Texto: Vagner Mastropaulo
Fotos: Gustavo Diakov [Sonoridade Underground]
Segunda noite de side shows do Monsters Of Rock se torna tão grandiosa quanto a primeira
O que você fazia em agosto/01? Especificamente no dia 18, o Savatage tocava no saudoso Via Funchal em sua terceira e até aqui mais recente passagem por São Paulo desde o retorno mundial aos palcos agora com duas datas na cidade e com um detalhe: à época o vocalista era DamondJiniya… Com Zak Stevens então, o grupo não vinha para cá desde a quarta edição do Monsters Of Rock em setembro/98. Quase uma década após seu último show no Wacken de 2015, quis o destino que o retorno se desse em terras brasileiras, novamente num Monsters e depois no Espaço Unimed.
Porém, tudo em seu devido tempo, pois, numa espécie de abertura de luxo tão imponente quanto fizera o Queensrÿche para o Judas Priest na véspera no Vibra São Paulo, o Opeth, que não se ausentou daqui por um longo tempo após lotarem o Terra SP em fevereiro/23, detonou pontualmente a partir das 19:30com meia hora a mais à disposição e duas adições em relação ao mostrado no festival – a saber: The LeperAffinity e §VII, terceira e quarta no repertório.
A intro SevenBowls, do Aphrodite’sChild já foi colada a §I, em sua versão editada para rádio, certamente pensando adiante para sobrar tempo de incluir quatro composições acima dos dez minutos de duração.Como recurso a fim de contribuir para a manutenção do clima até Master’sApprentices surgir ainda mais agressiva, foi interessante notar a banda lançando mão de uma ambientação soturna rápida e certeira. E se a citada The LeperAffinity veio ainda sem falas do frontman, ele começou a mostrar seu costumaz e irônico bom humor ao concluírem-na:
“Bem-vindos ao entretenimento desta noite e ao Savatage… Estamos mais ou menos fazendo vocês ficarem um pouco surdos antes deles. Tocamos com eles outro dia e acho que eles não pisavam num palco havia dez anos ou algo assim, então esta noite será divertida. Estamos muito felizes por voltarmos a São Paulo! Amamos aqui! Muito obrigado! Sabemos que há… Vejo algumas camisetas do Savatage aqui dentro então há uma forte possibilidade de alguns de vocês não gostarem das merdas dos gritos que dou. Sabem por que comecei a fazer isso lá atrás? Porque eu não conseguia cantar… Solução fácil!”.
Ele não cessaria tão facilmente: “Em todo caso, nos chamamos Opeth e viemos da Suécia. Vocês são muito gentis! Muito obrigado! Acho que vai ser um show meio ‘carne assada’ e, aqui no Brasil, vocês realmente amam carne. Mas haverá algumas surpresas, músicas que vocês provavelmente não entenderão pensando: ‘Essa foi uma merda!’. Vamos tocar algumas dessas também. Então, temos um álbum novo lançado e posso dizer que, pelo visto quando tocamos a primeira música, vocês gostaram: ‘Que merda foi aquela?’. Aquela música se chama Number 1, ou Paragraph 1, e é de um álbum que fizemos chamado The Last Will And Testament. Ele não tem nada a ver com a banda Testament…Esta não foi tão engraçada?”.
Ele concluiu: “Então vamos tocar uma música nova, difícil pra cacete e ainda somos uma banda analógica em muitas formas. Apenas tocamos com o andamento subindo e descendo e o Walt ali na bateria meio que não tem um andamento. Deixem-me apenas explicar: vocês vão ouvir algumas coisas, olhar para o palco e ninguém estará fazendo essas coisas. Então, nesta faixa em particular, tivemos um cara chamado Ian Anderson, do Jethro Tull, e ele não está fisicamente aqui. Então temos essa gravação e o Sasch, ali atrás do kit de bateria, vai manualmente disparar os samplers de Ian Anderson, certo? Então, a cada noite, eles acabam entrando num lugar diferente da noite anterior porque tocamos mais rápido ou devagar – esse tipo de coisa. Então agüentem conosco, é uma música difícil e também nem é lá tudo isso. Mas, sim, não tocamos tudoe ela se chama §VII”.
Não dá para chegarmos ao exagero de afirmar que MikaelÅkerfeldt seja um cara “engraçado”, mas carismático e divertido sim. Ao lado deste escriba e arrebatada por seu senso de humor ácido e peculiar, uma fã esbanjou sinceridade ao notar certa semelhança: “Pô, o Lenine sueco é gente fina!”. É mesmo, e comunicativo: “Obrigado! Estão se divertindo? Não? Podemos tornar tudo mais conveniente para vocês? Estou me divertindo! Não conseguem dizer pela minha expressão facial? Minha namorada geralmente me diz: ‘Você está bravo?’. E respondo: ‘Não, é só o bigode!’”.
