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Terra Livre(Ricardo Vignini & O Gajo) – Red Star Studios– 07/12/23
Postado em 05 de janeiro de 2024 @ 12:55


Texto: Vagner Mastropaulo

Fotos: Rita Perran

Explorando mares nunca dantes navegados e terras livres, a dupla veio para ficar!

Ricardo Vignini segue a mil por hora! Se em nossa última ida ao Red Star Studios resenhamos seu trabalho com Zé Helder no maravilhoso Moda de Rock, com participação mais do que especial de Zeca Baleiro [https://onstage.mus.br/website/moda-de-rock-convida-zeca-baleiro-red-star-studios-31-05-23], o retorno à casa foi para uma apresentação não menos magnífica em companhia de João Morais, O Gajo,promovendo Terra Livre (23).

A aposta foi em seu conteúdo integral, com as nove faixas praticamente na ordem de estúdio, somadas a: uma composição inédita de Ricardo; uma em parceria dos dois, porém extraída de Não Lugar, disco deste ano de João; e outra do mesmo play executada apenas por ele. Definida assim friamente, as aparências enganam, pois a performance foi intensa ao longo de uma hora e dezenove minutos que voaram de tão agradáveis!

Em atmosfera intimista com direito a dois abajures laterais e platéia sentada, só faltou baixar um pouco a iluminação para formar o cenário perfeito e talvez a maior riqueza da noite tenha consistido nas interações entre ambos e/ou nas estórias contadas e por isso as transcreveremos.“Matuto Moderno” e simples, o brasileiro já entrou quebrando protocolos e dando a real com dezesseis minutos de aguardo após o horário divulgado de 20:00:

“Então, vamos… Boa noite!A gente tinha colocado uma introdução para soltar, fizemos tudo caprichado, com projeções… Aí resolvemos começar assim mesmo!”, com a que batiza o full-length para um comportadopúblico basicamente formado amigos, familiares e apreciadores de um som instrumental de qualidade. Enquanto isso, a mente deste escriba viajava imaginando o show numa Comedoria de algum Sesc“causando estragos” com a galera dançando e batendo palmas no ritmo de Terra Livre.

Corrosãotrouxe belo diálogo entre violas complementares e João até começou a se expressar, porém,inaudível, despertou divertida reação de algum gajo gracioso: “Fale em português!”. Hilário! Ele retomou: “Não sei falar português! Muito obrigado a todos, primeiro de tudo, por estarem aqui. É um grande prazer, também para mim, estar aqui pela primeira vez no Brasil, finalmente nesta aventura da Terra Livre, que começou há um bocadinho atravessando o oceano e foi muito interessante desenvolver este trabalho”.

Ricardo completou: “Esse terreno que a gente criou é de uma música que não tem pátria.Os instrumentos que a gente toca são tradicionais, mas a música que a gente toca não é tradicional e é a música que está no HD das nossas memórias”. O Gajo, este sim com “G” maiúsculo, deu a tréplica: “Tem também uma segunda camada: pelo menos em Portugal, ouvimos muitas notícias de guerras que estão acontecendo, não só no leste da Europa, mas também no Oriente Médio. E esta questão da “terra livre” também é um bocadinho esta questão que leva sempre a guerras e ocupações, o que é o território meu, o que é o território teu. Acho que a terra deveria ser uma coisa um pouco mais… Livre”.

Sobre Corrosão, Ricardo ainda acrescentou, arrancando gargalhadas: “Acompanhando o João nas redes sociais, um dia vi que ele tinha ido a um show do CorrosionOfConformity, uma banda americana que misturava metal com punk e que eu gostava muito quando era garoto. Aí fiz essa música e coloquei o nome de Corrosão. Aí mandei para ele e a banda dele se chamava Corrosão lá em Portugal, numa época em que ele era punk. Então a gente formou uma dupla caipira que é Caveira e Corrosão”.

