Cro-Mags na Burning House: Harley Flanagan, finalmente, no Brasil

Texto e Fotos: Flavio Santiago

São Paulo, terça à noite, e a Burning House fervia. O público já estava amontoado antes mesmo de escurecer — corpos suados, cotoveladas e aquela tensão boa no ar que só o hardcore proporciona. E não era pra menos: depois de décadas de espera, Harley Flanagan finalmente pisava em solo brasileiro. O Cro-Mags, aquele verdadeiro pilar do hardcore nova-iorquino, vinha enfim com o homem que começou tudo.

AAntes da lenda subir ao palco, quem preparou o terreno foi o Paura, veterano do hardcore nacional, com mais de 25 anos de estrada e um nome que dispensa apresentações. O som da banda foi um soco — direto, preciso, sem pose. Músicas como :  History Bleeds, Reverse the Flow e Karmic Punishment levantaram a galera, e o público respondeu como se fosse o próprio show principal. Foi uma abertura à altura: hardcore tocado com raiva e propósito, sem floreio, com a honestidade que define o gênero.

Quando o Paura saiu, o público já estava em ebulição. Dava pra sentir que o que viria a seguir não seria apenas um show, mas um pedaço da história.

Harley Flanagan, figura mítica e polêmica, subiu ao palco da Burning House com aquele olhar de quem já sobreviveu a tudo. Entre processos, brigas internas, prisões e até o infame episódio de 2012 no Webster Hall (quando foi acusado de esfaquear dois ex-companheiros de banda), o cara segue em frente — e segue feroz.

Essa foi a primeira vez de Harley no Brasil, o que deu um ar quase cerimonial à noite. Até então, o Cro-Mags que passou por aqui era comandado por John Joseph, que manteve sua versão paralela (Cro-Mags JM) após perder o direito ao nome na justiça em 2019. Agora, era a chance de ver o “Cro-Mags de verdade”, como diriam os puristas.

Sem enrolação a banda sobe ao palco após uma breve introdução feita por Supla, parceiro de longa data de Harley, desde os tempos em que morava em Nova York , o Cro-Mags abriu o set com “We Gotta Know”, e foi o suficiente pra transformar o lugar num campo de batalha.

A partir daí, vieram uma sequência de clássicos do álbum The Age of Quarrel misturados com faixas mais recentes. Harley comandava com autoridade, baixo pesado e voz rasgada, enquanto o público respondia com mosh, stage dive e gritos uníssonos.

A energia era crua, quase primitiva. O tipo de show em que ninguém está ali pra ver virtuosismo técnico — mas sim pra sentir a vibração real de uma banda que moldou o hardcore moderno.

Cada faixa era recebida como um hino. Em “Hard Times”, o coro foi tão alto que praticamente encobriu os amplificadores — e Harley parecia se alimentar disso, sorrindo de canto e incentivando a plateia como um sargento veterano comandando uma tropa.

A performance na Burning House não foi apenas mais um show, foi um ritual de fechamento de ciclo.
Harley Flanagan, o homem que carregou o nome do Cro-Mags como uma cruz por quatro décadas, finalmente se encontrou com o público brasileiro — um público que sempre o esperou, mesmo à distância.

Foi curto, intenso e verdadeiro. Sem frescura, sem pose. Só energia, suor e história condensada em 50 minutos de pura agressividade.

SETLIST

We Gotta Know
My Life
Crush the Demoniac
No One’s Victim
From the Grave
World Peace
Show You No Mercy
Malfunction
Days of Confusion
The Only One
Down but Not Out
These Streets
Life of My Own
Apocalypse Now
Hard Times