Pensa que acabou? “Nós temos muitos álbuns agora e vocês não conseguem notar ao olharem para nós porque estamos bem, mas somos velhos, muito velhos, como múmias. E, lá para… Quando foi?Dois mil e alguma coisa, fizemos um álbum chamado Damnation. É um disco um pouco mais leve, acho. Sim, vamos tocar uma faixa do Damnation e o Fredrik aqui vai começá-la. Ela se chama… Como ela se chama? Obrigado! Ela se chama In My Time OfNeed”, disparadamente a mais acessível do set.
O jeito era deixar o vocalista se expressar: “Lindo! Isso foi alto! Muito legal! Conseguem agüentar mais algumas músicas nossas? Bom! Então, não tenho certeza se vocês foram àquela coisa grande de metal, o Monster Of Rock. Digo, havia alguns ‘monstros’ lá e éramos meio que os Gremlins, os ‘Gremlins Of Rock’. Fizemos nosso melhor, nos divertimos muito, grande hospitalidade. Acabamos nos sentando num dos lounges com umchef particular nos servindo salsichas e cerveja e nos sentamos lá com os caras do Europe, eu e JoeyTempest. Nos divertimos muito e fiquei um pouco bêbado demais para me lembrar de como soou o Scorpions, mas eles são sempre bons. Ele estava assobiando? O Klaus Meine estava assobiando? Perdi isso…”.
Brincadeiras à parte, ele se mostrou auto-crítico: “Esta próxima faixa também é… Gostaria de ter a atenção de vocês por um momento só para vocês verem e entenderem o quão estúpido souporque fiz essa música e, no meio dela, tenho que dropar a afinação para ré e aí afinar de volta… Antigamente, não pensaria sobre isso ao tocar essa música ao vivo. Confiram e, quando nos estressarmos no palco, é por isso. Estão prontos? Esta é do álbum novo e se chama §III”.
E concluindo o set regular, ele não deixaria a peteca cair: “Obrigado! Gostaram dela? Amanhã, infelizmente, temos que deixar sua linda cidade e seu lindo país para fazermos mais shows do tipo ‘Gremlins Of Rock’. Mas vamos guardar esta linda noite, até agora, conosco em nossas memórias para sempre. E, com fé, vocês vão querer que a gente volte algum dia para fazermos um outro show. Mas, antes disso, vamos tocar uma mais energética para vocês,do disco Ghost Reveries” – Ghost OfPerdition, linda patada do começo ao fim!
Para o encore inaugurado pela ótima e martelante Sorceress, o baixista Martín Méndez regressou com um gorrinho à la Chaves e que tal deixar o irrequieto Mikael indicar a saideira? “Muito obrigado! Eu me sinto como se meu cabelo estivesse grande, como uma senhora dosanos sessenta. Então, vamos tocar para vocês mais uma música, a última, e aí será a vez do Savatage. Sim! Esta nossa última música por hoje é velha e, por algum motivo, se tornou popular, mesmo tendo quase quatorze minutos… Espero que vocês gostem. Obrigado por virem conferir a gente e por sorrirem. Amamos vocês! E cuidem muito bem do Savatage por nós, ok? Pois eles vão cuidar muito bem de vocês”.
Deu para adivinhar qual seria?A perfeita Deliverance, cujo final deveria ser estudado, pois, se em estúdio, já é sensacional, seu impacto ao vivo supera expectativas. É simplesmente de deixar o queixo caído! E os urros de aprovação no segundo imediato ao seu término são prova cabal de que a platéia a assimilara por completo, embora “agitando” tanto quanto o quinteto a executá-la. Tamanha destreza em uma composição tão intrincada cobra seu preço: não espere super movimentação – e cá entre nós, não faz falta alguma.
Na prática, foram: três de The Last Will And Testament (24); duas de Deliverance (02); e uma de Blackwater Park (01), Damnation (03), Ghost Reveries (05) e Sorceress (16). E como não coube material de Morningrise (96), Orchid (95), MyArms, YourHearse (98), Still Life (99), Watershed (08), Heritage (11), PaleCommunion (14) e In Cauda Venenum (19), quanto duraria o espetáculo se decidissem adicionar ao menos uma de cada full-length? Já pensou que barato?
Caso tenha interesse em saber como foi, uma boa alma, que um dia irá para o céu junto a Dio e Lemmy, postoua performance por completo [https://www.youtube.com/watch?v=d9edjtC0RTI] no YouTube. E só para não passar em branco, para se ter uma idéia da importância do combo duplo dos grupos do evento, sem muito esforço e sem tietar, mas apenas circulando pela pista premium, vimos: Andreas Kisser (Sepultura) e seu filho, YohanKisser (carreira solo); Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli (Angra); Fernanda Lira e Tainá Bergamaschi (Crypta); BJ (Spektra), Bento Mello (Sioux 66); e Diogo Nunes (Trend KillGhosts/Throw Me To The Wolves).
