Texto: Vagner Mastropaulo
Fotos: Flavio Santiago
Sem viver do passado, quinteto o preserva mesclando músicas antigas às novas
Perto de encerrar o set acústico na Fabrique [https://onstage.mus.br/website/new-modelarmy-acustico-fabrique-06-06-24], ao retornar para o encore com BalladOfBodminPill, o vocalista e guitarrista Justin Sullivan prometera: “Voltaremos para um show para valer! Então nos veremos no sábado”. Ele sabia o que estava dizendo… Com a formação completada por Dean White (guitarra), parceiro na data desplugada, CeriMonger (baixo), Nguyen Green (teclados) e Michael Dean (bateria), o New ModelArmy despejou dezenove cacetadas ao longo de uma hora e trinta e oito minutos a partir de 19:25, vinte e cinco minutos atrasados em relação ao horário divulgado.Com ingresso pago do bolso e uma festa de família na agenda, infelizmente perdemos a apresentação de Os Brutus, que haviam feito a abertura para os ingleses em sua passagem mais recente por São Paulo, em duas noites na citada Fabrique em junho/18.
Com o nome dogrupo no backdrop, ComingOrGoing puxou o repertório para uma casa bem mais cheia do que dois dias antes, certamente devido ao fator “elétrico” e por se tratar de um sábado com o conjunto inteiro. O rock ‘n’ roll contagiante de States Radio a sucedeu e um xarope na pista foi erguido pelas pernas para assistir ao show ainda mais “de pé”, com a ajuda de amigos… First SummerAfter foi feita com Sullivan ao violão e, acentuada no baixo, Language foi sucintamente detalhadapor ele: “Esta é a música sobre as palavras”. Quatro músicas, sendotrês extraídas de Unbroken (24), álbum em divulgação, e aí você poderia pensar: “E o público agitou?”. Sim! A entrega era tamanha vinda do palco que o povo a apreciava não apenas contemplando o espetáculo.
Winter foi outra com o líder ao violão e deixaremos tais informações no setlist abaixo. Falante na Fabrique, causava certo espanto vê-lo um tanto quieto e focado em empilhar material, dando aosfãs o que eles queriam. Em Stormclouds, CeriMonger largou mão de seu instrumento e deu uma bela força na percussão pré-posicionada no canto esquerdo do palco, culminando em final apoteótico! Foi tão aplaudida que Justin soltou um “Obrigado!” em português mesmo, acrescido de sinceridade: “Como estrangeiros, estamos tentando não dizer só ‘Obrigado’. É tudo que sabemos, mas não é muito bom, estamos cientes. Vamos tocar uma música sobre relacionamentos, sempre as mais difíceis”, a intensa Do YouReallyWantToGoThere?.
Em meio a inúmeras solicitações, com Vagabonds disparadamente na liderança, Sullivan fez um gesto de “Esperem um pouco!” à platéia e, tirando onda, soltou um breve “O quê?”.Ao mandarem NeverArriving, fecharam oito composições lançadas entre 2009 e este ano e estava na hora de resgatarem algo antigo. Para a explosão geral, saíram-se como Here Comes The War, autêntica marcha e convocação à guerra assim anunciada: “Tenho certeza que esta não precisa de nenhuma apresentação”. De fato, seria desnecessário contextualizar o hino e nela a mente deste escriba viajou aos idos de 1993 com o alcance da faixa em estações de rádio rock… Bons tempos!
Tentando superar o ponto alto da noite, o frontman informou: “Vamos tocar duas músicas realmente bem antigas, de muitos, muitos anos atrás. É estranho quando vemos o quanto o mundo mudou desde os anos oitenta, não muito para melhor… Então há algumas coisas que ainda permanecem verdadeiras. Vamos tocar essas”. Na prática, duas seguidas de Thunder And Consolation (89), a começar por225, de início mais cadenciado do que no play, e a lindíssimaGreen And Grey, chegando à metade da duração da festa e com direito a uma dedicatória: “Esta é outra música antiga e uma estória ainda mais velha. Acho que São Paulo é um ótimo lugar para tocarmos esta música. Sei que é uma cidade de duzentas e trinta e sete milhões de pessoas… Esta é mesma velha estória sobre vir do interior para a cidade. Então, se alguns de vocês realmente vêm de locais do interior, esta é especialmente para vocês”.
