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LIVING COLOUR ::: 13/06/19 ::: CIRCO VOADOR / RJ
Postado em 09 de julho de 2019 @ 21:08


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Flávio Santiago (show de São Paulo)

 

Living Colour tira o Circo para dançar, mais um vez!

 Assistir a um show no Circo Voador é um evento por si só. Fala sério! O lugar tem vida própria e dele emanam energias diferentes, um tipo de aura cósmica impossível de por em palavras e só estando lá mesmo para sentir e entender. Se você nunca teve oportunidade de ir até lá, faça um esforço, junte grana, escolha alguma banda do coração e inclua-o no rolé pelo Rio. Você não irá se arrepender! Inaugurado em 1982, sua capacidade oficial é de 2800 pessoas, a visibilidade é ótima, seja lá onde você se posicionar, e a programação prega o ecletismo, haja vista que os espetáculos anteriores haviam sido Boogarins e Dona Onete, 07 e 08/06, e dias 14 e 15 o local abrigaria Roberta Sá e Toco Y Me Voy. Sem contar que se localiza literalmente sob os lindos Arcos da Lapa, perto do Aeroporto Santos Dummont e a dez minutos de ônibus da Rodoviária do Rio (ex-Novo Rio). Prato cheio para um bate e volta e ideal para quem quiser pernoitar pelo boêmio bairro carioca. O fascínio é tal que até documentário a seu respeito já foi produzido: Circo Voador – A Nave (2015).

Como nem tudo é perfeito e a falta de noção é nacional, sempre há quem tente furar a fila ‘na caruda’ mesmo e, pasmem, para melhor atendimento, um motogerador era usado por uma barraca de bebidas estrategicamente montada ao lado da entrada, fazendo tanto barulho que as pessoas mal conseguiam conversar. Pontualidade foi outro problema, pois os horários divulgados de abertura da casa e dois shows pularam de 19:00, 19:30 e 21:00 para 19:25, 19:50 e 21:45. A causa? Nenhuma foi dada, mas faz sentido que tenha sido o atraso na passagem de som dos americanos, uma vez que, até onde o motogerador permitia ouvir, Open Letter (To A Landlord) e Type foram as cobaias (se com ou sem vocais, não há como cravar, devido ao maldito equipamento ligado). Pelo menos o som esteve perfeito a noite toda e a sobrecarga nos tímpanos não foi em vão.

Formado por Flávio D’Anunciação (vocal e baixo), Neube Brigagão (guitarra) e Diego Denucci (bateria), o Seu Roque fez set autoral de oito músicas em português em quarenta minutos, puxado por Diana, de Visceral (2017), seu mais recente trabalho, após um singelo “Boa noite, Circo Voador. Nós somos o Seu Roque”, de Flávio. De cara, o que impressionava era o forte som do baixo, sobressaindo-se mesmo com o alto volume dos outros instrumentos. Insônia, descrita pelo vocalista como “uma música de nosso próximo álbum, que está em produção”, precisou ser reiniciada devido à ausência de som na guitarra, gerando pedido de desculpas e brincadeira de Neube: “Estava com insônia, dormiu e acordou de novo”. Cigarros E Bourbon, primeira de Queria Te Contar (2014) na noite, escancarou a veia blues e rock do trio em começo que remeteu a Foxy Lady, de Jimi Hendrix. A lamentar, apenas a baixa adesão de público para prestigiar o conjunto desde cedo.

Como única decoração, o nome do grupo na pele do bumbo de Diego e, para Amor Bandido, destacando dez anos na estrada, Flávio convocou Gus Monsanto (ex-Revolution Renaissance, ex-Adagio e irmão de Eduardo Monsanto, ex-narrador da ESPN Brasil) e então Neube pediu a palavra: “Queria aproveitar que tenho dois vocalistas gigantes aqui no palco e muitos na platéia. O rock brasileiro sempre teve bons representantes, mas talvez nenhum da estatura, dentro do heavy metal, como a perda que tivemos esta semana. Queria dedicar esta próxima canção ao querido André Matos”. Terminando-a, enquanto o amigo deixava o palco, o guitarrista realçou: “Esses encontros são sempre mágicos. Na última vez aqui no Circo, tivemos a presença do grande cantor Paulinho Loureiro, que está ali nos prestigiando junto de tantos amigos [nota: produtor e músico, Paulo Loureiro é bastante conhecido no meio musical carioca e atualmente está lançando um projeto chamado PLAG com o baixista André Gomes]. Desta vez o Gus, quem se habilita a ser o próximo?”. E tocaram Eu Duvido, a provável música de trabalho do próximo play do trio.