Trinta e três minutos de intervalo foram suficientes para uma constatação: era noite para pegar aquela velha e surrada camiseta do Savatage e curtir. Afinal de contas, mesmo sem Jon Oliva, quem imaginaria um dia rever a banda? Só o fã que guardara a mesma vestimenta batida e hoje cinza desbotada. O mais curioso era observar os pares se felicitando em ritual de identificação e pertencimento: “Pô, esse álbum na sua camiseta é bom!” / “O da sua também é!”, procedimento inexistente entre alguém trajando a capa de Images And Words (92) e de Awake (94), para ficarmos numa banda com sonoridade nem tão distante assim.
Em todo caso, a julgar pela devoção e reações ali testemunhadas, a sensação era a de o grupo ter acolhido boa parte dos ali presentes em algum momento sensível da vida. E para a entrada do septeto formado por Zak Stevens (vocal), Chris Caffery e Al Pitrelli (guitarras), Johnny Lee Middleton (baixo), Pablo Cuevas e ShawnMcNair (teclados) e Jeff Plate (bateria), houve clara “troca de guarda”, deixando evidente quem era fã exclusivo dos suecos e deixava a frente da pista premium assim que eles partiram. De cara, mandaram as duas primeiras de The Wake OfMagellan (97): a instrumental The Ocean, com um snippet de City Beneath The Surface; e Welcome. Seja sincero: há jeito melhor de abrir os trabalhos do que ouvindo Zak cantar “Welcometothe show!”?
Para quem queria peso, vieram com Jesus Savese a primeira e um tanto confusa interação do frontman: “Olá! Como vai? Faz barulho aí!” – em nosso idioma. Ele completaria: “Obrigado!Estou gastando meu português esta semana. Estão se divertindo? Então venham a bordo do navio e ousem cruzar The Wake OfMagellan”. A situação foi até engraçada, com o baixista fitando-o intrigado até a rápida correção de Zakpor Sirens. A “viajada” tem uma explicação: ele seguira o setlist de dois dias atrás no Monsters Of Rock e, considerando-se se tratar do primeiro show fora de um festival desde 2003, de acordo com dados do site Setlist.fm, há de se dar o devido desconto.
Em novo par de The Wake OfMagellan, mandaram Another Way e a previamente anunciada faixa-título, com sua tradicional e belíssima parede de vozes e graciosamente grafada como Wake Of “Magellen” no setlist de palco. Sem pausa, emendaram: StrangeWings, com absoluto apoio popular; e Taunting Cobras, super pesada e novamente segundo o site Setlist.fm, tocada pela primeira vez desde 1998. Em nova comunicação, Zak foi breve: “Sim? Estamos nos sentindo bem? E vocês, estão se divertindo? Aí vai uma para vocês, também do álbum The Wake OfMagellan”, a multi-camadasTurnsTo Me, puxada por Al Pitrelli, confortavelmente sentado. Em tempo e já soltando um spoiler, Zak não soltaria nenhum dos freqüentes e cativantes“Do caralho”de suas vindas ao Brasil com o Circle II Circle…
Enquanto observávamos o nome do grupo no backdrop e nas peles dos bumbos com a arte de HandfulOfRain (94) como decoração simples, fora o lindo trabalho nos telões, DeadWinterDead foi seguida pela bela instrumental The Storm e por HandfulOfRain, mostrando a versatilidade de Zak ao cantar em tons mais graves, bem como em Chance, com suporte da galera em alto e bom som, outro coral lindíssimo dos membros do grupo e bandeiras de países do mundo todo aparecendo nos telões, até a do Brasil concluir a música rompendo a barreira de uma hora de um senhor espetáculo!
ThisIs The Time (1990) foi a próxima e como se sessenta e oito minutos não tivessem sido bons o suficiente e repletos de nostalgia, o que o Savatage fez após concluí-la foi de emocionar até mesmo os corações mais geladosao abrirema caixa de seus maioresclássicos, a começar pela empolgante e belíssima GutterBallad. Quer outro hit comovente? Que tal se simplesmente emendassemEdge OfThorns? Assim foi… Fabulosa!
E se aproveitando da ocasião mais intimista gerada pelo final em voz e piano de The Hourglass, fizeram a magistralBelieve para fechar a parte regular do set,mas não como simples reprodução ao vivo e sim uma belíssima homenagem, a começar pelas palavras do frontman:“Neste momento, quero aproveitar esta chance para apresentar o homem que realmente fez tudo isso possível para nós esta noite, para nós e para vocês nos divertirmos. E estou falando de nosso irmão, nosso mentor sem igual, Mr. Jon Oliva”.
