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Rotting Christ / Total Death ::: 31/05/19 ::: The House
Postado em 05 de junho de 2019 @ 21:51


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Flavio Santiago

Gregos enchem ‘A Casa’ promovendo caos ordenado

 “Nós tínhamos objetivos bastante honestos e românticos quando começamos o Rotting Christ: só queríamos tocar como nossos ídolos (Venom, Bathory e Celtic Frost), fazer alguns shows e talvez lançar um álbum. E ser tão ‘do mal’ quanto possível. Queríamos destruir tudo! Destruir os conservadores, arrumar brigas todas as noites… Não sei, quando você tem 16 anos, você quer destruir tudo. Éramos um bando de garotos jovens que queriam fazer uma revolução. Escolhemos o nome da banda porque lá nos anos 80, no sul da Europa em particular, religião tinha poder. Queríamos dizer: ‘Foda-se, Cristo!’. Simples assim. Agora podemos dizer que a música é a arma: sem violência, sem situações extremas”. Assim o líder do Rotting Christ, Sakis Tolis, confidenciou a maturação de seu conjunto a Hannah May Kilroy, jornalista da renomada revista inglesa Metal Hammer, edição 320, abril/19, indo de encontro à própria evolução musical do grupo, em processo que requer tempo, sabedoria e paciência para chegar a uma ponderada e profunda auto-análise.

Ainda sobre coisas boas, que maravilha foi tornar a ver e ouvir metal extremo em uma casa cheia! Após os fãs não exatamente prestigiarem o retorno do Enslaved, as estréias de Beyond Creation / Exhumed (eventos separados no Carioca Club, em 31/03 e 19/04) e a volta do Fleshgod Apocalypse à cidade (com suporte do Wolfheart, na própria The House, em 01/05), desta vez a galera saiu de casa e encheu o ex-Hangar 110 para ver os gregos. Nada mais justo, afinal de contas, na ativa desde 1987, os atenienses estão estabelecidos no cenário após treze álbuns no catálogo e serviços prestados a vertentes distintas do metal: o site Metal Archives define o som dos caras indo do black metal (no início da carreira) ao melodic black metal (atualmente), com gothic metal (no meio) e grindcore. Rótulos à parte, o que importava era estarem em São Paulo dois anos e meio após apresentação no mesmo local, mas sob o antigo nome. E por falar em tradição, ao entrar no recinto, uma peculiar sensação de déjà-vu: Lemmy, Eddie e Philthy no telão, mas com black metal na discotecagem, confundindo olhos e ouvidos, enquanto um fã garantia estar vendo o mesmo DVD com a formação clássica do Motörhead pela terceira vez no estabelecimento em três ocasiões diferentes. Na dúvida, tire a prova dia 15, na vinda do Monuments e do Scar Of The Sun.

Abrindo a festa às 20:15 com Ider Farfán (vocal e guitarra), José Santelices (guitarra), Carlos Moreno (baixo) e Danny Molina (bateria), o Total Death mandou bem em set de quarenta minutos e sete músicas de cinco álbuns distintos, privilegiando Inmerso En La Sangre (2014), mais recente full length dos equatorianos e de onde tiraram Intento e Olvida, esta com partes mais intrincadas. Comunicando-se brevemente com a platéia, talvez em função das diferenças entre idiomas, Ider preferiu não arriscar, mas alternar línguas em um sucinto: “Buenas noches, obrigado”. Cenit De La Esperanza viria a seguir, extraída de Ecuador Subterráneo (1997), interessante projeto split com Basca, Ente, Chancro Duro e Mortal Decisión (bandas todas ainda ativas e de Quito, exceto a primeira, de Cuenca), totalizando vinte e cinco faixas em quase sessenta e nove minutos.

De Somatic (2010) e mais cadenciada, My Suicide Light foi a única cantada em inglês e criou rica atmosfera com influência de bandas inglesas de rock oitentista, até Has Visto… voltar a acelerar os andamentos em versão mais pesada do que em El Rostro Que Llevamos Dentro (2002). Após rápida pausa, Insano descreveu bem o cenário final da faixa retirada de El Menor De Los Males (2016), outro split, este com o Lasen, também de Quito: chuva de riffs e batidas com conclusão de arregaçar! E voltando a Inmerso En La Sangre, Nunca manteve a energia e fechou a apresentação com a leve pitada melódica também encontrada na versão de estúdio. A lamentar apenas a maior parte do público ter aberto mão de conhecer metal proveniente do outro país de nosso continente.

