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Terra Livre (Ricardo Vignini& O Gajo) – Steel Bar – 03/09/24
Postado em 29 de setembro de 2024 @ 15:34


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Rita Perran

Projeto de Ricardo Vignini e João Morais segue de vento em popa por terras livres

Havíamos resenhado a estréia do Terra Livre por São Paulo em dezembro/23 [https://onstage.mus.br/website/terra-livrericardo-vignini-o-gajo-red-star-studios-07-12-23]e, com o regresso da dupla à cidade, a dúvida persistia na cabeça: será que eles causariam impacto similar se vistos por uma segunda vez? Pois bem, a graça se intensificou e, de lá para cá, ocorreram alterações pontuais na ordem do setlist e a inclusão de uma inédita!

Marcado para as 21:00, ainda tinha gente chegando ao Steel Bar em Moema no horário e asolução foi segurar a entrada dos músicospor dezoito minutos para todos se acomodarem. E como no Red Star Studiosno ano passado, além da excelência musical, integram o espetáculo as tradicionais, bem sacadas e divertidas interações, sempre contextualizando as composições. Que tal deixarmos o próprio Gajo discorrer sobre a que acabava de se encerrar?

“A primeira música se chama Terra Livre. Ela dá o nome ao disco que gravamos eestaTerra Livre é um pouco este território criativo que tanto eu como o Ricardo exploramos nestas violas, que têm um passado, uma raiz tradicional.E esta raiz tem suas fórmulas, mas tanto eu como ele exploramos isso num território um pouco mais criativo e, por isso, é uma espécie de uma terra livre criativa. E Terra Livre, é claro, é liberdade acima de tudo”

Ricardo deu seu parecer, brincando no final: “A segunda música… Fui conhecer o João só por internet e foi quando ele chegou aqui em dezembro do ano passado que o conheci pessoalmente. Vi que ele estava indo ao show de uma banda que eu escutava quando era garoto, o Corrosion Of Conformity, que misturava hardcore com metal. Aí comecei a bolar uma música e falei: ‘Vou botar o nome de Corrosão nela’.E mandei para ele. Depois descobri que ele tinha uma banda lá chamada Corrosão Caótica. Então a gente montou uma dupla caipira agora que se chama Caveira & Corrosão”.

A já clássica próxima, também teve o título explicado pelo português: “O albatroz é a maior ave marítima, que atravessa grandes distâncias e consegue ligar continentes distantes. Albatroz”, tocando pandeireta no pé esquerdo e bumbo no direito e sucedida porSeiva, esta, pelo menos aos nossos olhos e ouvidos, com mais raízes lusitanas. Se você reparou, eles estavam, na prática, saborosamente fazendo o début conformegravado e sabe o que incomodava? Entendemos que se tratava de um bar, mas impressionava negativamente o fato de algumas pessoas falarem por cima do instrumental.

Como de costume, é uma minoria, e sinceramente, este escriba não faz idéia se eram fãs, amigos ou familiares, porém, ao mesmo tempo em que, microfonadas,as violas se mostravamencorpadas, por outro, o cenário consistia só delas em si, sem sequer haver vocal. Assim, todo e qualquer barulho interno distraía quem “somente” desejava curtir um som e se emocionar. Concentrado e certamente alheio ao sofrimento deste repórter, forçado a mudar de lugar pela irritação, Ricardo tornou a se comunicar:

“Essas violas que a gente toca são instrumentos rurais, né? A viola campaniça é da região do Alentejo, uma região que falo que é a Minas Gerais de Portugal. A viola caipira também é um instrumento rural e nós dois somos urbanos: o Gajo é de Lisboa e eu de São Paulo. Sempre teve um preconceito contra esses instrumentos rurais e, ao mesmo tempo, contra nossa origem no rock ‘n’ roll: ‘Lá vão aqueles cabeludos tatuados… Esses caras… Não se misture com aquela gentalha’. Sempre foi assim a nossa vida, então a gente resolveu fazer uma música que se chama… Bandidos”, simplesmente a favorita deste que vos escreve, talvez pela identificação.

Finalmente quebrando a seqüência do play, Ricardo relatou: “Agora vou fazer um solo meu aqui, uma música que estou fazendo ainda e é inédita. É uma homenagem a várias pessoas aqui da Vila Santa Catarina. Fiz uma música chamada Domingo Na Vila e é o clima que eu tinha quando era garoto. Está aí meu irmão, que não me deixa mentir sozinho: de domingo, a gente fazia faxina em casa, então entravam os filhos na função lá. Todo mundo fazia faxina e minha mãe colocava lá o rádio naquelas estações de música instrumental populares que tocavam Ray Conniff e outras coisas deste tipo. Aí fiz uma música para lembrar meio que este clima da época. Chama-se Domingo Na Vila” – que a grave logo, afinal de contas, a faixa transmite calmaria do início ao fim.

O retorno de João levou-os novamente ao full-length, com anúncio: “Vamos fazer uma música agora… Sou meio como uma esponja, né, cara? Então começo a andar com alguém e, sabe aquele cara que viaja e começa a falar com o sotaque das pessoas? Então a gente trocava arquivos e, depois de fazer várias músicas, falei: ‘Pô, esta música vai funcionar legal com o João’. É a Magma, que queima! Queima, Jesus!”.

De Não Lugar (23), houve um resgate e valeu, de fato, a troca de turno bem-humorada:

 

João: E agora, a próxima foi a música em que eu e o Ricardo trabalhamos primeiro de tudo, quando nos contatamos via internet. Foi naquele site de encontros, alguma coisa… Acho que ele andava à procura de um Gajo…

Ricardo: Piada de português é foda, né?