Referindo-se ao tema de Idumea, outra com Ceri na percussão, Justin cravou: “Já que estamos no humor de nos lembrarmos do passado, vamos tocar esta a vocês”. Batendoem uma hora no relógio e cantada em uníssono, o novo ápice do evento foi atingido em 51stState após observação pontual: “Tivemos esta conversa ontem à noite em Curitiba, sobre o fato de o Brasil ser um país muito, muito religioso, enquanto tocávamos esta. Vocês têm duzentas e oitenta religiões só um pouquinho diferentes, certo? Duzentas e oitenta milhões, na verdade… Tudo bem, estes momentos de silêncio são legais e são porque eu não falo português. É por isso…”. Papo sério, não é o tipo de cara com quem seria super interessante dividir uma breja num boteco?
Por vezes, o que ele realmente quer dizer fica nas entrelinhas, como para Angry Planet: “Já que estamos no assunto, esta é para nós”. E de Purity, ao vivo a partir dos trinta e seis segundos de estúdio: “Há uma resposta para esta música. E acho que sempre dissemos que esta próxima é a música mais verdadeira que já escrevemos. Nestes dias de populistas, nacionalistas, líderes religiosos, capitalistas idiotas e pessoas chacoalhando bandeiras… Todos estão prometendo a vocês que eles têm ‘a resposta’, e todos nós sabemos que não. Vamos tocar esta música para vocês”.Encerrando o set regular, um breve comentário: “Obrigado! Mais uma? Deixaremos vocês com esta”, Wonderful Way ToGo.
Está lembrado do clamor por Vagabonds? Ele foi renovado coletivamente e ela veio mediante acordo no regresso para o encore, na última com percussão, desta fez a cargo de Nguyen Green: “Ok, escutem. Vamos tentar fazê-la, mas não temos violinos para ela. Então vamos ver o que acontece e vocês serão o violino. Vamos fazer um experimento”, bem sucedido, aliás! Aqui famosa pelo cover do Sepultura, penúltima de Chaos A.D. (93) descontadas as divertidas risadas e os gritos derradeiros do disco, a perfeita The Hunt rolou colada,desta vez sem participação de Andreas Kisser, como em 2018.
E se o vocalista detonou o sistema de ar condicionado duas noites atrás, desta vez foi sóelogios: “Na verdade, este é um lugar legal. Gostei deste clube e talvez os veremos aqui de volta em quatro, cinco anos? Dois anos? Enquanto isso, o mundo ficará mais e mais e mais duro e há uma coisa que pedimos, que é confiarem uns nos outros. É por isso que fazemos os joinhas e confiamos uns nos outros.Deixaremos vocês com mais uma música, obrigado por virem esta noite. Deixaremos vocês com esta”, I Love The World, saideira com mensagem positiva eSullivan“somente” cantando ao totalizarem dezenove canções! Mais dezessete na Barra Funda, reuniram trinta e seis sem repetições… Não é para qualquer banda!
Em números frios, foram: cinco de Unbroken (24); quatro de Thunder And Consolation (89); duas de The Ghost Of Cain (86); e uma de Impurity (90), The Love OfHopeless Causes (93), StrangeBrotherhood (98), TodayIs A Good Day (09), BetweenDog And Wolf (13), BetweenWine And Blood (14), Winter (16) e FromHere (19) –deste modo preterindo os dois primeiros, Vengeance (84) e No Rest For The Wicked (85), e três full-lengths consecutivos:Eight (00), Carnival (05) e High (07). E, curiosamente, cinco pedradas abrem seus álbuns: The Hunt, de The Ghost Of Cain; I Love The World, de Thunder And Consolation; Here Comes The War, de The Love OfHopelessCauses; Wonderful Way ToGo, de StrangeBrotherhood; e First Summer After, de Unbroken.
O que será que o New ModelArmy vai inventar numa já aguardada e sugerida volta?
Setlist
01)ComingOrGoing
02)States Radio
03)First Summer After *
04)Language
05)Winter *
06)Stormclouds
07) Do YouReallyWantTo Go There?
08)NeverArriving
09)Here Comes The War
10) 225
11) Green And Grey *
12)Idumea
13) 51stState *
14)Angry Planet *
15)Purity *
16)Wonderful Way To Go
Encore
17)Vagabonds
18) The Hunt
19) I Love The World
* Justin Sullivan ao violão
