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Einar Solberg – Teatro UMC– 17/05/24
Postado em 26 de maio de 2024 @ 17:01


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Anderson Hildebrando (Metal no Papel)

Líder do Leprous proporciona espetáculo solo tão lindo quanto mentalmente desafiador!

Sempre há uma primeira vez e,desprovido de qualquer preconceito, até porque, como mero espectador, este escriba havia ido ao Teatro UMC para conferir a performance do Vodu, do saudoso André “Pomba” Cagni, em março/19. Porém, quem suporia que Einar Solberg um dia viria a São Paulo para umaempreitadaliteralmente solo em piano e voz se apresentando na Vila Leopoldina?

Sem intro e posteriormente encore ou outro, ele pautou seu repertório no Leprous, conforme esperado, vindo ao palco às 20:03, três minutos “atrasado” em relação ao horário divulgado, mandando Out Of Here sob a mínima iluminação possível e saltava aos olhos a irritação nas feições de seu rosto devido ao abre-e-fecha da única porta de acesso à sala, gerando um feixereluzente na penumbra exatamente de frente para o artista. Encerrada, veio a certeza do incômodo: “Muito obrigado! É muito bom ver todos vocês, lindas pessoas, por aí, mas tenho um pedido: não abrirem mais aquela porta porque é muito distrativo e estou olhando bem para ela. Muito obrigado! Então, tocamos aqui uns meses atrás com o Leprous”, contando que seria prontamente atendido.

Como aqui é Brasil, no sentido de obviamente termos cultura diferente quanto à rigidez da pontualidadese comparado a demais cantos do mundo, ele reiterou: “Por favor, mantenham esta porta fechada. Não consigo fazer o show se a porta ficar abrindo e fechando. Sinto muito, mas é praticamente impossível me concentrar”. E se você quer saber, ele tinha razão, pois,inclusive para este repórter, sentado na terceira fileira e no lado do “clarão” ocasional, o entra-e-sai era bastante enervante,comfãs voltando ao recintocarregando refrigerantes e até um saco de pipocas, como se vissema enésimapartede Velozes E Furiosos num domingão no shopping do bairro.

Enquanto se familiarizava com o jeitinho brasileirodurante a ambientação para ThePrice, ele assegurou: “Bem, se você já foi a um show do Leprous antes, posso garantir que você ouviu esta música, mas provavelmente não nesta versão”.Ea contextualização das composições seria mantida: “Então, durante anos, ainda jovem na minha adolescência, desde meus dezenove anos, passei por muitas coisas, algumas boas, outras ruins. Então decidi escrever um álbum sobre isso e ele se chama 16. Foi no ano em que me dei conta de que a vida não é uma caminhada no parque. Esta é a faixa-título, 16”.

Ainda somente a terceira de um total de dezessete, nela a porta se abriria em mais algumas ocasiões e, em ao menos dois momentos, Einar, genuinamente emputecido, recriminaria a situação com a cabeça.Além disso, um celular despencou como uma bomba numa fileira do fundão fazendo enorme barulho ao colidir com o chão oco, vacilo surpreendente ignorado pelo músicono que, a esta altura,se tornava um concerto tenso… Como se os astros se alinhassem, o fato foi que, a partir daí, tudo se acalmaria!CastawayAngels e TheFlood vieram emendadas a 16 e, com a recém-detectadabonança, pudemos perceber que tudo era preto no palco: piano e camisa, calças e sapatos do vocalista e, sem contato visual com suas mãos, notávamos umponto focal singularmente branco em sua cabeça brilhante.

Se o nervosismo na atmosfera de outrora se dissipara, a aflição passou a ser sentida de modo diverso, com Solbergmaravilhosamente passando a “descontar” sua ira nas teclas do instrumento elevando o patamar de entrega num profundo e doloroso processo terapêutico delicioso de se assistir e escutar, chegando a ser aplaudido com Celestial Violence ainda em execução e antes assim descrita: “Vou fazer uma música para vocês que é meio que um cover e um não-cover. Quero dizer que, tecnicamente, é um cover, acho. Porém, mesmo assim, realmente faz sentido que eu o cante”. Explicando, o original da bela releitura inaugura Arktis (16), sexto trabalho de seu cunhado, Ihsahn, ex-Emperor – a título de curiosidade, Einar também participa de Disassembled, a conclusão do play.