De À Primeira Vista (2014) e mais direta ao vivo, Atrás Dos Móveis lembrou o bom e velho rock ‘n’ roll do Barão Vermelho, com leves pitadas até de Arctic Monkeys, e animou um casal na pista dançando fervorosamente no gargarejo. Anunciando que só tinham tempo para mais duas, Flávio tirou onda: “Para quem quiser conhecer mais o trabalho da banda, estamos em todas as mídias sociais: Facebook, Twitter, Instagram, Tinder, na porra toda. E no YouTube também tem clipe”. Então, iniciada com o guitarrista e o baixista/vocalista de punhos direitos erguidos, feito Sócrates, Reinaldo e os Panteras Negras nas Olimpíadas da Cidade do México em 1968, fizeram Reflexo, com instrumental de arrepiar do meio para o fim da canção. Anunciando a saideira, Flávio demonstrou sinceridade: “Valeu, galera! Nossa última música agora. Queria agradecer muito a oportunidade de estar aqui no palco antes desta lendária banda, o Living Colour, que… puta que pariu, eu ouvia quando era criança. Sacaneei os caras agora”, provocando risos gerais.

E ainda antes de Visceral, Neube ainda revelou: “Para você que está querendo comprar algum merchan, eu queria dizer que o Seu Roque é uma banda bem generosa. E hoje, o nosso merchan, que é o nosso CD, está lá disponível para quem quiser. É só pegar enquanto durarem os estoques, fiquem à vontade. Quem quiser conhecer mais o nosso trabalho, como disse o Flávio, estamos em todas as redes sociais, em tudo que é canto. No Tinder eu não tenho certeza, mas no resto estamos em tudo! Para quem não gosta de internet e gosta de ver aquela ‘bolachinha’, ela está lá sendo distribuída. É só chegar e pedir a sua. Valeu, galera! Muito obrigado, vocês foram maravilhosos. Parabéns por terem chegado cedo e terem tido a oportunidade de ajudar e de curtir” (só realçando, sim, Visceral era dado na faixa para quem o pedisse no merchan). Finalizando, Neube discorreu sobre a cena rock ‘n’ roll atual no Rio: “A gente sempre fala que o rock tem que se ajudar e o rock não costuma se ajudar. O espaço para vocês conhecerem trabalhos novos é este aqui. Lá fora, tem bandas maravilhosas como o Móbile Drink, Solar, General Sagaz, Purano, tem uma porrada de coisas acontecendo e tenham o prazer de descobrir. Nós somos apenas… não vou dizer ‘mais uma’, não, pois minha modéstia me impede”.

Em contato por Whatsapp, Neube ampliou a lista: “Tem muitas outras bandas legais como Verbara e Balba. Bandas novas sofrem com condições ruins para gravação, palcos ruins para tocar. São guerreiras! No dia que tiverem um espaço legal, vão ser uma grande surpresa para muitos”. E explicou o motivo de À Primeira Vista e Queria Te Contar terem sido lançados no mesmo 01/04/14: “Nós tínhamos muito material e entramos no estúdio para gravar apenas uma parte e fazer uma pré-gravação do resto do material. Quando enviamos para o Ed Roth (tecladista amigo da banda e que toca com nomes como Glenn Hughes, Coolio, Annie Lennox e Chad Smith), ele nos mandou de volta um material muito rico e resolvemos melhorar aquelas que seriam apenas da pré-gravação e lançar tudo. Como as pessoas não consomem álbuns há algum tempo, pensamos que seria um desperdício fazer um álbum duplo e lançamos em separado. Nosso erro foi ter lançado tudo no mesmo ano. Sabíamos disso, mas, como todas as músicas já eram tocadas ao vivo, pensamos que dar acesso a elas poderia gerar um maior engajamento do público na hora dos shows”.