Pontualmente às 21:30 e capitaneado pelos irmãos Sakis Tolis (vocal e guitarra) e Themis Tolis (bateria), veio ao palco o Rotting Christ. Com duas baixas de formação neste ano, foram recrutados o guitarrista Giannis Kalamatas (substituindo George Emmanuel, egresso em 24/02) e, no baixo de cinco cordas, Stamatis “Melanaegis” Petrakos (para a vaga de Vangelis “Van Ace” Karzis, que deixou o posto em 20/05). Como decoração, devido ao seu tamanho excessivo para a diminuta dimensão do palco, o bandeirão de fundo mostrava apenas parte da capa de The Heretics, lançado em 15/02, de onde foi alçada a ritmada Hallowed Be Thy Name para abrir o espetáculo (ela não se trata de um cover do Iron Maiden). Perto de concluí-la, o frontman deu “Boa noite, Brasil”, em nossa língua, e prosseguiu brincando em inglês, com sotaque de fazer inveja ao pai de Toula em Casamento Grego (2002), de tão carregado: “Somos o Rotting Christ e estamos aqui para tocar a música do diabo”.

Ao anunciar Kata Ton Demona Eautou, do homônimo Kατά τον δαίμονα εαυτού (2013), em grego, o vocalista recebeu gritos entusiasmados de aprovação e a caixa de Themis começou a sofrer na mesma medida em que abria a roda encorajada com o singelo girar de dedo indicador de seu irmão, sem perder o ânimo nem com uma rápida queda de som em sua guitarra. Então o encapetado Sakis anunciou: “Certo! É legal que tenham vindo aqui. Estão se divertindo? Aí em cima também? Ótimo! Acabamos de lançar um álbum chamado The Heretics. Esta se chama Fire, God And Fear”, melódica e pesada em intensidade semelhante. Autêntica martelada, Elthe Kyrie teve o título berrado duas vezes pelo cantor ao invocá-la e contou com feito raro: um solo de Giannis. Também de Rituals (2016), veio Apage Satana e sua levada de bateria com jogral de vozes, mas, antes de efetivamente começá-la, o vocalista demonstrou sinceridade: “Obrigado, São Paulo! Obrigado, Brasil! É muito bom vê-los aqui, irmãos e irmãs”. Então juntou as mãos, em expressão corporal simbólica de reza, e a galera explodiu assim que seu título foi vociferado pela primeira vez.

Em meio a poderosos riffs, Sakis apenas repetia: “Dies Irae, Dies Irae”, dando a letra para a próxima, uma mescla das características tão marcantes na sonoridade atual dos gregos: cadência, harmonia e peso. Ao encerrá-la em contagem de um a quatro em português, o vocalista propôs mudanças: “Beleza! É hora de voltarmos aos velhos dias. Vamos tocar algumas mais antigas hoje à noite. Tudo bem por vocês? The Forest Of N’Gai”, do EP Passage To Arcturo (1991), mais antiga do set. E em meio ao massacre sonoro, o inusitado: não é que um casal resolveu dar um malho atrás deste escriba, curtindo a romântica trilha sonora do capeta apoiados em um pilar? Haja amor! Sem deixar a peteca cair, o carismático líder dirigiu-se mais uma vez aos fãs: “Certo, guerreiros brasileiros do metal, estão prontos para um pouco de diversão? Abram uma roda aí embaixo. Quero ver o caos! Esta se chama Societas Satanas”, cover do Thou Art Lord – sua outra banda (e ex de seu irmão), mas sob a alcunha de Necromayhem – que arregaçou de vez com tudo quando a pista atendeu seu pedido e abriu outra roda na noite.

Sem chance de respiro, Sakis foi pontual: “De Triarchy Of The Lost Lovers, King Of A Stellar War”, evocando nova onda de gritos em consentimento. Então o amante caliente descrito acima, talvez inspirado pelo título do álbum, resolveu dar um perdido em seu amor e rumar à frente da pista levando consigo quem encontrasse pela frente. Apoiando-se nos amps de retorno dos músicos, a figura trepou no palco, nem aí se atrapalhava a visão dos demais, certo de que o Rotting Christ viera ao país exclusivamente por ele. Preferindo ignorar a total falta de noção do sujeito, o vocalista falou à massa: “Irmãos e irmãs, deixem-me ver suas mãos com chifres para cima. Vocês detonam”. E a julgar pelo barulho em seu término, a faixa foi para o trono por aclamação pública.