Na prática, primeiro Jon“surgiu” no telão para as duas primeiras estrofes e o refrão em piano e voz. Ao menos era o plano, com o áudio da gravação já mostrada no Monsters, pois o estagiário operando o telão deve ter cochilado e seu início foi sem imagens – problema resolvido relativamente rápido. Zak cantou o “miolo” com maestria, precisamente a partir de “Yourchildhoodeyeswereso intense”, e, durante o solo de guitarra lindamente feito por Chris Caffery, um compilado de curtas filmagens e fotografias de Chris Oliva gerou comoção ímpar – que dó não termos tido a chance de vê-lo desabrochar seu talento por inteiro.Por fim, Jon “voltou”ao telão para encerrar o hino. Tremendo bom gosto!
Para o encore, Zak voltou com ouniforme da seleção nacional de FUTEBOL (é sempre bom reiterar do que realmente se trata o manto sagrado da “amarelinha”) com seu nome e o número cinco às costas, e fizeram Power Of The Night – de acordo com o Setlist.fm, ela não era tocada ao vivo desde 2003 e a página cita ter sido sua primeira inclusão fora de um festival desde o mesmo ano. A saideira? Hall Of The Mountain King! Fala sério! Ao redor deste escriba, com PanicProne, do Chevelle (como essa banda nunca veio para cá?), na discotecagem e não como outro, rostos embasbacados eram puro êxtase dos fãs incrédulos por finalmente poderem conferir o potencial do Savatage diante de seus olhos!
Encerrado o espetáculo, no melhor sentido do termo, algumas constatações: Zak é um frontman das antigas, do tipo que não se alonga na comunicação, não conta causos, não explica de onde vieram as músicas e não faz de seu ofício um stand-upcomedy – sem qualquer crítica a quem adota o modelo; Chris Caffery é um guitar hero silencioso que prefere deixar a música falar por si, sem exageros; Al Pitrelli não fica abaixo de seu parceiro nas seis cordas e, a julgar por todas as bandas em que tocou, é de se pensar como ele foi parar no Megadeth, destoante no pacote completo; e Jon Oliva faz tanta (mas tanta!) falta que foi preciso recrutarem dois tecladistas para (tentar) substituí-lo…
Num simples resumão, foram: sete de The Wake OfMagellan (97); três de HandfulOfRain (94); duas de Streets: A Rock Opera (91), Hall Of The Mountain King (87) e DeadWinterDead (95); e uma de Sirens (83), Gutter Ballet (89), Edge OfThorns (93) e Power Of The Night (85) – se você é detalhista, notou que preteriram somenteFight For The Rock (86) e Poets And Madmen (01). E curiosamente, das vinte tocadas, oito faixas batizavam seus plays: Sirens, The Wake OfMagellan, DeadWinterDead, HandfulOfRain, GutterBallad, Edge OfThorns, Power Of The Night e Hall Of The Mountain King.
Por fim, ver tamanha felicidade estampada nas faces dos músicos, transbordando leveza e orgulho por dividirem o palco e o momento, despertou uma certeza: seria um desperdício e não haveria sentido algum se o retorno for breve. E agora? O que vem pela frente para o Savatage?Há de se ter paciência e aguardar. Enquanto não descobrimos, aprecie a filmagem integral do que rolou [https://www.youtube.com/watch?v=1NPqTo8XcUE] feita pela mesma boa alma que gravou o Opeth.
Setlists
Opeth
Oficial: 19:30–21:00 / Real: 19:30–20:57 / 1h27’
MikaelÅkerfeldt (vocal/guitarra), Fredrik Åkesson (guitarra), Martín Méndez (baixo), JoakimSvalberg (teclados) e WaltteriVäyrynen (bateria)
Intro: SevenBowls [Aphrodite’sChild]
01) §I
02)Master’sApprentices
03) The LeperAffinity
04) §VII
05) In My Time OfNeed
06) §III
07) Ghost OfPerdition
Encore
08)Sorceress
09)Deliverance
Savatage
Oficial: 21:30–23:00 / Real: 21:30–23:18 / 1h48’
Zak Stevens (vocal), Chris Caffery e Al Pitrelli (guitarras), Johnny Lee Middleton (baixo), Pablo Cuevas e ShawnMcNair (teclados) e Jeff Plate (bateria)
Intro: Guitar Video
01) The Ocean [Snippet De City Beneath The Surface]
02)Welcome
03) Jesus Saves
04)Sirens
05)Another Way
06) The Wake OfMagellan
07)StrangeWings
08)Taunting Cobras
09)TurnsTo Me
10)DeadWinterDead
11) The Storm
12)HandfulOfRain
13) Chance
14)ThisIs The Time (1990)
15)GutterBallad
16) Edge OfThorns
17) The Hourglass
18)Believe
Encore
19) Power Of The Night
20) Hall Of The Mountain King