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PERIPHERY :::09/06/19 ::: CARIOCA CLUB
Postado em 20 de junho de 2019 @ 01:21


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Flavio Santiago

E tem cheiro de coisa nova e boa arejando o metal… mas qual o estilo?

 Em dezembro do longínquo ano de 1994, a edição 101 da Rock Brigade trazia uma matéria sobre o Dream Theater intitulada “Misturando Estilos” focando em Awake, seu terceiro álbum, recém-lançado em 04/10. Tentando categorizar a sonoridade dos hoje ‘criadores do prog metal’, Daniel Oliveira e Fernando Souza Filho arriscavam: “Com tantos elementos num mesmo disco, fica difícil definir o estilo do Dream Theater. Para alguns, eles são uma combinação entre Metallica e Yes enquanto outros acreditam que a banda está mais para Queensrÿche e Rush”. A estréia do Periphery no país pode ter marcado momento parecido, pois um modo bem simplista de classificar o som dos caras seria: Meshuggah + Deftones, com generosas pitadas de Linkin Park, Of Mice And Me, Killswitch Engage e Animals As Leaders. Puro achismo, até porque, com uma lista assim longa de influências, sabe lá deus Lemmy como esse resumão vai soar daqui a outros vinte e cinco anos…

Realçando a tese da diversidade de gênero com muito bom humor, a única camiseta à venda do grupo de Washington D.C trazia um ‘chifrudo’ estampado e seu nome estilizado à la black metal na frente e um Hail Stan nas costas, também customizado, facilmente confundido com Hail Satan. Só que desbravar caminhos não significa pronta aceitação. Referência de consulta, o Metal Archives não traz dados sobre o Periphery e sua não-inclusão no site já foi tema do fórum em post assinado pelo usuário ‘Toyman’ em 04/04/13, pró-quinteto: “Olá! Sou meio novo aqui na Encyclopedia, mas não sou novo na cena metal. Estou mais do que um pouco confuso sobre o porquê de algumas pessoas não considerarem o Periphery metal. Vi um post um tempo atrás que fazia esta pergunta, mas (…) não faz sentido que uma banda djent inspirada no Meshuggah não seja considerada no mesmo gênero” [nota: informações sobre os suecos estão disponíveis no site]. Complicado…

Sem banda de abertura e alheios à polêmica, Spencer Sotelo (vocal), Misha “Bulb” Mansoor, Mark Holcomb e Jake Bowen (guitarras) e Matt Halpern (bateria) só queriam se divertir. De cortinas abertas e a quinze minutos do show, o público que encheu o Carioca mostrou estar na mesma vibe urrando animado com os empolgantes últimos arranjos (como colocar água em copos descartáveis) e gritando “Suck my balls! Suck my balls” dez minutos depois, como dito no final de Satellites, última faixa de Periphery IV: Hail Stan, lançado em 05/04. Misha entrar filmando e Mark tomar vinho em pleno palco apenas contribuíram para a algazarra que aumentou com a galera berrando “Misha! Misha” e rindo de si mesma devido à semelhança com certa rima (chega a ser irônico um americano ter o nome do urso mascote dos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, boicotados justamente pela terra do Tio Sam, ainda mais por ter nascido no ano das Olimpíadas seguintes, em Los Angeles, com retaliação de todo o bloco socialista). Convicto de que era homenageado (e de fato era), o único remanescente da formação original fez aquela brincadeira tão associada a Bruce Dickinson de levantar as mãos pedindo por barulho. Do camarote, por sua vez, uma fã ensandecida esganiçava-se chamando Matt de “gostoso”, várias vezes durante a noite (qual o propósito se ele não entende português?). Tudo isso sem uma nota tocada enquanto os músicos se preparavam.

