Codeine no City Lights: o silêncio que ecoou em São Paulo
A estreia brasileira da banda que definiu o slowcore foi uma aula de silêncio, tensão e melancolia contida.
Texto e Foto: Flavio Santiago
Trinta anos depois de lançar discos que moldaram o subgênero conhecido como slowcore, a banda Codeine finalmente fez sua estreia no Brasil. Formada no início dos anos 90 em Nova York, o trio — Stephen Immerwahr (baixo e vocais), John Engle (guitarra) e Chris Brokaw (bateria) — sempre foi uma espécie de antítese do barulho alternativo da época. Enquanto o mundo mergulhava em distorções grunge e riffs frenéticos, o Codeine escolheu o caminho oposto: o da lentidão, da pausa e da dor ecoando entre acordes mínimos.
Na noite de 11 de outubro, o palco do City Lights Music Hall, em São Paulo, virou um santuário sonoro. Luzes baixas, o público em silêncio absoluto, e um trio que parecia ter vindo de outro tempo — ou talvez de um lugar onde o tempo anda mais devagar.
A banda abriu com “D”, e logo ficou claro que o show não seria sobre volume ou velocidade. Cada nota soava como se tivesse peso próprio, e o silêncio entre elas era parte da música. Na sequência, “Cigarette Machine” e “Barely Real” mergulharam o público num transe coletivo — guitarras que se arrastavam, vocais distantes, e uma bateria quase tímida, que mais sugeria do que marcava o tempo.
Em “Loss Leader” e “Median”, o trio mostrou domínio total da dinâmica: crescendos sutis, pausas tensas e uma precisão quase clínica em fazer pouco soar muito. O City Lights parecia respirar junto, como se cada pessoa na sala tivesse se sincronizado à batida lenta do Codeine.
A sequência “Washed Up”, “Tom” e “Jr” manteve o clima etéreo. As canções vinham carregadas de nostalgia, mas sem sentimentalismo — frias e quentes ao mesmo tempo, como um abraço em câmera lenta.
Quando chegou “Sea”, já era possível sentir a plateia completamente rendida. A canção flutuava sobre camadas de guitarra que lembravam ondas se desfazendo, e logo deu lugar a “Pickup Song”, que trouxe um pouco mais de movimento, mas sem quebrar o transe.
Então veio o momento mais simbólico da noite: o cover de “Atmosphere”, do Joy Division. Uma escolha que diz muito sobre a banda — e sobre o público que a acompanha. Sem precisar alterar uma nota, o Codeine fez a canção soar ainda mais triste, ainda mais distante. A voz de Immerwahr ecoava no City Lights como se viesse de um porão esquecido em Manchester. O silêncio após o último acorde foi tão denso que parecia físico.
“Pea” encerrou o set principal, em tom de despedida contida, sem pirotecnia, sem palavras. Apenas o som e o vazio.
O encore começou com “Cave-In”, faixa carregada de urgência, seguida pela surpreendente “Promise of Love”, cover do obscuro MX-80 Sound — lembrando que o Codeine nunca buscou o óbvio.
A reta final veio com “Summer Dresses”, delicada e quase etérea, e o fechamento perfeito: “Broken-Hearted Wine”, que soou como uma carta de adeus. Uma canção que se desfaz devagar, sem resolução, deixando o público parado, olhando pro palco vazio, sem saber se o show acabou — ou se ainda ecoava dentro de cada um.
O mais bonito é que ninguém precisou mandar o público ficar quieto. Todos entenderam. O show era sobre pausa, sobre espaço e sobre escuta. Em uma cidade conhecida pelo barulho constante, ver o City Lights submergir em silêncio foi quase um ato de resistência.
O Codeine não veio para provocar catarse, mas contemplação. Em sua estreia brasileira, o trio entregou uma experiência que não se mede em decibéis, mas em respirações.
Por uma hora e meia, São Paulo desacelerou. E o silêncio, enfim, virou música.
D
Cigarette Machine
Loss Leader
Median
Washed Up
Tom
Jr
Sea
Pickup Song
Atmosphere (Joy Division cover)
Pea
Encore:
Cave-In
Promise of Love (MX-80 Sound cover)
Summer Dresses
Broken-Hearted Wine