João: Mas a primeira coisa que fizemos foi gravar uma música para um disco, não este, o Terra Livre, mas um disco que eu já estava a gravar naquela altura e achei que era uma boa forma, pois as viagens de avião estão muito caras, então a melhor forma de atravessar o oceano seria a jangada. Portanto, esta é a próxima música: Jangada.

 

Se Ricardo fez uma solo, por que não seu colega? “Esta música que vou tocar abre o disco que se chama Não Lugar e, ao mesmo tempo, tem o nome inspirado numa coisa que vi. Segundo consta, as tarântulas, as aranhas, são originárias de uma zona no sul da Itália, na cidade de Taranto. E sua picada provoca no ser humano umas sensações de desconforto que só são aliviadas com movimentos. As pessoas picadas por uma tarântula não conseguem ficar paradas e quietas. E teria sido a partir destes movimentos que foi inspirada a dança tradicional daquela região, a dança da tarantela. Achei a relação muito interessante: uma picada de aranha dar asas a uma dança. E por isso aqui está a música Tarântula, inspirada nesta idéia”, outra com bumbo e pandeireta que, de tão sensacional, naturalmente fez a galera acompanhá-lo com palmas.

A seguinte foi Serpente e João trouxe uma estória: “E agora, a próxima música tem o nome de Maria Da Manta, que é uma personagem da cultura popular portuguesa, possivelmente inspirada em outras também – ninguém inventa nada. E é uma personagem que supostamente vive nos lagos, rios e poços do norte do país e que atrai crianças. Atrai para essas zonas de afogamento, portanto. É uma espécie de Homem Do Saco. Fazem parte da mesma família”, batendo em uma hora que voou no relógio! Aceita a citada inédita? A julgar pela amostra, virá coisa boa no futuro! Conte aí, Ricardo:

“Vamos fazer uma música agora que a gente começou a fazer na passagem de som. Como é que se chama a passagem de som lá mesmo? Tem outro nome mais bonito. Teste de som? Foi na cidade de Évora, que é legal, cara! Quem está aqui sabe que meu apelido é Caveira, né? E lá tinha uma igreja que era só de caveiras, cara! Muito louco! E aí a gente começou a fazer esta música e depois o João colocou o nome de…”, passando a bola ao companheiro:

“A música se chama A Dança Dos Caretos, que é um personagem que faz parte desta cultura popular antiga. Em Portugal, à altura do Carnaval, algumas pessoas nas aldeias e nos carros usam vestimentas de cima abaixo, cheias de cores e com um aspecto um bocado assustador, andam a correr à noite pela aldeia a assustar as pessoas e supostamente atrás das mulheres solteiras, não sei para fazer o quê… É o que conta a história, o resto não faço idéia. Mas a dança dos caretos é uma coisa já muito antiga, tradicional, e é interessante assistir, mas é um tanto frenético”.

Se você se perdeu, o parceiro de Zé Helder (que, aliás, prestigiava o evento) no Moda De Rock complementou: “A mesma coisa que a gente tem aqui na Bahia e chama de Careta, né? Já fui para a Bahia, conheci o Careta e lá em Portugal é o Careto. E daqui a pouco a gente vai fazer o Caretes, para ver se a gente entra na moda…”. Concluída, veio a notícia que ninguém queria receber:

“A gente vai fazer a última aqui… Quando o Gajo chegou aqui no ano passado, pensei: ‘O que esse cara conhece de música brasileira?’. Ele falou: ‘Ratos De Porão, Cólera, Olho Seco e Piratas Do Tietê. Sabe muito do underground daqui! Agora a gente vai fazer uma música chamada Rojão e ela se chama assim porque é o seguinte: no ano passado, nas festas juninas, eu vendo aquela manifestação de bacamarteiros tocando no Nordeste, aí falei: ‘João, fiz uns riffs para esta música’. Mandei para ele e disse: ‘Ela se chama Bacamarte’”.

Nada demais, correto? “Aí, por e-mail, ele falou: ‘Ricardo, não me leve a mal, mas aqui em Portugal, bacamarte é um negócio meio que com duplo sentido. É complicado tocar uma música com esse nome’. Aí perguntei: ‘Mas por quê? O que quer dizer isso aí?’. E ele: ‘Não, cara, bacamarte é o órgão sexual masculino… Um nome mais pejorativo’. E aí falei: ‘Não, vou botar Rojão’. Então vamos lá, vamos escutar Rojão”, a que faltava do álbum, terceira e última com bumbo e pandeireta.

Ainda rolou uma cantoria coletiva de parabéns a Ricardo, aniversariante do dia, antes do bis, pois houve replay da já executada Albatroz arrematando a festa em uma hora e vinte e seis minutos.  Estando numa casa voltada ao rock e musicalmente abrangente, enquanto nos desligávamos da perfeita apresentação a unir Brasil e Portugal, ouvíamos o delicioso funk (do bom, não o carioca)Everything I Do Gonna Be Funky, de Allen Toussaint, na discotecagem. Agora é torcer por duas coisas: um segundo trabalho dos caras e novas datas por aqui em 2025. É o mínimo a se esperar! 🙂

 

Setlist

01) Terra Livre

02) Corrosão

03) Albatroz

04) Seiva

05) Bandidos

06) Domingo Na Vila [Apenas Ricardo]

07) Magma

08) Jangada

09) Tarântula [Apenas João]

10) Serpente

11) Maria Da Manta

12) A Dança Dos Caretos

13) Rojão

Bis

14) Albatroz

 
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