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SeventhStorm – Entrevista Coletiva Online –05/10/22
Postado em 09 de outubro de 2022 @ 18:03


“Quando eu estava no exterior, como explicar o que quer dizer ‘saudade’? Não dá para traduzir!”

Por: Vagner Mastropaulo

Agradecimentos a: Marcos Franke (Nuclear BlastSouth America)

 

A convite de Marcos Franke e da Nuclear Blast South America, integramos outra coletiva online, agora em 05/10, uma quarta-feira de feriado em Portugal devido ao Dia da Implantação da República, com os trabalhos se iniciando pontualmente às 16:00 de São Paulo, 20:00 em Parede, uma vila no município de Cascais onde reside Mike Gaspar, ex-baterista do Moonspell e hoje capitaneando o SeventhStorm, completado por Rez (vocal), Ben Stockwell e Josh Riot (guitarras) e o brasileiro Butch Cid (baixo).

Tratando-se de um falante de nossa língua, não foram necessárias traduções, até porque somente jornalistas nacionais participaram do agradável bate-papo de noventa minutos e, diferentemente de eventos similares com Erik Danielsson(vocalista/baixista do Watain) e SamiYli-Sirniö e Frédéric Leclercq (respectivamente, guitarrista e baixista do Kreator), quando dezoito profissionais endereçaram suas indagações, desta feita apenas oito o fizeram. Sinceramente? Azar de quem deixou de “aparecer”, pois o simpático e comunicativo Mike atendeu a todos de maneira super elaborada e esbanjando conhecimento e visão de mundo.

Em consideração aos colegas que efetivamente propuseramquestões, eis seus nomes e veículos: Gegê Andrade (Revista Freak), Rian Rodrigues (Ferroada Do Metal), Iuri Cremo (Cultura Em Peso), Gustavo Maiato (Whiplash e site próprio), Marcelo Vieira (Marcelo Vieira Music), José Carlos Queiroz (Papo Metal) e Johnny Z (Metal Na Lata).

Tendo direito a duas perguntas, este ansioso repórter abriu as interações com o músico, primeiro pedindo para que ele refletisse sobre o termo “saudade”, que batiza a segunda faixa de Maledictus, lançado em 12/08, e depois solicitando uma leituraacercada relevância da caravela, tão presente no imaginário português quanto na arte frontal do début do quinteto.Talvez pela facilidade de entendimento recíproco no idioma, ambas as respostas foram longas, bem como às dadas aos demaisparceiros de imprensa e nos esmeramosem transcrevê-las o mais fielmente possível, embora, acredite, às vezes o sotaque tenha nos atrapalhado de leve… Divirta-se:

 

Vagner Mastropaulo: Boa tarde/noite, Mike! Gostaria de começar abordando a música Saudade. Não sei se vocês a enxergam como a mais importante do disco, porém fiquei com essa impressão por ela ter quatro versões (inglês e português; plugada e acústica), além do clipe, e ainda encontrei uma filmagem no YouTube com vocês a tocandona Fnac. “Saudade” é um substantivo inexistente em inglês, tanto que vocês cantam “I am saudade” na letra, e não sei se você já assistiu a um documentário chamado Saudade (17) [https://www.youtube.com/watch?v=YFZQy7sfYe4]. Enfim, por favor, discorraa respeito do uso da palavra “saudade” para nomear a composição, lindíssima e poderosa, aliás!

Mike Gaspar: Obrigado! Na verdade, esta música tornou-se mais intensa também devido ao fato de ter sido a última que compusemos. As outras músicas tiveram muito mais tempo de amadurecer e de experimentarmos o que funcionava ou não e houve muito tempo. Saudade não, ela foi feita em duas semanas, mesmo antes de voltar depois de tudo para finalizar o álbum, e foi escrita na épocaque conseguimos o contrato com a AtomicFire, quando falei com o MarkusWosgien [nota: CEO e fundador do selo, também criadorda Nuclear Blast].Nesta época, eu estava em Portugal havia muito tempo e me veio muito a idéia do meu passado, da minha carreira, da visão que os estrangeiros tinham de nós como portugueses, de todo nosso passado e da nossa história.

Não é tão simples assim. É muito complexo explicar “saudade” a um alemão ou finlandês[risos]. Com vocês, é claro que é muito mais fácil e aprendi muito até sobre Portugal no Brasil, o que é engraçado, por tantas vezes que fui até aí, porque vocês mantêm muito a história, têm muito orgulho desta história e, às vezes, aqui, estamos tão habituados que já não ligamos tanto. Então, por ter tido esta experiência e esta conversa, sabia que tinha que ter algo que marcasse o fato de sermos uma banda portuguesa com esta sonoridade, com esta luta, a luta na perda, né? Porque também dá uma forma de sentirmos que estamos a perder o que fazemos no mundo hoje em dia, sejabrasileiro, português, alemão… Não interessa de onde você venha, estamos todos muito globalizados e perdendo um pouco a nossa identidade.

Somos livres para tudo, pessoas abertas e queremos que as pessoas sejam felizes, mas, na verdade, é conhecer o nosso passado, a nossa cultura, e é daí que vem a “saudade” porque senti isso na pele tantos anos na estrada, né? Portugal é tão única, sua cultura é muito única, nossa maneira de ser, quando se pensa no latino (italiano, grego, América Latina), temos alguma coisa de diferente, quase que poderíamos ter um mundo à parte do resto [risos]. Foi também uma tentativa de trazer as pessoas de fora a este mundo que adoramos e que tanto nos faz falta. Você nota também que há muita frieza no mundo e acho que uma coisa que temos de bom é essa capacidade da amizade, de família, que é tão importante, né? Acho que é porque lutamos tanto na vida para ter o que temos, ao menos nós, no nosso sentir, para podermos estar bem com nossas famílias.