O português arrematou esta primeira troca de turnos referindo-se à próxima: “Seguimos com a música Albatroz, que, digamos, talvez seja a maior ave marinha que percorre grandes distâncias e atravessa oceanos, portanto, como esta travessia”. E nada tira da cabeça deste repórter que seu início tem um pezinhona Quinta Sinfonia de Beethoven, bem de leve…Nela, João ligou o modo “assobiare chupar cana” ao tocar viola, um bumbo com o pé direito e uma pandeireta com o esquerdo. Sensacional!

Seiva teve mais com cara de “Viola, Minha Viola” e um trechinho vagamente lembrou Flores Em Você, do Ira! – seria influência subconsciente da gravação emModa De Rock Brasil (22)? Em todo caso, João pediu a palavra: “A próxima música tem um pouco a ver com aquilo que nos ligou desde o início, que foram nossas influências musicais. Tínhamos um bocadinho da mesma imagem de roqueiro, o mesmo punk rock, metaleiro, ou seja: os Bandidos, basicamente, né? É o nome da próxima música. Então, Bandidos.Vamos?”. Na prática, um musicão da porra que facilmente merecia uma transposição para uma versão metal e nelaimpressionou o trabalho da mão esquerda de João.

De Não Lugar, o português executou a seguinte sem seu companheiro e assim a apresentou: “Temos que fazer uma pausa porque é um bocado intenso. Não são muitas músicas, mas elas são um bocado intensas. Vou tocar agora uma música que está num disco que lancei no início deste ano. Esta próxima música abre este trabalho e ela se chama Tarântula. E Tarântula tem uma pequena estória: li, não me lembro exatamente onde, provavelmente na internet, que as tarântulas são originárias, ou foram primeiramente descobertas no sul da Itália, numa cidade que se chama Taranto”.

Ele foi além: “Sua picada provoca no ser humano uma espécie de movimentos compulsivos assim meio difíceis de controlar e, a partir destes movimentos, foi inspirada a dança da tarantela, a dança tradicional desta região da Itália. Achei esta versão interessante, já confirmei em várias fontes. Sei lá se é verdade, mas não sou historiador, achei a estória muito engraçada e, por isso, esta música é meio mexida. Quem estiver de pé, pode dançar. Tarântula, vamos a ela”, de fato, dançante e outra com bumbo e pandeireta. Encerrada, ele brincou: “Já sabem: se forem picados por uma tarântula, arrumem uma pista de dança! Alguém já foi picado por uma tarântula?”. Espirituoso, Ricardo regressou tirando onda: “Aqui tem dengue, cara!”.

Voltando à seriedade, João anunciou: “Esta próxima música, digamos que foi o primeiro passo de nossa colaboração. Foi na altura em que convidei o Ricardo para participar neste disco e, portanto, tem uma música com ele que se chama Jangada, que também é uma forma de se atravessar um oceano. Não será a mais confortável, mas a vida anda difícil!”. Então foi a vez de Ricardo ficar sozinho no palco, primeiro preparando o instrumento e depois contextualizando uma inédita:

“O Gajo já conhecia a piada do violeiro, que passa metade da vida afinando a viola e a outra metade tocando desafinado. Ele já conhecia. A gente importou isso. Bem… Fui criado na Vila Santa Catarina, boa parte da minha vida fiquei lá e me lembro que, aos domingos, era o dia da faxina. Então minha mãe colocava o rádio naquelas estações em que tocavam música instrumental do tipo Ray Conniff e a gente caía na faxina também. Aí fiz uma música… Quero dizer, estou fazendo, não está pronta ainda e não a gravei ainda. Ela se chama Domingo Na Vila e me lembra deste momento”. Por este que vos escreve, não há motivo para mexer muito mais nela, serena e bela como já está!

Dupla refeita, mais interações: “O Gajo fez uma música e colocou o nome de Serpente. Aí tirei uma foto da boca da minha viola, que tinha um guizo de cascavel, e mandei para ele. Contei da simpatia para tocar viola, que você tinha que pegar uma cobra coral e passar no meio dos dedos… Essa viola está sem guizo porque, se eu colocar um guizo em cada viola que tenho, vai ser um desastre ecológico”. João explicou: “Esta música tem uma atmosfera que parece que vai ali qualquer coisa a rastejar”, sendo possível sentir o porquê do título no dedilhado imediato.Magma a sucedeu e a próxima conversa merece transcrição total:

 

Ricardo: Toda piada ele já conhece!

