Por: Vagner Mastropaulo
Nota: Antes de tudo, esclareçamos que este texto foi escrito de modo totalmente voluntário à época do show, mais como prática, sem credenciamento (sequer o pedimos) e sem intenção alguma de publicá-lo. O objetivo da ida à casa era apenas o de curtir a noite, mas a atmosfera era tão rica que passamos a tomar notas (resenhista é fogo!) e, com o lançamento de Quadra, passou a existir contexto e fazer algum sentido que o subíssemos para o site. Enfim, vamos lá:
Já pensou como seria ouvir Pantera acústico e no violão? Andreas mostra como!
“Obrigado, São Paulo! Cara, que show! Que coisa mais sensacional estar aqui neste lugar no centro de São Paulo. Eu sempre preso nessa porra de trânsito, nunca tinha percebido este lugar”. Taispalavras de Andreas Kissernão foram no Blue Note, até porque, no coração financeiro da cidade, o espaço não é tão centralizado como o discurso sugere, embora muito bem localizado e de fácil acesso. Na verdade, assim ele descreveu o Sesc Parque D. Pedro II, onde se apresentou na faixa com o Sepultura no final de março/19. Mas bem que poderia descrever a filial da renomada casa de jazz nova-iorquina inaugurada em 15/02/19, pois, aconchegante e incrustada nosegundo andar do Conjunto Nacional, a casa passa completamente despercebida no dia-a-dia incessante da cidade, como um belo segredo guardado a sete chaves. Para detalhar mais uma de suas tantas empreitadas, nada melhor e mais justo do que dar voz ao próprio dono da festa, conforme dito antes da quarta música do set: “Boa noite, Blue Note! Tudo bem? Bem-vindos, meu! Obrigado pela presença aí. A casa está classe A e estamos aqui fazendo alguns clássicos do heavy metal nesse formato acústico instrumental, no qual o guitarrista faz as vezes do vocal e da guitarra solo”.
Marcado originalmente para as 22:30, o show de Andreas não abria a noite, pois João Sabiá se apresentou antes, em evento separado. Do lado de fora, aguardando a entrada através de um justo sistema por ordem de chegada e com senhas, observava-se o engrossar da lista de famosos, com: Castor (baixista do Torture Squad), Nando Machado (Wikimetal e irmão de Felipe Machado, do Viper) e Clara Aguiar (ex-BBB). A parte hilária foi justamente a leitura dos números, com um quê de bingo. Lá dentro, saltava aos olhos o paletó branco de um simpático barman, auxiliado por outro de camisa azul, colete e chapéu pretos, fazendo a experiência no Blue Note virar uma viagem no tempo com desembarque em algum filme americano dos anos 40. Decorando as paredes, pôsteres de filmes (The Shining, AscenseurPourL’Échafaud), peças (Macunaíma, por exemplo) e ícones da MPB e bluesmen (Chico Buarque, Toquinho, Mutantes, João Gilberto e DizzyGillespie).
Mas a decoração mais chamativa,possivelmente a mais antiga, encontrava-se no acesso aos toilets: “Votar em Júlio Prestes é manter a Unidade Nacional – Votae em Júlio Prestes e Vital Soares”, alusiva à campanha presidencial de 1930! No aguardo do show, a trilha sonora agradava: Sunshine OfYour Love (The Cream), RambleOn (Led Zeppelin), AllAlong The Watchtower (Jimi Hendrix), Bang A Gong – Get It On (T. Rex) e GimmeShelter (Rolling Stones), até Andreas Kisser, YohanKisser e Marcio Sanches (violões e guitarras), LuisMariutti (baixo – seis cordas) e Amílcar Christófaro (bateria) tomarem seus postos às 22:50 e abrirem o set com Andreas na ‘guitarra-vocal’ e Enter Sandman, puxada na batera, enganar alguns soando como Trust (Megadeth), até a combinação com o baixo desfazer qualquer mal-entendido. Quanto aos fãs, alguns até cantavamdiscretamente, especialmente após o pedido do dono da festa, mas sua grande maioria optava por assistir (alguns nem sentados e sim em pé no fundo da casa, perto do bar).
