Em iniciativa pioneira, Cornell Project resgata a obra de uma das maiores vozes da história do rock
Texto: Marcelo Jacoto
Fotos: @shows_por_ai
Qualquer lista que se preze envolvendo os grandes vocalistas da história do rock certamente possui Chris Cornell entre os indicados. O saudoso ícone do grunge é praticamente uma unanimidade entre músicos e fãs, haja vista o variado repertório, a versatilidade vocal e os agudos incomparáveis. No OneSingsLikeYouAnymore, não à toa, é a frase que virou “mantra” entre os fãs após sua trágica morte, e que dá título ao álbum solo póstumo de dezembro/20.
Desta forma, prestar tributo a Cornell não é das tarefas mais fáceis. Revisitar sua obra exige doses de coragem e ousadia. Neste quesito, o vocalista Gus Nascimento(acompanhado do guitarrista Márcio Alves, do baixista Felipe Gabriel, do baterista Rafael Leoni e do tecladista Leandro Freitas), iniciou com pé direito a Cornell Project no último domingo, 23/02, nas dependências do confortável Teatro Bradesco, contando com produção da Live.Co e assessoria da TRM Press.
A música escolhida para iniciar o show foi “YouKnowMyName”, sucesso do filme “Casino Royale”, de James Bond. Certamente o título da faixa foi um recado à plateia, um verdadeiro cartão de visitas entregue aos fãs de Chris Cornell.
Sem dar trégua, Gus e banda deram sequência com duas músicas do Audioslave: “Original Fire” e “Your Time Has Come”, ambas executadas com a mesma energia sonora da banda de Tom Morello e cia. Em “Be Yourself”, Gus se apresentou ao público, agradeceu a presença de todos e destacou que a noite era a realização de um sonho, pois estava fazendo um show “de fã para fã”. De fato, o cuidado com a parte musical e até o figurino demonstravam que cada detalhe foi muito bem pensado e ensaiado para a apresentação. Para deleite dos fãs da fase Audioslave, “Doesn’tRemind Me” surgiu como a quinta música do setlist.
Entretanto, claro que não se pode pensar em revisitar a obra de Chris Cornell deixando o Soundgarden de lado, sendo que a primeira música da lendária banda de Seattle a ser lembrada foi a balada “Fellon Black Days”, música em que Gus Nascimento não economizou nos agudos, apresentando seu timbre muito fiel ao de Cornell. Continuando pelo álbum Superunknown, Gus e cia. revisitaram “Spoonman”. Os “mini solos” de baixo e bateria foram a deixa para a respectiva apresentação ao público dos músicos Felipe Gabriel e Rafael Leoni.
Pausa para o passado: “Lembram de Andrew Wood? Sim, mas o tributo não é para Chris Cornell?” Em uma breve e didática passagem, Gus relembrou o vocalista do Mother Love Bone, o impacto de sua morte na cena grunge e os desdobramentos que deram origem ao projeto TempleoftheDog: uma superbanda capitaneada por Cornell e com “futuros membros” do Pearl Jam, que originou diversos clássicos e ainda marcou a estreia de um, até então, “novato” Eddie Vedder. Neste momento, a Cornell Project deu início aos primeiros acordes de “HungerStrike” para deleite da plateia e Gus convidou o vocalista Sérgio Vedder (da banda coverBlaymorphed) para fazer as vozes de “seu xará” Eddie. “HungerStrike” foi, sem dúvida, um dos pontos altos do show, com um belo dueto entre os dois vocalistas.
Aproveitando a interação com a plateia, Gus Nascimento pediu a todos que ligassem a lanterna de seus celulares e agitassem os telefones para o alto para “cantar pra subir” em homenagem a todos os artistas já falecidos: foi a deixa para “SayHellotoHeaven”, outro momento de destaque do show.
Em seguida, o Audioslave voltou ao repertório: desta vez com a pesada e (na opinião deste escriba) subestimada “WhatYou Are”, uma canção muito marcante do álbum de estreia homônimo. Sem perder o pique, a banda emendou com o clássico “Outshined”, seguramente outra música muito aguardada pelos fãs. “Outshined” foi mais uma deixa para Gus demonstrar todo seu alcance vocal.
Para recuperar o fôlego do público, a banda resolveu tocar uma canção da carreira solo de Chris Cornell: a elaborada “NearlyForgotMyBroken Heart”, do álbum HigherTruth. Em seguida, e estrategicamente bem no meio do set, a Cornell Project resolveu desacelerar com o momento acústico do show: Gus Nascimento, banquinho e violão.