João: Confesso que não conhecia a estória das violas e de que, lá atrás, elas, de fato, estavam relacionadas e que uma teria, digamos,partido de outra e que havia aqui este trânsito das violas entre Portugal e Brasil. E foi interessante depois explorar isso. Viola caipira e viola campaniça são, no fundo, violas do campo.

Ricardo: Exatamente! E lá também tem essa coisa do preconceito com o “caipira”.E lá, como é o nome do cara?

João: “Campônio” ou “pessoa do campo”.E, às vezes, isso é dito de uma forma um bocado depreciativa, mas obviamente sem consistência.

Ricardo: E quem era Maria Da Manta?

João: Não é coisa boa… Não pode ser. Senão não estava aqui, né? É mais um daqueles mitos das estórias antigas, daquelas que se conta às criancinhas: “Se não comeres a sopa toda, vem aí a Maria Da Manta”. Eu não sei a história dela assim em detalhes.

Ricardo: É a avó do boitatá, mais ou menos.

João: E do Saci. Estou descobrindo o Saci!

Ricardo: Ele conhece tudo isso aí!

João: Qual é a música?

Ricardo: Vamos com a Maria Da Manta, né? Senão vai dar um azar do caramba, a gente fica zoando ela…

 

E não é que saideira do álbum, mas não do show, foi bem divertida? Na boa, ela não pode ser sinal de mau presságio, com um ar de WastedYears, da parte de Ricardo, num dedilhado do meio em diante, fora um pedaço perfeito para chacoalhar de cabeçasmais para o final. Então o brasileiro esbanjou sinceridade: “Antes de fazermos a última aqui, queria falar que estou feliz pra caramba de ter idealizado isto aqui. O Red Star abriu o espaço para a gente em maio deste ano e falei: ‘Poxa, seria o lugar perfeito para fazermos esta apresentação’. Queria agradecer a vocês porque sei que é difícil sair de casa para ver uma coisa e uns caras que vocês nem conhecem, sem conhecer a música direito, pegar trânsito, chuva… Então queria agradecer a vocês”.

Tinha mais: “Agora a gente vai fazer Rojão, a última música, e é o seguinte: eu estava fazendo esta música em junho, no meio das festas juninas, vendo comemorações, aquela coisa da briga de espadas de Bacamarte que o pessoal faz. Aí falei: ‘Vou colocar o nome desta música de Bacamarte’. Aí o João, com toda educação, escreveu: ‘Ricardo, não me leve a mal, gajo. Mas sabe o que é? ‘Bacamarte’ não pega muito bem aqui em Portugal’. Perguntei: ‘Mas por quê? O que significa ‘Bacamarte’?’. Pode falar que eles não vão ligar. Vai ficar com vergonha?”. E o Gajo não se fez de rocado: “Pila grande, mas não é dinheiro!”. Ricardo concluiu: “Aqui ia passar batido, mas já pensou, lá no Centro Cultural de Belém, você falar: ‘E agora, Pila Grande!’”. Rojão foi a terceira e última com bumbo e pandeireta.

Evidentemente haveria bis, Albatroz novamente, assim descrita por Ricardo: “Aquela lá,o hit”, certamente por ter sido o single disponibilizado. Teria mais da dupla em São Paulo, três dias depois no Instituto Juca de Cultura, mas rumamos ao Tokio Marine Hall para cobrirmos o UriahHeep [https://onstage.mus.br/website/uriah-heep-tokio-marine-hall-10-12-23]. Agora é esperar tanto por material novo de Ricardo Vignini quanto de O Gajo e torcer pelo retorno em breve do português ao país para mais apresentações, pois o casamento entre as violas caipira e campaniça será duradouro!

 

Setlist

01)Terra Livre

02)Corrosão

03)Albatroz

04)Seiva

05)Bandidos

06)Tarântula [Só João Morais, O Gajo]

07)Jangada

08)Domingo Na Vila [Só Ricardo Vignini]

09)Serpente

10)Magma

11)Maria Da Manta

12)Rojão

Bis

13)Albatroz

 
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