Texto e Fotos: Flavio Santiago

Mudhoney no Cine Joia – Uma noite barulhenta, suada e inesquecível

Ainda estou com o zumbido nos ouvidos e aquele cheiro de cerveja derramada grudado na camiseta. Foi assim que saí do Cine Joia depois de uma noite que, sem exagero, me fez lembrar por que o rock sujo e barulhento dos anos 90 ainda tem tanto peso e relevância. Ver o Mudhoney ao vivo em 2025, no coração de São Paulo, foi como entrar numa cápsula do tempo, mas sem nostalgia estéril — foi suor, distorção e presença bruta.

A casa abriu com Elder Effe, que eu já conhecia de alguns sons soltos e sempre curti a entrega visceral deles. No palco, os caras seguraram bem a responsa de abrir para uma lenda como o Mudhoney. Som pesado, letras afiadas, e uma pegada meio stoner que já aqueceu o público com energia.

Na sequência veio Apnea, banda de Santos e que conta com o baterista Boka (RDP) , aqui fazendo um post-hardcore climático, com vocal denso e guitarras que passeavam entre o caos e a calmaria.

Me surpreenderam positivamente, e muita gente ao meu redor comentou o mesmo. Foi uma abertura bem escolhida, sem soar como “mais do mesmo”, mas mantendo a vibração crua da noite.

Mas aí… as luzes baixaram, o público se aproximou ainda mais do palco, e Mark Arm e companhia subiram. Sem enrolação, já começaram com “If I Think”, aquela entrada com clima mais introspectivo que logo foi atropelada por “Move Under” e “Get Into Yours”, deixando claro que o ritmo da noite seria intenso. A voz rouca de Arm, sua presença meio desleixada e a guitarra carregada de fuzz transformaram o Cine Joia num porão grunge em Seattle.

“Nerve Attack” veio pesada, seguida por “Into the Drink”, que fez o público se mover com aquela levada quase surf, quase punk. “Almost Everything” e “Good Enough” mantiveram o nível lá no alto, com um som encorpado e sujo do jeito que a gente gosta.

Confesso que arrepiei quando começaram “Judgement, Rage, Retribution and Thyme” — o riff cortando o ar e a bateria com aquele groove quebrado trouxeram uma das melhores reações do público até então. Mas foi com “Touch Me I’m Sick” que o caos tomou conta. Pogo generalizado, gente cantando em coro, cerveja voando. Clássico é clássico, né?

“Little Dogs”, “Real Low Vibe” e “You Got It” vieram como um soco duplo — diretas, viscerais, sem firula. E quando tocaram “Suck You Dry”, parecia que todo mundo ali tinha voltado no tempo. Foi um dos pontos altos do set.

O que me pegou de surpresa (e me emocionou de verdade) foi “Souvenir of My Trip”. A mais atmosférica do repertório, trouxe uma pausa bem-vinda no meio da porradaria. Teve peso, mas também teve contemplação — um momento raro no set.

De lá pra frente, foi uma sequência quase ininterrupta de pedradas: “Tom Herman’s Hermits”, “F.D.K.”, “Oh Yeah”, “Next Time”, “I’m Now”, “Chardonnay”, “Paranoid Core”, “Human Stock Capital”, “21st Century Pharisees”, até fechar com “One Bad Actor”, que encerrou a primeira parte com um punch de sarcasmo e distorção.

Depois de um breve intervalo, o bis foi o gran finale que ninguém queria, mas todo mundo precisava: “Beneath the Valley of the Underdog”, “Here Comes Sickness” e “In ‘n’ Out of Grace” fecharam a noite como uma avalanche. A última então… foi catarse total. Gente se abraçando, gritando, celebrando.

Saí do Cine Joia com a alma lavada de distorção. Mudhoney mostrou que continua sendo uma força bruta, uma máquina de barulho com alma. E naquela noite, em São Paulo, eles não só entregaram o que a gente esperava — eles lembraram por que ainda vale a pena estar na linha de frente de um show de rock.

SETLIST

If I Think
Move Under
Get Into Yours
Nerve Attack
Into the Drink
Almost Everything
Good Enough
Judgement, Rage, Retribution and Thyme
Let It Slide
Sweet Young Thing (Ain’t Sweet No More)
Touch Me I’m Sick
Little Dogs
Real Low Vibe
You Got It
Suck You Dry
Souvenir of My Trip
Tom Herman’s Hermits
F.D.K. (Fearless Doctor Killers)
Oh Yeah
Next Time
I’m Now
Chardonnay
Paranoid Core
Human Stock Capital
21st Century Pharisees
One Bad Actor

Encore:
Beneath the Valley of the Underdog
Here Comes Sickness
In ‘n’ Out of Grace