Era chegada a hora de revisitar a fase “Songbook” de Cornell e as diversas covers que o ídolo do grunge regravou, confirmando toda a abrangência de sua obra. As escolhidas foram “Patience” do Gunsn’Roses (extraída do álbum póstumo No OneSingsLikeYouAnymore), “Imagine” de John Lennon (presente no já citado ao vivoSongbook) e “Billie Jean” de Michael Jackson (pinçada do álbum solo CarryOn), todas executadas à semelhança das apresentações acústicas que Chris Cornell promoveu no Brasil em 2011, 2013 e 2016.
O retorno da banda de Gus ocorreu com mais um hit do Audioslave, a poderosa balada “I AmtheHighway”, muito aprovada pelo público. A canção seguinte, também um hit e uma balada, tinha presença obrigatória no setlist e sua execução era apenas uma questão de tempo: “Black Hole Sun”, outro grande destaque da noite, numa versão bemencorpada pelos teclados de Leandro Freitas.
Já na parte final do show, a temperatura voltou a subir com mais Audioslave, desta vez com as energéticas “Show Me Howto Live” e “Cochise”, com Gus esbanjando técnica vocal nos momentos mais “agudos” de Chris Cornell.
A escolhida para fechar o show, claro, foi o megahit “Like A Stone”. Gus Nascimento desceu do palco e passou pelas fileiras do teatro cumprimentando e interagindo com o público, que cantou a balada a plenos pulmões. Destaque para o figurino e a postura de Gus até no jeito de andar, tudo muito semelhante ao visual de Chris Cornell no videoclipe da mesma canção.
Encerrada a apresentação, o público foi presenteado com mais uma música no bis. É certo que escolher uma única canção é tarefa “muito cruel” se considerarmos tantas opções dentre a vasta obra de Cornell entre seus álbuns solo, do Soundgarden, do Audioslave e do TempleoftheDog (certamente é possível montarmos um outro show de 1h30min sem repetirmos faixas, mas isto já é uma outra história). A escolhida foi mais uma do repertório do Audioslave, totalizando dez músicas deste grupo “contra” quatro do Soundgarden.
A banda foi muito feliz em finalizar com “Gasoline”, canção ideal para – com o perdão do trocadilho – incendiar o público. Neste momento, Gus convocou a todos para se levantarem de suas cadeiras e se aproximaremdo palco do Teatro Bradesco. O guitarrista Márcio Alves executou todas as notas do solo ao melhor estilo Tom Morello. O encerramento ocorreu com a já tradicional foto do público com a banda para postagem nas redes sociais. E com a certeza de que, muitos daqueles que não tiveram a oportunidade dever Chris Cornell ao vivo saíram satisfeitos com esta bela homenagem, à altura do legado do saudoso vocalista, às vésperas do aniversário do oitavo ano de seu falecimento.
Após uma aclamada estreia em São Paulo com ótimo público (na mesma noite em que The Cult fez uma concorrida apresentação na cidade), a Cornell Project seguirácom mais datas já agendadas: 15/03 no Teatro Up Experience (Curitiba/PR) e 22/03 no Theatro Pedro II (Ribeirão Preto/SP). É uma ótima chancepara que todos os fãs do grunge relembrem o legado de uma das vozes mais importantes de uma geração.
Setlist
1 – You Know My Name (carreira solo)
2 – Original Fire (Audioslave)
3– Your Time Has Come (Audioslave)
4 – Be Yourself (Audioslave)
5 – Doesn’t Remind Me (Audioslave)
6 – Fell on Black Days (Soundgarden)
7 – Spoonman (Soundgarden)
8 – Hunger Strike (Temple of the Dog)
9 – Say Hello to Heaven (Temple of the Dog)
10 –What You Are (Audioslave)
11 – Outshined (Soundgarden)
12 – Nearly Forgot My Broken Heart (carreira solo)
13 – Patience (cover Guns n’Roses, carreira solo)
14 – Imagine (cover John Lennon, carreira solo)
15 – Billie Jean (cover Michael Jackson, carreira solo)
16 – I am The Highway (Audioslave)
17 – Black Hole Sun (Soundgarden)
18 – Show Me How to Live (Audioslave)
19 – Cochise (Audioslave)
20 – Like a Stone (Audioslave)
Bis
21 – Gasoline (Audioslave)
