglês, então eles faziam os diálogos foneticamente,às vezes não muito bem. Mas ‘Miike-san’ foi um cara doce, gentil, maravilhoso e muito protetor da garotinha, certificando-se de que ela soubesse que tudo era um faz-de-conta e não fazendo nada realmente intenso na frente de qualquer criança ao filmar. Ele realmente sabia o que estava fazendo, estava preparado e há uma coisa que ele disse. Vocês que viram o episódio, se lembram da cena da tortura?Elaera oito minutos mais longa do que foi lançado. Ele disse: “Quanto mais você a fizer sofrer, mais o público vai se compadecer”. Então acho que fomos compadecidos para cacete! Mas foi ótimo trabalhar com ele, um prazer e uma honra produzir um episódio de Takashi Miike. Já viram seu último filme, True Love? [nota: Mick Garris se confundiu, pois o nome em inglês para Primeiro Amor (2019) é First Love mesmo] É ótimo! É meio que um filme de máfia.

CP: Temos que terminar. Haverá mais atividades com o Mick Garris em outro bate-papo no domingo, exclusivamente sobre produções com Stephen King.

MG: Muito obrigado por me convidarem para vir aqui, por sua hospitalidade e por terem feito com que me sentisse tão bem-vindo. Realmente agradeço por ter feito meus novos amigos aqui em São Paulo!

Ricardo Campos: Mick, é um prazer e uma honra tê-lo aqui conosco. E quem vier amanhã e domingo, amanhã às 13:00 vai ter a apresentação do Nightmare Cinema na íntegra no nosso cinema. E depois, às 15:00, vai ter o painel com ele falando sobre o filme, durante uma hora. No domingo, às 13:00, vai ter umHorror Talks, painel com ele falando só sobre suas adaptações para filmes do Stephen King. Está bem? Muito obrigado, pessoal!

 

E para quem quisesse abordar Mick Garris, conversar, tirar fotos, pedir autógrafos, ele passou calmamente pela saída lateral, tão acessível quanto esteve nosoutros dois diasda Horror Expo. Se você curtiu a transcrição deste painel, saiba que em breve faremos a do dia seguinte, mas infelizmente não a do domingo, perdida, pois fomos cobrir a Nova Orquestra tocando Led Zeppelin no estádio do Palmeiras.

 
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