Após Slave e beirando pouco menos da metade do set, veio uma proposta: “Então, agora é a vez de vocês escolherem uma música…” – brusca e imediatamente interrompida em meio a clamores por Below, Passing, The Cloak e Nighttime Disguise. O dono da festaprosseguiu: “Estratégia muito interessante vocês escolheram. Gostei que vocês simplesmente começaram o jogo antes que eu dissesse as regras. Esta estratégia de apenas escolherem músicas agora, porque vocês não têm idéia, em todo caso, do que vou tocar mais tarde, seria um desperdício de escolha pegando algo que, de qualquer jeito, tocarei, certo? Então vocês podem escolher entre quatro músicas de quatro álbuns diferentes e a primeira vez que eu disser os nomes das músicas vocês não precisam fazer nada”. Ele visava ser engraçado na continuação, sem ficar evidente que estava brincando:

“Na segunda vez, vocês levantam suas mãos: uma mão – se vocês levantaram as duas, vou eliminar esta música! Vocês não podem votar por duas músicas e por que fariam isso, de todo modo? A primeira é Acquired Taste. A próxima é Passing e não entendi muito bem porque estão levantando suas mãos agora, mas tenho certeza que expliquei detalhadamente as regras. A próxima é Moon e por que alguém levantaria as mãos antes de ouvir as quatro músicas? Isto é para pessoas impacientes e consigo me identificar pois, sinceramente, sou extremamente impaciente. A próxima é Echo”, vencedora em pleito decidido em “segundo turno” apertado contra Moon, com direito a solicitações gerais para que fizesse ambas e negativa em risos: “Não! Não posso tocar as duas!”.

Tão logo acabou, um espirituoso arrojado arriscou: “Agora Moon?”. Entrando na vibe da zoeira, o anfitrião soltou um “Pessoas gananciosas!” e retomou: “Agora vou fazer, de fato, um cover. É do rei do pop e, em minha defesa, não assisti ao documentário. Então, se vocês estão planejando me cancelar, lavo minhas mãos”. Foi Earth Song, de Michael Jackson, com uma hora no relógio.Então ocorreu um momento de verdadeira reflexão:

“O que aprendi em meu tempo neste planeta foi que uma boa vida não simplesmente cai no seu colo necessariamente. Para muitas pessoas, eu incluído, é algo que você precisa criar. Há pessoas que nascem com tudo, elas têm tudo e, ao mesmo tempo, não têm absolutamente nada. E outras nascem com nada e, ainda assim, têm tudo. Tudo passa pela sua perspectiva, o que você escolhe fazer com as coisas que encontra na vida. Não necessariamente obtive um ponto de partida que fosse ideal, mas decidi que, de todo modo, queria criar uma linda vida”, aludindo a A Beautiful Life e o silêncio sepulcral – aquele “ensurdecedor” de Nelson Rodrigues – era tal que, sem exagerar, se ouvia o ruído dos aparelhos de ar condicionado operando em busca de eco pelo teatro.Coladas a ela vieram The Cloak e Below, no segundo e último combo triplo, até nova oportunidade de ponderação:

“Muito obrigado! Então, vou fazer outro cover e me lembrei ontem, já no palco, que precisava puxar esta música para mais cedo no setlist porque ela é muito difícil. Porém, ontem tive uma experiência porque estive ocupado o dia todo olhando para as capivaras e acho que é uma desculpa justa. Hoje a única desculpa que realmente tenho é que estava pensando nas capivaras que vi ontem. Uma pergunta a vocês, sejam sinceros e pensem bem antes de responderem em vez de apenas ‘jogarem’ uma resposta: vocês querem viver para sempre? Não? Pensei nisso. Acho que talvez alguns de vocês queiram viver um pouco além do tempo restante, mas talvez não ‘para sempre’. Simplesmente não quero viver para sempre, deve ser incrivelmente chato e triste, só com as pessoas morrendo à sua volta todo santo dia até que não restasse absolutamente mais ninguém” – remetendo a Who Wants To Live Forever, do Queen.

A seguinte não amenizou no quesito “temas complexos”: “Obrigado! Então, quando eu tinha dezenove anos, meu pai escolheu colocar fim à sua própria vida… Meu pai era uma pessoa muito difícil com a qual morar, mas isso não significa que eu não o amava. Então, apesar de muitas coisas que aconteceram, decidi manter contato com ele e me lembro que ele me enviou um e-mail perguntando se eu queria ir visitá-lo. Isso deve ter sido um marco em sua vida e aceitei.Disse: ‘Sim, irei te visitar’, estava voando até lá, mas nunca tive a chance até ser tarde demais. Esta é The Last Milestone”. Pois é, durma com esta! Você jamais conseguirá ouvi-la do mesmo modo… Tremendo desafio para a cabeça!