O guitarrista também forneceu detalhes sobre Esquizofrenia, previsto para ser lançado no início de 2020: “Estamos finalizando as três últimas composições. Não temos muita pressa. A idéia era tirar esse ano para fazer isso com calma. Aí surgiram dois shows imperdíveis para fazer: Living Colour e Glenn Hughes, dia 09/10, no Teatro Riachuelo. Além de termos nos dado conta de que fazemos dez anos, então também acabamos organizando alguns shows comemorativos com participação de antigos membros da banda. O primeiro será dia 14/07”, no La Esquina, junto a Ronan e General Sagaz. Pra quem quiser ter uma idéia do potencial do Seu Roque ao vivo, o show aqui resenhado está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Szzj5W7E5rY.

A parte ruim foi arrumar o que fazer em mais de setenta minutos de espera para o Living Colour e as opções não eram fartas, indo da possibilidade de tirar uma selfie com Lúcio Mauro Filho na pista (o Tuco de A Grande Família) à degustação do amendoim lá vendido pelo mesmo tiozinho do show do L7 em dezembro último (não se trata de iguaria tão única e especial quanto o cannoli do Seu Antônio nos jogos do Juventus na Javari, mas é um clássico). E mesmo com discotecagem de respeito, ouvir Epic, do Faith No More, duas vezes foi um pouco demais. Passado o sufoco, as entradas de Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) foram discretas, mas o mesmo não pode ser dito sobre Corey Glover (vocal), vestindo bermudas, chapéu, tênis, óculos escuros e paletó com detalhes em laranja e marrom. Não que a combinação fosse feia, mas, para se ter idéia, em demonstração do excelente e corrosivo humor carioca, um fã recepcionou-o das arquibancadas gritando: “Vai, Mangueira!”, mesmo trocando as cores. Sem ouvi-lo e à vontade, antes de Preachin’ Blues, o vocalista apenas disse: “Rio! Isso foi há trinta libras atrás. Estão prontos?”, referindo-se aos trinta anos de Vivid e contrastando a forma física de outrora à atual.

Ambos de Shade (2017), o cover de Robert Johnson foi seguido por outro, Who Shot Ya?, e das versões de seu mais recente lançamento, apenas Inner City Blues, de Marvin Gaye, ficou de fora e nem caberia, a rigor. Cientes do que representam, antes da releitura de The Notorious B.I.G., sob intencionais luzes vermelhas, Reid dedicou o show ao músico Evaldo dos Santos Rosa e à socióloga Marielle Franco, vítimas da violência armada no Rio de Janeiro. Feitas as homenagens, Glover deu o recado: “Trinta anos… trinta anos, então o que vamos fazer para vocês é tocar o Vivid na íntegra, do começo ao fim. Tudo bem? Quero ouvi-los. Tudo bem?” e assim Cult Of Personality botou o Circo a dançar, gritar e especialmente pular, quando o cantor assim o fez em seu final.

Tocar álbuns inteiros sempre inclui aquelas que dividem opiniões, mas não foi o caso para I Just Want To Know, até porque, mesmo com três excelentes músicos ‘envelhecidos’ por mais de trinta anos, o agudo dado pelo vocalista em seu final a fez soar revigorada em final apoteótico. Verdadeira aula de baixo, Middle Man foi precedida por um “Tudo bem?” de Corey, em português mesmo. Desperate People foi puxada após rápido número na guitarra e não há palavras que possam tentar explicar o que se passou nos mais de dez minutos de Open Letter (To A Landlord). Disparado o momento mais tocante da noite, com o vocalista fazendo interpretação de arrepiar, como em um tributo. Só ela já teria valido o ingresso (e a viagem) e o melhor é que, de modo distinto em cada apresentação, Corey Glover assim se sensibiliza todas as noites. Não perca da próxima vez e tente não se emocionar, pois sua entrega foi tão energética que o guitarrista pediu aplausos a seu companheiro. No embalo, este retribuiu e aproveitou para apresentar seus colegas, mas com títulos: Mr. Vernon Reid, Dr. William Calhoun e ‘El Presidente’ Doug Wimbish.