E queria só passar esse sentimento para a música naquela altura e “saudade” é realmente aquela palavra que, quando eu estava no exterior, como explicar o que quer dizer “saudade”? [risos] Não dá para traduzir! Como é que se traduz “saudade”? “Missing”? “Missingwhat”? [gargalhando]. É logo a reação que você vai ter do americano ou do inglês, provavelmente, e é muito mais do que isso. O luto que temos quando perdemos alguém e às vezes não é só sobre as pessoas, claro que são o mais importante, mas: qual é aquele bar de metal a que você adorava ir e já não existe? Aquela loja de discos que você adorava?Encontrar-se com seus amigos ou o que quer que seja. Isso, aos poucos, vai se perdendo. É claro que temos que avançar, mas acho que quem vem deste gênero e destageração hoje tem muitos problemas em aceitar o que vemos à frente nos dias de hoje.

 

Vagner Mastropaulo: Coincidentemente, a primeiracenano documentário que citei e a última trazem uma caravela, assim como na capa de Maledictus. Por ser brasileiro, certamente não possuoa mesmasimbologia do que representa tal embarcação e, no máximo,associo-a ao escudo do Clube de Regatas Vasco da Gama, fundado por portugueses e atualmente numa situação bastante difícil. Sem dúvida, ela significa algo muito profundopara vocês e,de todo modo, gostaria que você nos contasse um pouco sobre a imagem ilustrando o álbum.

Mike Gaspar: Sim, sim! Para mim, há vários significados lógicos quando você olha para a capa.Na verdade, você vê uma nau e aprendi isso com meu grande amigo, Vitor, que aqui é um historiador por si. Aprendi tanto com ele, que dizia que as caravelas não tinham capacidade de fazer o trajeto transatlântico, de cruzar o oceano, e as caravelas não iam juntar as costas. Então a nau é uma embarcação muito mais potente e forte e até há os cuidados com os detalhes, para que alguém que for lá ver a capa não diga: “Está incorreto!” [risos].

Acompanhei todo esse processo e, realmente, quando vemos uma caravela ou nau, é claro que vem toda a história portuguesa, né? É o mar e isso eu queria dar ao mundo: não queria que houvesse dúvidas de que somos uma banda portuguesa [risos].Porque tenho muito orgulho de continuar a fazer esta tarefa, de alguma forma pôr o mapa português no mundo e dar continuidade e esperança às futuras gerações.Mas, é claro, ela também representa o nosso veículo e para onde vamos. No meu caso, aviões e ônibus de turnê, tudo que fosse veículo para se chegar ao destino e aos concertos. Esta estrada é muito desgastante e é aí que temosmuitas aventuras, boas e más.

E queria dar algumas formas também a algumas feridas, a todo nosso passado, todos nós temos feridas e é por isso que se vêemfurosnas velas da caravela. Também o oceano, quando se olha para o mar, não sei se já repararam, mas há feições que queria que fossem algo como fantasmas ou as pessoas perdidas, quem já não está conosco, um mar de vultos. E é engraçado também porque temos a história de 1755 [nota: nome e tema no décimo primeirofull-length do Moonspell, de 2017, inteiramente cantado em português e com um belíssimo cover de Lanterna Dos Afogados a fechar oplay derradeiro de Mike com o grupo], do grande terremoto em Lisboae havia tantas mortes que, num ponto, levaram corpos para o fundo do oceano e os despejaram – você pode imaginar a quantidade… E esta imagem ficou sempre na minha idéia e a aproveitei agora para este disco.

Também porque moro perto do mar.Houve uma fase em que eu andava a correr o mundo e sempre me fazia falta estar junto ao mar, já não via luz havia muito tempo, digamos, estando sempre enfiado no backstage ou palco. Imaginação é interminável!Uma imagem interminável etive muito gosto em fazer esta capa, àantiga, pintada a óleo em tela, foi um processo de meses tentando pôr todas essas mensagens lá. E também ir a um rumo novo que, este disco, contando com meu passado, a embarcação está aí em direção a algo, não sei o quê, ao desconhecido [risos].

Mas era isso que estava a remexer: coragem aos homens do passado em poder aventurar-se, mas também com isso vem o lado negativo, é claro, que é: quando penso na época dos descobrimentos, penso no povo indígena, sofrimento… E isso também está lá!Isso também é essencial, não se esquecer deste lado. Há algo muito bom que veio destes tempos, em Portugal também se fala que Lisboa era estilo a Nova York nos séculos XV e XVI e havia muita riqueza. Se você anda por Lisboa, nota-se bem tudo que se construiu naquela época.

O que quero passar com isso é: independentemente de ser riqueza, fé ou religião, temos capacidade e coragem de fazer coisas incríveis se quisermos. No meu caso, é metal, é música, é tudo que dá vontade de viver e pronto! É o que fizemos com muito apoio, sempre tendo um amigo ao lado e a qualidade foi incrível neste aspecto.

Vagner Mastropaulo: Ok, Mike! Muito obrigado!

Mike Gaspar: Até já!

Maledictus – Tracklist (73’01”)

01) Pirate’s Curse – 6’24”

02) Saudade[English Version] – 6’38”

03) Sarpanit – 2’21”

04) Gods of Babylon – 6’48”

05) The Reckoning – 7’13”

06) Inferno Rising – 7’56”

07) Seventh – 5’42”

08) My Redemption – 6’26”

09) Haunted Sea – 8’16”

10) Saudade [Acoustic][English Version] – 4’18”

11) Saudade [Acoustic][PortugueseVersion] – 4’18”

12) Saudade [PortugueseVersion] – 6’41”

 
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