Exatamente às 20:03, as luzes finalmente se apagaram e trecho de Anthem, de Michael Abels, trilha sonora de Nós (2019 – Us, no original), rolou como intro para uma imensidão de celulares erguidos e não abaixados quando The Bad Thing, de Juggernaut: Omega (2015), abriu oficialmente o set (spoiler: nada da parte Alpha de Juggernaut, lançado no mesmo 27/05, seria tocado). Ao vivo, o som foi simplesmente uma martelada que botou a galera a pular e agitar, mas sem abrir roda ou gerar confusão. Ao contrário, deve-se registrar desde já o comportamento exemplar e amistoso da platéia, pois não era raro testemunhar pedidos de desculpas em eventuais esbarrões e/ou pisões nos pés. Ao seu final, de agasalho branco de moletom (com touca) e bermuda florida, Spencer fez as honras da casa: “São Paulo, como estão se sentindo esta noite? E aí? Vamos nos divertir!”. Visivelmente abatido, explicou-se: “Passei o dia todo hoje com uma intoxicação alimentar. Vomitei pra cacete e se me virem correr lá para trás, obviamente será para botar a cabeça na merda de um balde e vomitar. Acontece, cara… vamos tocar uma de Periphery III para vocês”: Remain Indoors, com direito a two hands de Mark e Jake.

Contar com três guitarristas ao vivo tem suas vantagens, a mais latente era proporcionar chuva de riffs insanos na linha ‘começa-e-pára’ do djent metal misturado seja lá com metalcore ou new metal. E se o volume do vocal não soava tão alto ou potente, em função da explanação feita por Spencer, não lhe faltou garra a noite toda e seu esforço hercúleo deve ser louvado. Sem respiro, após um fã levantar uma bela bandeira do Brasil com o “P” da banda ao centro, Garden In The Bones, verdadeiro atropelo, foi a primeira do álbum da turnê executada, teve auxílio de Mark e Jake nos vocais de apoio, deu sinais de melhora no quadro do vocalista, arriscando mais nos gritos já melhor aquecido, e impressionou pela calma com que Matt fazia suas partes mais intrincadas. Graveless foi uma pancadaria só no começo, merecia roda, de tão agressiva, esquentou a noite e há quem jure ter pescado influências de Joe Satriani na linda e discreta melodia do solo.

Dando prosseguimento à festa, o frontman anunciou: “Vamos tocar uma do Periphery III para vocês, The Way The News Goes… quero que vocês comecem o vocal. Podem fazer isso por mim? Beleza, vocês sabem como funciona”, com dedilhado inicial de Mark que lembrou Soraya, do Animals As Leaders. A faixa fez o povo pular novamente e foi seguida exatamente por Marigold, sua antecessora no álbum, mais uma pedrada, porém melódica e até um tanto comercial para o estilo. Mas antes a galera pediu em coro: “Venham ao Brasil! Venham ao Brasil” e, entrando na onda, Spencer brincou: “Quando iremos ao Brasil? Estou cantando com eles há dez anos, esse foi o tempo que levou, muito tempo!”. Bem acompanhada pelo público, ela agitou tanto, mas tanto os fãs, que pode muito bem se tornar o hino do próximo grande movimento no metal encabeçado por uma banda que pede passagem (não seria exagero imaginá-los numa casa maior na próxima turnê). Esperemos… enquanto isso, Misha farreava correndo em direção a Mark e dando high fives com a canção em andamento!

Emocionado, o vocalista foi sincero: “Eu não devia estar no palco hoje, vomitar é um saco. E eu realmente não me sentia bem para vir ao palco, mas ao ver como vocês estão aí, vocês fazem tudo valer a pena. Muito obrigado. Esta se chama Mile Zero”, primeira de Periphery II no set, retomando a quebradeira e curiosamente grafada Mile One no setlist de palco, em mais uma amostra de bom humor do conjunto (esta e as demais trocas de nomes, não importando se eram meros gracejos, piadas internas ou puras simplificações, constarão entre parênteses na lista ao final desta matéria). Ainda sofrendo, Spencer foi humilde: “Preciso de ajuda para a minha voz, aqui na primeira fileira. Vocês podem me ajudar?” e assim foi a partir do verso “It’s been a long ride without you”. Fazendo o diabo para seguir em frente, ele se sentou num suporte perto da pista, na lateral esquerda do palco, enquanto Jake, nem aí para o calor e tocando de gorro, debulhava na guitarra. Mais pesada e voltando a martelar as cabeças, no melhor sentido, Blood Eagle foi a próxima, trazendo o álbum da turnê de volta às paradas, com claras influências de Meshuggah.