Já sem chapéu e paletó, o frontman exibia tranças roxas e camiseta laranja de mangas compridas em Funny Vibe, enquanto um ébrio cidadão, encorajado pela ausência do pit dos fotógrafos, do nada tentou subir a lateral do palco, prontamente impedido pela segurança. A faixa até ‘abriu uma roda’ na pista, mais por farra de uma meia dúzia do que por qualquer outro motivo. Comunicando-se em nosso idioma, o guitarrista mandou um “Tudo bem?” e completou em inglês: “Meu português é horrendo”. E antes da swingada Memories Can’t Wait, o cantor checou se todos estavam prontos, com Doug nos vocais de apoio. Broken Hearts foi o momento fofura da noite, seguida do hino Glamour Boys, que fez a festa da galera cantando junto e transformou a pista do Circo num baile. Brincando, Corey alterou o último verso da letra, de “Hey, what do you mean my credit’s no good?” para “Thirty years! Thirty years and still my credit’s no good!”. Caminhando para o final de Vivid, ao indagar “What’s Your Favorite Color, baby?”, deu a dica da próxima, com um mega grito em seu final, e Which Way To America? concluiu o álbum com belas doses de guitarra sem distorção, término alucinante e bumbos reproduzindo batimentos cardíacos em desaceleração.

Após acenos, apenas Will ficou no palco para seu solo de bateria, feito em parte com light sticks de LED vermelho e azul (para quem quiser conhecer sua arte em posse de baquetas coloridas, basta acessar www.willcalhounart.com) e finalizado com instrumentos alternativos: uma percussão eletrônica Korg Wavedrum (em entrevista ao site da revista Modern Drummer em fevereiro/18, disponível em https://www.moderndrummer.com/article/february-2018-will-calhoun, ele explica a hilária razão de levá-la na bagagem de mão, sem despachá-la); e se você souber o nome do outro dispositivo, o tocado em pé com base quase totalmente quadrada, por favor, deixe seu comentário.

Com o grupo todo de volta, devido aos vários pedidos diferentes de músicas, Corey apaziguou os ânimos ao garantir: “Temos muitas ainda para tocar”. Na verdade, o “muitas” seria uma trinca de Time’s Up (1990) e, após urros por Elvis Is Dead, começaram Love Rears Its Ugly Head, que, interpretada por ele de modo alternativo, deu trabalho a quem considerava acompanhá-lo. Atendendo aos clamores, fizeram Elvis Is Dead, ainda mais acelerada do que em estúdio, com direito a gritos de “Elvis está muerto” de Corey e encerrada com trecho de Hound Dog, oficialmente de Big Mama Thornton, mas imortalizada pelo Rei do Rock. E como seria muito estranho estar em um show dos caras sem a música da passagem de som, Type veio emendada, mais pesada e rápida do que no álbum, e fechou set de quase uma hora e cinqüenta minutos.

Com despedidas em nossa língua: “Muito obrigado”, de Corey, e “Boa noite”, de Vernon, o quarteto partiu sob aplausos enquanto a platéia mandava nosso queridíssimo presidente plantar chuchu. Na real, o grupo se sente extremamente confortável no Brasil e, tocando no Circo Voador pela terceira vez (estréia em agosto/07; replay em outubro/09), não tinha como algo dar errado. Apenas como curiosidade, uma ficha caía enquanto Back In Black (o original do AC/DC, não o cover do próprio Living Colour) rolava no sistema de som: exceção feita às duas primeiras músicas do show, em nenhuma das outras tocadas pelos americanos o baixo foi originalmente gravado por Doug Wimbish, e sim por Muzz Skillings, que esteve na banda até 1992, a tempo de registrar Vivid (1988), Time’s Up (1990) e o EP Biscuits (1991), além de Live From CBGB’s, show de 19/12/89 lançado somente em 2005. Será esse o porquê de ele se apresentar de cara tão amarrada? Ou seria apenas seriedade? Só voltando a São Paulo, a fim de vê-los no dia seguinte, para tirar a prova…

 

Setlists

Seu Roque

01) Diana

02) Insônia

03) Cigarros E Bourbon

04) Amor Bandido [Participação Especial: Gus Monsanto]

05) Eu Duvido

06) Atrás Dos Móveis

07) Reflexo

08) Visceral

 

Living Colour

01) Preachin’ Blues [Robert Johnson Cover]

02) Who Shot Ya? [The Notorious B.I.G. Cover]

 

Vivid

03) Cult Of Personality

04) I Want To Know

05) Middle Man

06) Desperate People

07) Open Letter (To A Landlord)

08) Funny Vibe

09) Memories Can’t Wait [Talking Heads Cover]

10) Broken Hearts

11) Glamour Boys

12) What’s Your Favorite Color? (Theme Song)

13) Which Way To America?

 

14) Will Calhoun’s Drum Solo

15) Love Rears Its Ugly Head

16) Elvis Is Dead [Snippet De Hound Dog (Big Mama Thornton)]

17) Type

 
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