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BIKE lança quinto álbum, ARTE BRUTA, produzido por Gui Held
Postado em 05 de maio de 2023 @ 16:44


No primeiro disco após a pausa pandêmica, o grupo paulista atinge a maturidade e abraça uma sonoridade mais abrasileirada, conduzida pelo produtor e guitarrista Guilherme Held

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por Alexandre Matias

 

Uma guitarra entoa uma escala melódica acompanhada por uma bateria, que quebra os pratos marcando o tempo à medida em que a frase musical vai se alongando – mas a lógica natural desta sentença é alterada pela velocidade, que torna tanto timbre, tempo e andamento primeiro mais rápido e depois bem mais devagar. A vinheta “Arcoverde”, com menos de um minuto de duração, já anuncia a distorção de realidade do quinto disco da banda paulista Bike, Arte Bruta, praticamente fruto de um processo de autoanálise que acompanhou o grupo durante o período pandêmico. E de forma sucinta marca este que é o salto mais ousado da carreira fonográfica do grupo de São José dos Campos.

 

Arte Bruta, como a maioria dos discos da banda, começou pelo título e pela ideia megalomaníaca de lançar um álbum com apenas duas músicas extensas, cada uma delas ocupando um dos lados da versão em vinil do disco. O próprio título de alguma forma sintetizava tal salto, visto que o termo – também dividido em duas partes – também propõe o choque entre a sofisticação artística e a aspereza da brutalidade. Visto por muitos como um movimento artístico, especialmente por sua nomenclatura em francês, “art brut”, o termo designa criadores que não têm a consciência de que sua criação pode ser encarada como arte.

 

O quinto disco do quarteto paulista formado por Julito Cavalcante (voz, guitarra), Diego Xavier (voz, guitarra), João Felipe Gouvea (baixo) e Daniel Fumega (bateria) obviamente tem essa consciência. Mas o que expandiu-se no decorrer da concepção deste novo álbum foi o tempo de sua criação. Como todos, o grupo foi atropelado pela quarentena do início de 2020, justamente quando estavam divulgando seu disco mais recente, Quarto Templo, lançado no ano anterior. O primeiro ano pandêmico trazia a expectativa de mais uma turnê internacional, inevitavelmente abandonada, e a reclusão do período tirou os shows do grupo de circulação, inclusive da internet.

 

Avessa à febre de lives do início da pandemia (o grupo só fez uma), a Bike preferiu se aprofundar na concepção do novo disco e reeditar sua discografia inteira em vinil, enquanto esperava o momento certo para voltar aos palcos. Esse reencontro com os discos anteriores fez com que o grupo também voltasse a tocá-los e gravou uma série de shows tocando todos os discos na íntegra em 2021. Foi quando o novo disco começou a tornar-se mais sólido e o grupo procurou alguém que pudesse ajudá-lo a materializá-lo.

 

Não foi a primeira vez que alguém de fora participou da gravação de um disco da Bike – Quarto Templo foi produzido por Renato Cohen e Apollo 9 em uma parceria com a banda -, mas desta o grupo estava disposto a encontrar alguém que pudesse também participar do processo criativo. E encontrou no guitarrista Guilherme Held, discípulo de Lanny Gordin e que já tocou com boa parte da cena brasileira contemporânea, um parceiro ideal para ajudá-los a dar este novo passo. Held havia acabado de gravar seu primeiro disco solo, Corpo Nós, com dezenas de colaborações e resumindo quase duas décadas de rascunhos de riffs e melodias que tornaram-se composições graças à intervenção de Rômulo Fróes. Ter a assistência de Held neste período também ajudou a banda a mergulhar em novos oceanos musicais e pela primeira vez a Bike abraça uma musicalidade brasileira.

 

Os vales e horizontes psicodélicos característicos da banda ainda estão lá, mas há referências musicais e líricas que transcendem as referências lisérgicas dos discos anteriores. E não são apenas os detalhes, como a estrutura de “Santa Cabeça” ser descendente da tropicalista “Batmacumba”, o suíngue percussivo de “Cedro” ou o andamento de “Além-Ambiente” ser um desdobramento da primeira parte de “Fuga N° II” dos Mutantes. Há um filtro afrobrasileiro que atravessa Arte Bruta que, com a entrada de Held no processo criativo, perdeu sua característica inicial de duas enormes canções para se transmutar em treze faixas – algumas delas com poucos minutos – que atestam a maturidade da banda.

 

Como nas referências brasileiras, é possível também pinçar os ecos de rock internacional na sonoridade do disco. Há a inevitável presença do rock psicodélico dos anos 60, do tropicalismo e do pós-tropicalismo do início dos anos 70, mas o rock progressivo alemão deste mesmo período torna-se cada vez mais evidente. E a estrutura rítmica do krautrock funciona como apoio para as inúmeras percussões que atravessam o disco e este novo tempero desequilibra e coloca este álbum em outro patamar na carreira da banda.

 

Cada vez mais a Bike soa como uma coisa só. seja no entrelaçamento instrumental entre os versos de “Além-Ambiente”, na lisergia motorizada de “Santa Cabeça”, na maré musical que flui em “Cedro”, na serenidade de “Que Vai da Terra ao Céu”, no crescendo lento de “Além-Céu”, no andamento tenso de “Filha do Vento”, no rítmo sincopado do primeiro single “O Torto Santo”, na base reta de “Clara-Luz” e por todo o resto do disco, até nas vinhetas.  A concisão harmônica, rítmica e melódica do grupo é fruto não apenas de quase uma década em atividade, mas também deste processo vagaroso recente, que fez o grupo olhar para o passado e se ver no espelho ao mesmo tempo. Arte Bruta é o disco que a banda mais levou tempo para compor e gravar e o resultado percebe-se a cada minuto que avançamos nele.

 

Alexandre Matias (www.trabalhosujo.com.br) é jornalista, curador de música e diretor artístico.

 

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Capa por Juli Ribeiro

 

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