Texto: Simone Barbosa
Fotos: Flavio Santiago
No dia 14 de junho de 2025, o Parque Ibirapuera foi palco do segundo final de semana do Best of Blues and Rock, que já figura como o maior festival de blues e rock da América Latina.
Com Alice Cooper, Black Pantera, Larissa Liveir e os ex-guitarristas do Charlie Brown Jr. marcando presença, foi uma tarde–noite de rica mistura entre nostalgia, virtuosismo nacional e espetáculo teatral.
Tributo Charlie Brown Jr. — Fiel ao espírito, mas com um novo corpo
O festival abriu com o peso da memória: o tributo ao Charlie Brown Jr., comandado por Marcão Britto e Thiago Castanho, dois dos guitarristas mais emblemáticos da formação clássica. No vocal, o desafio era grande: como reinterpretar a lírica cortante e o carisma inimitável de Chorão sem virar caricatura?
Pois bem: o show, tecnicamente, foi sólido. As guitarras estavam limpas, com timbres fiéis ao início dos anos 2000. Faixas como “Tudo Que Ela Gosta de Escutar”, “Papo Reto” e “Só os Loucos Sabem” ganharam arranjos encorpados, com dois bateristas no palco alternando pegada pesada e groove. O que faltou um pouco foi calor humano. A plateia ainda estava dispersa — talvez pelo horário ou pelo frio típico de junho paulistano — e o show parecia funcionar mais como homenagem respeitosa do que catarse coletiva. Mas houve momentos, como em “Senhor do Tempo”, em que o público respondeu em uníssono, erguendo os braços e gritando os versos como se estivesse numa roda de skate em 2003.
Larissa Liveir — A novata que soa como veterana
Se alguém ainda acha que Larissa é só “a garota da internet que toca guitarra”, precisa urgentemente vê-la ao vivo. Sua performance no Best of Blues & Rock foi um chute bem dado nos estereótipos: riffs precisos, domínio de palco e um repertório que mesclou peso e melodia com naturalidade. Com cara de pop metal e atitude de veterana, Larissa encarou covers de Scorpions, Metallica e até um trecho instrumental de Megadeth, misturando tudo com composições autorais que não fizeram feio.
A presença de Nita Strauss ao seu lado — a guitarrista solo da banda de Alice Cooper — elevou o grau do show. As duas duelaram riffs com naturalidade e respeito mútuo. Nada de exibicionismo vazio: foi técnica posta a serviço da música. O público, que ainda se aquecia, respondeu positivamente, com aplausos entre músicas e registros empolgados no celular.
A sensação foi clara: Larissa Lavier pode muito bem ser o futuro da guitarra brasileira.
Setlist
Whole Lotta Love(Led Zeppelin cover)
Johnny B. Goode (Chuck Berry cover)
Since I’ve Been Loving You (Led Zeppelin cover)
Still Loving You(Scorpions cover)
Comfortably Numb (Pink Floyd cover)
The Trooper (Iron Maiden cover) (with Nita Strauss)
Stairway to Heaven (Led Zeppelin cover)
Iron Man (Black Sabbath cover)
Surfin’ U.S.A. (The Beach Boys cover)
You Really Got Me (The Kinks cover)
Crazy Train (Ozzy Osbourne cover)
Black Pantera — A fúria necessária
O trio mineiro Black Pantera não veio para agradar: veio para acordar. E conseguiu.
O público, que já estava mais compacto e aquecido, foi atropelado por um setlist que parecia uma mistura de thrash, punk e funk de protesto. Abrindo com “Candeia”, a banda não poupou discursos — mas fez isso com música. “Provérbios” soou como grito de guerra, e o riff de “Padrão é o Caralho” gerou os primeiros mosh pits do dia.
A estreia da música “Unfuck This”, tocada ao vivo pela primeira vez, veio carregada de urgência: um punk direto, sujo e necessário. O público reagiu com entusiasmo, com muitos cantando o refrão mesmo sem conhecê-lo. Isso é raro.
A grandeza do Black Pantera não está só na força instrumental (embora isso também seja inegável). Está na capacidade de incomodar com coerência. Em “Fogo nos Racistas”, o grito foi coletivo, e não houve um celular que resistisse à gravação do momento. O show foi mais que música: foi ato político, com suingue, peso e coração. É a banda mais relevante do metal brasileiro atual? Possivelmente. É a mais urgente? Sem dúvida.
Setlist
Candeia
Provérbios
Padrão é o caralho
Mosha
Seleção natural
Perpétuo
Fogo nos racistas
Tradução
Fudeu
Só as mina
Unfuck This (Live debut)
Dreadpool
Revolução é o caos
Boto pra fuder
Alice Cooper — O mestre ainda assusta (e diverte)
Alice Cooper não está apenas em turnê. Ele está em missão: provar que teatro de horror e rock ainda podem coexistir com elegância. E, aos 77 anos, ele faz isso com mais energia do que muita banda novata por aí.
O setlist foi uma viagem controlada pelo lado escuro do rock: de “No More Mr. Nice Guy” a “Poison”, passando por momentos mais teatrais como “Ballad of Dwight Fry” (com Alice sendo preso numa camisa de força em pleno palco) e a clássica guilhotina na execução de “I Love the Dead”. Tudo feito com aquela precisão de Las Vegas e espírito de Detroit.
Musicalmente, a banda é um show à parte. Glen Sobel fez um solo de bateria com citação à soturna “Black Juju”, e Nita Strauss, no seu solo em “The Black Widow”, mostrou porque é uma das melhores guitarristas em atividade.
O público — majoritariamente formado por trintões e quarentões — reagiu com entusiasmo. Muita gente com camiseta preta e sorriso largo, cantando cada verso de “School’s Out”, que teve inserções de “Another Brick in the Wall” e as apresentações da banda. Clássico dos clássicos.
O encore, com “Feed My Frankenstein”, trouxe um boneco gigante no palco e fechou com chave de ouro um espetáculo que é mais do que um show: é uma instituição.
Setlist
Lock Me Up
Welcome to the Show
No More Mr. Nice Guy
I’m Eighteen
Under My Wheels
Bed of Nails
Billion Dollar Babies
Snakebite
Be My Lover
Lost in America
He’s Back (The Man Behind the Mask)
Hey Stoopid
Drum Solo (Glen Sobel, played a portion of Black Juju)
Welcome to My Nightmare
Cold Ethyl
Go to Hell
Poison
Vincent Price Intro
The Black Widow (Nita’s solo, band only)
Ballad of Dwight Fry
Killer (band only)
I Love the Dead(Band only)
School’s Out (with snippets of “Another Brick in the Wall” and band introductions)
Encore:
Feed My Frankenstein