Finalizando a parte pré-encore, o frontman deu a letra: “Ela foi bem divertida! E temos mais duas para vocês. Esta volta para os idos de 2010, baby. Vocês sabem o que têm que fazer”. Era Icarus Lives!, do álbum de estréia, com início a incendiar a galera, fazendo-a pular novamente. Pegando a bandeira citada anteriormente, Spencer deu um susto em todos garantindo que Masamune era a última. Desta vez eram os três guitarristas que se divertiam correndo para dar mais ‘high fives’ e Misha ainda foi além propondo um brinde entre os três com a canção ainda em andamento. Após partirem e retornarem, o vocalista revelou a saideira: “Vocês se divertiram esta noite? Temos mais uma para vocês e vamos terminar a noite com uma música sobre amor. E não há amor melhor do que o amor em um show de metal, certo? Esta se chama Lune”, fechando o set em uníssono com chave de ouro como tudo começou: outro mar de celulares empunhados registrando o momento mais tocante da noite, em especial a explosão sonora a partir de 3’54” de estúdio. Spencer até disse algo antes do coro, mas não deu para captar de tão baixo que se expressou. Encerrada a apresentação, agradeceu em português e palhetas e baquetas foram distribuídas ao som da divertida Jump In The Line, de Harry Belafonte, na discotecagem.

A apresentação em si foi tão intensa que a galera não deu pelota para o bandeirão de fundo com o logo da banda em cores que pareciam ser da Argentina. Também nem se deu conta da curta duração de quase meros setenta e cinco minutos no palco. E tão pouco tempo nem era justificável pelo quadro clínico de Spencer, uma vez que exatamente o mesmo setlist foi executado em outros países no giro sul-americano. Se há uma razão, é o vigor da juventude e não faria sentido ver músicos com idades entre 32 (Spencer) e 36 anos (Mark) se poupando para alongar a noite, mas mais anos de estrada ensinarão alguns truques para estender um pouco o set (pausas maiores em interação com a platéia e duas músicas a mais facilmente levariam o show a uma hora e meia). No mais foi bem peculiar vê-los detonando em uma casa decorada para receber uma festa junina, com enfeites pendurados no teto e bandeirolas ao fundo e por toda a extensão lateral nos camarotes.

Quanto a tocarem sem baixista, em entrevista ao site Ultimate Guitar em 14/11/17, indagado sobre por quanto tempo seguirão assim ao vivo, Jake foi elucidativo: “Acho que, por enquanto, você sabe, nos perguntam isso com freqüência porque é como um mistério como procederemos e… a resposta é: não queremos bagunçar com a dinâmica da banda no momento. É um risco. Você corre o risco de mudar as coisas drasticamente quando traz novas pessoas ao processo? Após Nolly ter alcançado este nível de, por falta de uma palavra melhor, perfeição ou harmonia entre nós e como trabalhamos e então ele saiu e não queremos estragar tudo. Até que a gente entenda ou chegue a um acordo sobre quem preencherá seu lugar, se é que alguém preencherá esse lugar, ele apenas permanecerá desocupado” (para quem quiser ler o texto original em inglês, seu título é: Periphery – For How Long We Intend To Use Backing Bass Tracks During Live Shows). A julgar pela felicidade dos músicos no Carioca brincando entre si e a dinâmica de palco, pareceu ser a escolha acertada.

Só ficou um pouco estranho não terem feito menção alguma a André Matos, falecido na véspera. Não que os caras fossem obrigados a tal, afinal de contas, são de outro país, de outra cultura e geração, o tipo de metal por eles executado é diferente e talvez nem o conhecessem. Mas alguém poderia ter dado um toque aos caras, por mera questão de delicadeza, sensibilidade, enfim… que o Brasil deixe de ser roteiro periférico e permaneça no mapa de turnês do grupo, seja lá qual rótulo se atribua à sonoridade dos do Periphery.

 

Setlist

Intro: Us [Michael Abels – Trilha Sonora De Nós]

01) The Bad Thing (Good Thing)

02) Remain Indoors (Remain Outside)

03) Garden In The Bones (Garden In A Bone)

04) Graveless

05) The Way The News Goes… (News)

06) Marigold

07) Mile Zero (Mile One)

08) Blood Eagle (Period Blood)

09) Icarus Lives! (Icarus)

10) Masamune

Encore

11) Lune

Outro: Jump In The Line [Harry Belafonte]

Nota final: o setlist de palco ainda trazia Tychosphere antes de Lune, provavelmente alguma graça feita com Psychosphere, não tocada.

 

GALERIA DE FOTOS: 

 
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