Após mais agradecimentos, chegara a hora de In Yumen – Xibalba e mais pedidos por “caos” na pista com a música já em andamento. Então Sakis sentenciou em inédita solicitação: “Temos outra música de Kata Ton Demona Eautou: Grandis Spiritus Diavolos. Vamos lá, São Paulo! Façam mais barulho!”. Mais compassada, para os padrões de sonoridade vigentes, a canção trouxe calmaria, mas sem perder peso ou afetar a aura do show. Finalizando a parte pré-encore, o frontman anunciou a única de Genesis (2002): “Foi mais uma grande noite aqui em São Paulo. Obrigado por terem vindo mais uma vez. A próxima será a última: Under The Name Of Legion”.

Voltando rapidamente ao palco, o cantor arrojou-se em nosso idioma e o que valeu mesmo, além da transmissão da mensagem, foi sua intenção: “Queres mais uma? Mais dois?”. E cravou: “Vamos fazer um caos da porra: The Sign Of Evil Existence. Vamos lá, São Paulo! Façam uma merda de roda aí!”. Foi prontamente atendido, afinal de contas, primeira faixa do primeiro full length, a pedrada de Thy Mighty Contract (1993) trazia consigo o simbolismo de ser oficialmente onde tudo começou. E, se lá fora chovia e esfriava, dentro da casa o clima era outro, uma vez que o ar condicionado já não dava mais conta e porque veio, como saideira, a que os fãs passaram a noite toda aguardando: Non Serviam, com derradeiro clamor de Sakis: “Brasil, mais uma roda. Pulem! Esta é a última da noite. Muito obrigado por trinta anos de apoio. O Brasil é um lugar especial em nossos corações”. Única do álbum homônimo no set, ela incendiou a pista, botou a galera para agitar de vez e encerrou apresentação de quase oitenta ‘caóticos’ minutos. Nas despedidas, um ousado fã subiu ao palco e implorou uma foto exclusiva com Themis, que solicitamente o atendeu.

Antes de partir, uma atitude gerou reflexão: no final do set, este escriba abriu mão de lutar por uma palheta jogada por Sakis à pista (caída em algum local próximo, porém desconhecido em função da escuridão), deixando-a a um fã, ainda adolescente. Grato pela honraria, um senhor prostrado ao lado do garoto emocionou-se com o gesto: “Muito obrigado! Meu filho ama o Rotting Christ, cara. Filho, dê um abraço nele!”. O ato do menino, selado em um abraçar, além de belo e tenro, provou que não importa o local ou a idade: ter ídolos é condição do ser humano. E mesmo não tendo como ser diferente, chega a ser curiosa a devoção messiânica de fãs como ele a um grupo que se opõe a todo e qualquer tipo de religião, como explicado por Sakis na citada matéria da Metal Hammer: “Religião organizada é algo a que o Rotting Christ será sempre contrário”.

Trocam-se os adorados, permanece o fervor, mas há uma coisa que não cabe mais, seja lá no glam rock, white, black, ou qual for a cor do metal: a atitude do fã pendurado no palco a atrapalhar quem ali esperou um bom tempo para ver o grupo. Tampouco caberia a desculpa do quanto de álcool havia sido consumido. Se alguém vai a um show e quer ficar indo e vindo do fundo da pista, não tem porque arrastar quem está pelo caminho, em comportamento típico de quem estacionou nos idos de 1987. Se, de lá para cá, a própria banda cresceu, desenvolveu-se, como dito na matéria, ainda que em exceção à regra, está na hora de fãs como o cidadão descrito abrirem a cabeça e arejarem as idéias: “A diferença entre o Rotting Christ das antigas e o Rotting Christ de hoje é que lá atrás éramos rebeldes sem causa. Mas hoje, somos rebeldes com uma causa: temos uma arma e ela é nossa arte. Acho que isso nos faz mais efetivos agora do que éramos no passado”. Durma com o caos e o barulho dos gregos!

 

Setlists

Total Death

01) Intento

02) Olvida

03) Cenit De La Esperanza

04) My Suicide Light

05) Has Visto…

06) Insano

07) Nunca

 

Rotting Christ

01) Hallowed Be Thy Name

02) Kata Ton Demona Eautou

03) Fire, God And Fear

04) Elthe Kyrie

05) Apage Satana

06) Dies Irae

07) The Forest Of N’Gai

08) Societas Satanas [Thou Art Lord Cover]

09) King Of A Stellar War

10) In Yumen-Xibalba

11) Grandis Spiritus Diavolos

12) Under The Name Of Legion

Encore

13) The Sign Of Evil Existence

14) Non Serviam

 

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