Alleviate deu uma aliviada no clima, com trocadilho intencional, precedida por outra interação com interessante linha de pensamento: “Muito obrigado! Toda vez que encontrei problemas na vida, meu instinto sempre foi o de apenas seguir em frente querendo que o problema terminasse instantaneamente. Paciência zero… Esta era minha natureza. Porém, me dei conta de que não era a melhor estratégia, então tive que aprender algo que foi muito, muito, muito difícil para eu aprender: paciência – não a tenho! Mas às vezes na vida, quando você encontra algumas situações difíceis, a única coisa que você pode fazer é esperar”.Rumando à reta final com Exit Music (For A Film), do Radiohead, a fala abaixo pode soar arrogante, mas garantimos que, mirando o norueguês, havia tom de voz e olhares de tiração de sarro:

“Muito obrigado, pessoas lindas! Então, estou chegando perto do final agora. O quê? Isto é estranho, pois não consigo me lembrar de ter feito uma perguntar a vocês. Quando faço cinco shows ao vivo seguidos como este agora, sou basicamente eu, o piano e mais nada sobre o qual me apoiar. Sem uma bateria maluca do Baard, sem algo louco tocado pelos outros.Sou só eu, estou na música número dezesseis agora e vocês meio que têm que entender que estamos chegando perto do fim. Então, contei algumas estórias do passado e mais íntimas do que normalmente faço com o Leprous. Querem ouvir uma estória do passado sobre a razão de ter incluído esta próxima música? Absolutamente não há uma! Apenas a escolhi porque gosto da música”.

A última? Quando cobrimos a estréia de seu grupo principal em São Paulo em março/19 [https://onstage.mus.br/website/leprous-100319-carioca-club-sp], cravamos que From The Flame nascera clássica, como se predestinada a ser aderradeira nos shows e erramos a previsão no regresso ao mesmo Carioca Club em novembro/23 [https://onstage.mus.br/website/leprous-carioca-club-17-11-23]. Não é que não estávamos tão errados lá atrás? Ela foi a saideira em estilo tão impactante quanto se estivesse acompanhado de seus colegas e desta maneira anunciada:“Muito obrigado! E agora, a última música. Música número dezessete. Que tal: ‘Vou tocar mais uma para vocês, galera!’? Sempre depende de como você apresenta. Psicologia infantil sempre funciona! Então tem uma coisa:tenho um pequeno pressentimento, provavelmente é apenas um palpite, mas tenho a leve sensação de que vocês talvez já tenham ouvido esta próxima antes”.

Enfim, possivelmente a maior surpresa da noite foi a descoberta de que Einar é um pianista de mão cheia – ou seria de “mãos cheias”, com o perdão da piada?Quanto à seleção feita, partindo da premissa de que os dados inseridos no site Setlist.fm estejam corretos, não houve variação em toda a turnê latino-americana, salva a votação popular na oitava música. O motivo? Maior facilidade de rearranjo no piano? Ou quem sabe, na contramão do raciocínio, em suas teclas elastenham sido preliminarmentecriadas no conforto de seu lar e na roupagem acústica.Na prática, foram: quatro covers; três faixas de The Congregation (15); e duas de Coal (13), Malina (17), Pitfalls (19), Aphelion (21) e de seu citado trabalho próprio, 16 (23).

Quanto ao Leprous, só não houve material de Tall Poppy Syndrome (09) eBilateral (11) – respectivamente Passing e Acquired Taste teriam suprido tais ausências. E se o evento começara apreensivo e no breu, terminou super intimista e repleto de versões desnudadas de canções familiares ao público. No final, havia gente chorando e dá para perfeitamente compreender a emoção. Aliás, será que haverá replay? Ou “apenas” teremos que nos contentar com um retorno do Leprouspara promover o já batizado Melodies Of Atonement (24), prometido para agosto?

 

Setlist

01) Out Of Here [Leprous]

02) The Price [Leprous]

03) 16

04) Castaway Angels [Leprous]

05) The Flood [Leprous]

06) Celestial Violence [Ihsahn]

07) Slave [Leprous]

08) Echo [Leprous]

09) Earth Song [Michael Jackson]

10) A Beautiful Life

11) The Cloak [Leprous]

12) Below [Leprous]

13) Who Wants To Live Forever [Queen]

14) The Last Milestone [Leprous]

15) Alleviate [Leprous]

16) Exit Music (For A Film) [Radiohead]

17) From The Flame [Leprous]

 
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