Texto: Vagner Mastropaulo
Fotos: Flavio Santiago
Uma aula de rock gótico em noite de homenagem a Tomas Lindberg
Por que adolescentes criam bandas? Para se reunir com amigos, tomar umas e outras e fazer um som, normalmente covers de seus artistas favoritos. A partir daí, se o esforço fará com que cheguem ao profissionalismo ou não é pura loteria. Os mais sortudos conseguirão eternizar material em estúdio, excursionar e tocar em grandes festivais até, de repente, tudo virar uma obrigação: compor, gravar, divulgar, viajar – e o ciclo se repetir maçantemente.
Para quebrar a rotina, qual seria uma possibilidade? Os famosos “projetos paralelos”, que, em alguns casos, geram verdadeiros supergrupos, tais como: Them Crooked Vultures, Velvet Revolver, Down, Killer Be Killed e até o Audioslave poderia entrar na lista. Agora analise se também não é o caso do Cemetery Skyline, formado, nada mais, nada menos, por: Mikael Stanne, vocalista do Dark Tranquillity; Markus Vanhala, guitarrista do Insomnium e do Omnium Gatherum; Victor Brandt, baixista do Dimmu Borgir; Santeri Kallio, tecladista do Amorphis; e Vesa Ranta, ex-baterista do Sentenced, que encerrou as atividades em 2005.
Com o début Nordic Gothic (24) no catálogo, além de dois singles lançados neste ano, havia somente doze faixas à disposição para o show. Sem banda de abertura e com doisínfimos minutos de atraso em relação ao horário divulgado de 20:30, a solução encontrada para estender o set por setenta ecinco minutos foi embaralhar tudo já gravado, fora um pedacinho de Konevitsan Kirkonkellot, melodia folclórica conhecida peloregistro de 1975 feito pelo grupo finlandês Piirpauke.
Inaugurando o set com Behind The Lie, ao vivo ficava ainda mais explícita a forte influência gótica do rock inglês oitentista já verificada no play. E se era um tanto estranho ver Mikael, Markus e Santeri inicialmente se apresentando de óculos escuros, pelo menos o vocalista retirou seu par em Torn Away. Ao concluí-la, ele se comunicou pela primeira vez:
“Boa noite! Somos o Cemetery Sklyine, da Suécia e da Finlândia. Como estão por aí? Tudo certo? É um privilégio e uma honra conseguirmos vir aqui vê-los, então vamos nos divertir esta noite, ok? Esta se chama The Darkest Night”. Com a terceiracanção a caminho, era o seguinte: para entender melhor o que acontecia, esqueça o vocal abrasivo do Dark Tranquillity, poisera noite parasaborear e contemplar como, de fato, Mikael canta bem! Ele indicaria a seguinte: “Muito obrigado! Vocês sabem, só temos um álbum, então vamos tocar tudo dele, tudo bem? Esta próxima se chama Anomalie”.
Grato, voltou a interagir: “Muito obrigado! Significa o mundo para nós que vocês tenham vindo nos ver. Viemos do outro lado do planeta. Obrigado! Obrigado! Obrigado!”, deliciosamente interrompido por efusivos gritos da platéia na forma de: “Ce-me-te-ry! Ce-me-te-ry!”. Aoretomar, indicou que Victor puxaria The Coldest Heart e o baixista não apenas o fez brilhantemente, com seu instrumento a rugir, como contribuiu em backing vocals bem mais sólidos do que em estúdio junto a Markus, a detonar num lindo, porém curto, solo.