War Pigs veio a seguir, com Yohan no‘vocal’, pedindo o tradicional coro e vestindo camiseta do KisserClan, diferentemente de seu pai, com meias do São Paulo Futebol Clube e camiseta dos AllBlacks (que no dia seguinte perderiam a semifinal da Copa do Mundo de Rúgbi para a Inglaterra por 19×7).Em Black Dog, foi a vez de Marcio, amigo de longa data do músico do Sepultura, ficar com o ‘vocal’, enquanto Amílcar encarnava John Bonham, mandando ver em seu kit. Antes de prosseguir, Andreas fez as honras da casa com a fala transcrita no final do primeiro parágrafo, assim concluindo-a: “A gente apresentou esse show alguns meses atrás na primeira vez que o Montreux Jazz Festival veio para o Brasil, no Rio de Janeiro, e foi sensacional. E o Blue Note abriu suas portas para fazermos o show aqui. Agradeço muito pela oportunidade e obrigado por terem vindo esta noite. Começamos com alguns clássicos, mais ou menos inofensivos, agora nós vamos para o thrash”. E ainda deu tempo de ele fazer graça checando em inglês com a banda: “Alright?”efazerem uma autêntica surpresa, pois quem poderia imaginar ouvir Walk em versão acústica?
Antes de apresentar Yohan à galera, Andreas soltou um “Wiegeht’s? Allesgut?”e fez um pedido ao dar a dica do que viria: “Vamos dar umas gritadas aí, mano! Essa é de uma banda brasileira, beleza?”. Adivinhequal…brincando, Andreas tirou onda em italiano: “Ciao! Benvenuto” e fizeram a que normalmente fecha o set de sua banda: Roots Bloody Roots. Já que a moda era dar pistas, digamos que a letra da seguinte foi escrita “no verso do recibo de um sushi”!Ao menos assim contou Dave Mustaine na seção The StoryBehind da Metal Hammer 321 (maio/19), discorrendo sobre Symphony OfDestruction e sua época: “Eu fazia kickboxing e estava me preparando para a minha primeira faixa preta. Então eu ia comer sushi muito regularmente depois do treino”. Ele só não sabia que, vinte e sete anos mais tarde, a letra faria tanto sentido para nós, brasileiros. E pelo menos desta vez no Blue Note, quem não sabia a letra não teve a infeliz idéia de irritantemente gritar “Megadeth! Megadeth”, como nos shows da banda.
Apenas com Yohan no palco e em posse do belo violão vazado utilizado em seu workshop no Sesc Guarulhos em maio (transcrito aqui no site), seu pai contextualizou: “A gente passou pelo thrash aí, que funciona sempre, e o heavy metal está sempre associado à distorção ‘barulhenta’, no bom sentido, né?Com tudo no extremo: bateria, vocal, baixo e guitarra, mas o grande inventor do heavy metal, considerado e respeitado por todos, é o grande Tony Iommi, do Black Sabbath. E além de ele ter inventado esses riffs maravilhosos, pesados e distorcidos, ele também criou várias peças acústicas e limpas em violão, guitarra limpa, de aço ou nylon. E durante os discos do Black Sabbath e sua carreira, ele ‘jogou’ várias dessas peças nos discos e eu e meu filho vamos fazer uma homenagem ao Tony Iommi, só relembrando essas peças mais acústicas. Então, vamaê, né? Homage a Tony Iommi”, então no quarto idioma estrangeiro da noite, pois o termo, ainda que exista em inglês,vem do francês. Na prática, quase dez minutos de Sabbath em trechos de dez músicas listadas no final do texto (ChildrenOf The Sea, única da fase Dio, foi até cantarolada pela galera e SymptomOftheUniverse foi a mais longa, com quase dois minutos).
Ainda sem Marcio, Luis e Amílcar, Andreas prosseguiu: “A gente queria tocar uma peça de um cara que é do thrash metal, mas que veio com essa sensibilidade do violão no primeiro disco dele. Um dos grandes clássicos do thrash metal, que é o BondedByBlood, do grande Gary Holt. Vamos fazer a introduçãozinha aqui da No Love”. Terminada, admitiu e continuou: “Ficou um pouco rápida, mas beleza. E agora, para fechar esta partezinha acústica aqui, acústica nylon, o grande RandyRhoads, um cara que influenciou muito o começo da minha carreira e também o Yohan e todos nós aqui”. E fez Dee, colada a DiaryOf A Madman, que encerrou a parte em dueto, mas não Ozzy, pois, com a volta de todos, tocaramNo More Tears, reconhecida de imediato na linha de baixo de Luis, com Andreas na guitarra edetonando no solo feito no álbum por ZakkWylde, coincidentemente a se apresentar no Best Of Blues dois dias depois.