O guitarrista em seguida começouNever Look Back e, nela, foi super interessante reparar o quanto Vesa sentava a mão em seu kit! Mikael destacou a presença de Santeri ao apontar que ele seria responsável por abrir When Silence Speaks e, se a anterior já soara como uma balada, nesta a vertente mais lenta e bela se evidenciou.Falante, o frontman contextualizou:
“Obrigado! Só para vocês saberem, não somos uma banda há muito tempo. Começamos com isso durante a pandemia, sabem? Tínhamos tempo livre sem fim, então decidimos começar a escrever músicas e uma das que escrevemos lá atrás acabou não entrando no álbum, mas a lançamos umas semanas atrás. É um single, não é de nosso novo álbum, que, é claro, eventualmente virá. Vocês a conhecem? Ok, legal! Esta se chama Nothing From This World”. Na prática, tratou-se do mais recente single disponibilizado pelo quinteto,quebrando uma seqüência de sete consecutivas de Nordic Gothic, e outro lançamento de 2025 viria:
“Saúde! Obrigado! Obrigado por esta fantástica recepção! Obrigado! Obrigado! Obrigado, galera! Vamos tocar algo meio estranho… Sei que este é um local de punk rock e metal, mas vamos fazer algo totalmente diferente. Lá atrás, houve uma música que foi lançada e é muito legal. Cindy Lauper a regravou e amei a versão. Aí houve uma cantora do Canadá, Celine Dion, que fez uma versão dançante desta música e ficou meio estranha. Enfim, é uma música feita para o Roy Orbison que, quando saiu cantada por ele, ficou legal pra cacete! Nós a adoramos e decidimos fazer nossa versão dela. Estão prontos? Ela é muito legal e se chama I Drove All Night”.
Que tal deixar o vocalista continuar explicando? “Isso foi diferente e divertido! Ok, esta próxima é, na verdade, o segundo single que lançamos e ele saiu numa época em que realmente não sabíamos o que as pessoas esperavam de nós. Vocês sabem, somos caras do death metal, certo? Fizemos algo diferente, soou muito bom, tínhamos a esperança de que fosse funcionar, mas não tínhamos idéia. E cá estamos, do outro lado do planeta, nos apresentando para vocês. Esta se chama In Darkness”.
Rumando ao final do repertório, executaram a citada Konevitsan Kirkonkellot, também incluída como faixa número um de The Cold White Light (02), penúltimo trabalho do Sentenced, funcionando como uma espécie de “intro tocada”, sem Stanne no palco, para Violent Storm. E se você chegou até aqui e está intrigado com o título, pois bem, Mikael daria a letra: “Muito obrigado! Antes de fazermos qualquer outra coisa, este foi um dia difícil… Perdemos alguém muito querido hoje. Se vocês puderem, juntem-se a nós num momento de silêncio por Tomas ‘Tompa’ Lindberg. Ele era meu amigo e eu o amava”.
Daria para dizer que ele estava “visivelmente emocionado”, mas a tocante cena ia além: se por um lado seria exagero afirmar que ele chorava copiosamente, fato foi que lágrimas escorriam por seu rosto e o respeitoso pedido por silêncio teve 100% de adesão ao longo de setenta e três segundoscronometrados. Talvez tenha sido a mais sensível interpretação já feita por Stanne para Alone Together, composição mais extensa do full-length e saideira da noite.
Abalado, mas ciente de sua importância e de seu papel, o vocalista não deixou de brevemente saudar os fãs e a alguns sortudos entregou setlists enquanto projetava-se uma imagem de Tomas nos telões laterais da casa.Despedindo-se, os músicos se abraçavam e se cumprimentavam, orgulhosos por terem conseguido entregar uma performance arrasadora voltada ao gothic rock na estréia no país em noite sentimentalmente complicada.
Viajando, este escriba tentava digerir as emoções constatando o quanto o Hangar 110 havia enchido, talvez fruto da promoção “Leve um convidado”, que dava direito à entrada de um(a) amigo(a) extra para quem tinhaadquirido ingresso. Entretanto, não dava para deixar de notar que tudo se encerrava melancolicamente, especialmente ao percebermos que o tributo ao já saudoso membro do At The Gates se estampava entre duas cruzes na segunda linha do setlist com um “Rest in Power Tomas Lindberg”, falecido no mesmo dia do ator Robert Redford, este aos oitenta e nove anos.
No mais, a fim de evitar o “climão”, quais demais opções existiam? Ignorar o assunto? Impossível! Abordá-lo logo de cara? Comprometeria o clima de festa e, no fundo, os caras focaram no que dava para ser feito. Enfim, agora é aguardar o retorno do Cemetery Sklyineem condições normais de temperatura e pressão para promover um próximo álbum numa situação menos comovente…
Setlist
01) Behind The Lie
02) Torn Away
03) The Darkest Night
04) Anomalie
05) The Coldest Heart
06) Never Look Back
07) When Silence Speaks
08) Nothing From This World
09) I Drove All Night [Roy Orbison]
10) In Darkness
11) Konevitsan Kirkonkellot [Cover Folclórico Tradicional]
12) Violent Storm
13) Alone Together