Tirando onda, Yohan puxou o riff de 2 Minutes ToMidnight, enganando a galera, mas o interrompeu, para a pronta, suave e engraçada reprimenda do pai: “Se alguém quiser pedir uns riffs depois para o Yohan, depois que o show acabar, no cantinho, ele vai ficar tocando para vocês”. Risadas à parte, assim ele apresentou Big City Nights: “Vamos lá, essa aqui é dos primórdios do rock alemão”. Terminada, o dono da festa fez questão de lembrar que era aniversário de MatthiasJabs, com adendo de seu filho, incluindo Glenn Tipton na lista. O próximo conjunto homenageado foi facilmente adivinhado, após uma pista explícita: “Essa próxima banda, velho, é cheia de ‘ô, ô, ô’. É só cantar ‘ô’. É a banda de metal que tem mais ‘ô’, na história, principalmente nesta música. E ao meu lado direito, na guitarra, agora como ‘vocalista’, Marcio Sanches”. Se pensou em Iron Maiden, acertou. O coro foi feito em FearOf The Dark, até que bem cantada pela galera.
E já que o guitarrista do Judas Priest foi citado, Breaking The Law foi a ele dedicada, mas com pedidos por maior participação na cantoria: “Mas vamos cantar! Essa aqui é fácil também. Não tem ‘ô, ô, ô’, mas…”. Então o mestre de cerimônias começava a se despedir: “Nós vamos fechando aqui com umas saideiras. Vamos deixar esses violões de lado e tocar guitarra agora, vai? Mais uma vez, obrigado pela presença de todo mundo e obrigado ao Blue Note por esse espaço sensacional. A casa é maravilhosa e a galera que trabalha aqui é sensacional. Obrigado mesmo e espero que a gente abra uma porta aqui e faça vários shows”. E a primeira das últimas foi SmokeOn The Water, com mudanças: não mais apenas uma guitarra, mas três, revezando os fraseados do vocal e solos, e assim seria de aí por diante.
Ao seu final, Andreas checou o óbvio: “Vai mais uma saideira aí? É a última que a gente sabe tocar junto. Vamos cantar! Tá todo mundo um pouquinho alcoolizado aí, não?”.Era Rock AndRollAllNite, mas com alguns riffs-pegadinhas antes:algo que pareceu Wasting Love (Iron Maiden) eSeekAndDestroy (Metallica). E se era mesmo a última ensaiada, Paranoid foi um belo improviso e, de fato, encerrou a noite, cantada por alguém na primeira fila das cadeiras, no setor dos convidados. Seu final teve um curto trecho de HolyDiver e esperanças de que havia mais por vir. Em vão. Era o término de uma hora e quarenta minutos de um tremendo show. Agora é esperar que a iniciativa vingue e mais shows acústicos instrumentais rolem, sejam no Blue Note ou em qualquer outra casa, de preferência com novas versões inusitadas em formato violão acústico!
Setlist
Plugados
01) Enter Sandman (Metallica) – 5’45” (Andreas na guitarra)
02) War Pigs (Black Sabbath) – 7’51” (Yohannaguitarra)
03) Black Dog (Led Zeppelin) – 4’50” (Marcionaguitarra)
04) Walk (Pantera) – 5’44” (Yohannaguitarra)
05) Roots Bloody Roots (Sepultura) – 3’33” (Andreas naguitarra)
06) Symphony Of Destruction (Megadeth) – 3’51” (Marcionaguitarra)
Andreas Kisser / Yohan Kisser –DuetoAcústico Nylon (semguitarras)
07) Homage ToIommi (Black Sabbath) – 9’46” [Sleeping Village; Spiral Architect; Children Of The Sea; Fluff; Orchid; Laguna Sunrise; Don’t Start (Too Late); Symptom Of The Universe; Embryo; Children Of The Grave]
08) No Love (Gary Holt / Exodus) – 0’32”
09) Dee / Diary Of A Madman (Randy Rhoads / Ozzy Osbourne) – 1’52”
Plugados
10) No More Tears (Ozzy Osbourne) – 7’49” (Andreas na guitarra)
11) Big City Nights (Scorpions) – 4’30” (Yohannaguitarra)
12) Fear Of The Dark (Iron Maiden) – 7’53” (Marcionaguitarra)
13) Breaking The Law (Judas Priest) – 2’26” (Andreas naguitarra)
14) Smoke On The Water (Deep Purple) – 6’11” (ostrêsnaguitarra)
15) Rock And Roll All Nite (Kiss) – 4’34” (ostrêsnaguitarra)
16) Paranoid (Black Sabbath) [snippet de HolyDiver (Dio)]– 4’49” (os três na guitarra)